Obama: avanços e recuos

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Luiz Eça
20/03/2009

 

Obama começou a realizar uma das mais audaciosas propostas da sua campanha: assistência médica para 43 milhões de americanos até hoje desamparados. Os recursos necessários, 3,6 bilhões de dólares, viriam do corte dos subsídios concedidos por Bush aos mais ricos, que pagariam ainda impostos especiais.

 

A idéia logo despertou as iras da oposição republicana e de toda direita em geral. Gente muito forte que sepultou projeto análogo, porém, muito mais tímido, de Clinton, alvejando-o como socialista.

 

Mas Obama não se intimidou. Ele tem armas poderosas. Conclamou os 13 milhões de ativistas de sua campanha, os sindicatos e as ONGS progressistas, que representam um poderoso grupo de pressão, capaz de fazer os congressistas pensarem várias vezes antes de votarem contra.

 

É a "mudança" prometida, a qual muitos consideram estar acontecendo também na segurança e na política externa, com base em medidas que renegam o governo Bush: o fechamento de Guantánamo em um ano; a proibição de torturas; a substituição da força pela diplomacia; os primeiros passos para a abertura de negociações com o Irã; o abrandamento das medidas contra Cuba; a não intervenção nas eleições de El Salvador, ganhas por um esquerdista; o compromisso com a solução dos "dois Estados para o problema da Palestina".

 

Mas o Vasco da Gama ser melhor do que o Madureira não o torna um super esquadrão. Bush não serve de referência. Seu governo ficará na história como o mais desastroso de todos os tempos. Ser melhor do que ele não é vantagem. As medidas citadas acima seriam tomadas até mesmo por um governo conservador equilibrado. Configuram mais uma mudança de forma do que de conteúdo.

 

Mudar seria algo como os Estados Unidos pressionarem Israel para aceitar uma Palestina independente e viável, retirarem-se totalmente do Iraque, buscarem um acordo com os talibãs para encerrar a guerra, negociarem com o Irã sem pré-condições, reduzirem as despesas militares, fazerem as pazes com Cuba... Nada disso consta do programa de Obama. Mas, mesmo sendo moderadas, as promessas do então candidato Obama na segurança e na política externa sequer estão sendo cumpridas integralmente, o que deixa dúvidas de que partes substanciais sejam relegadas ao limbo.

 

Depois de anunciar o fechamento de Guantánamo em um ano, Obama, contraditoriamente, manteve a negação dos direitos a advogado e a processo aos presos em bases militares no Iraque. E, em ações judiciárias, advogados do Departamento de Justiça negaram os mesmos direitos aos internados em Guantánamo. A proibição de contestar na justiça a autoridade do presidente em questões de segurança e a imunidade para autoridades em casos de tortura promovida antes de ser claramente ilegal foram outras teses defendidas em juízo por esse órgão do governo. Que chegou até a requerer arquivamento de ações, invocando "segredos de Estado".

 

Bush não faria diferente. Só resta creditar estes atos contrários à filosofia do governo Obama às pressões que vem sofrendo. Elas partem de setores poderosos como a AIPAC (o maior lobby pró-Israel), as Forças Armadas e a indústria militar, secundadas pela maioria dos congressistas; jornais, rádios e jornalistas de direita; os "neoconservadores" que assessoraram Bush e os mais vociferantes pastores evangélicos independentes, que elegeram o Islã como a encarnação do demônio.

 

Quando se trata de segurança e política internacional, Obama não tem o mesmo apoio dos seus 13 milhões de militantes e dos sindicatos. De um lado, porque o povo americano traumatizado pelo 11 de setembro ainda temeria que um abrandamento na repressão pudesse favorecer o terrorismo; de outro, porque não costuma interessar-se muito pelo que acontece no resto do mundo.

 

Assim vemos que a grande promessa de Obama, retirar-se do Iraque em 16 meses, foi cumprida de modo decepcionante. Aumentou-se seu prazo de 16 para 19 meses. E ainda assim ficarão 50.000 homens, "não-combatentes", para treinar o exército iraquiano e auxiliá-lo, caso necessário. Esta tropa, em princípio, só voltaria para casa no fim de 2011 (como Bush já havia acertado). Mais uma vez, Obama foi pouco além do seu antecessor.

 

Uma análise tranqüila mostrará que também nos demais "fronts" estrangeiros as novidades têm sido escassas. Nos acenos aos iranianos, Obama continua insistindo que seu programa nuclear bélico (que eles negam de pés juntos) é um fato e tem de ser detido, por bem ou por mal. Bush rides again.

 

Embora seu principal compromisso seja com a segurança de Israel, Obama afirmou que deseja uma Palestina livre e viável. E assegurou aos árabes uma mediação justa. Nessa linha, o mais relevante que aconteceu foi a visita à região de George Mitchel, como enviado especial ao Oriente Médio, que saudou a formação de um governo de união dos palestinos como "um passo à frente" para a paz. O que não agradou nada a Netanyahu.

 

A participação de Hilary Clinton na reunião dos doadores para a reconstrução de Gaza, prometendo 900 milhões de dólares, teria sido positiva não fora a absoluta inércia americana ante a persistência do bloqueio da cidade pelos israelenses, que impede a aplicação desses recursos. Tel Aviv diz que só suspenderá o bloqueio se o Hamas devolver o soldado preso há dois anos. É claro, isso é chantagem, viola o direito internacional, mas nem os Estados Unidos, nem a Europa fazem nada. Enquanto isso, o escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários informa que 150 mil habitantes de Gaza não dispõem de água tratada; destes, 50 mil não têm água de espécie alguma e o restante só a cada 5 ou 6 dias. Tudo porque os soldados israelenses não permitem a entrada do material para a reconstrução das instalações de suprimento de água, destruídas por eles próprios.

 

Obama poderia exigir que Tel Aviv abrisse as fronteiras para permitir a ressurreição de Gaza. Seria um bom início para a busca da paz na Palestina. Mas teria antes de vencer forte oposição interna. O lobby pró-Israel é poderosíssimo.

 

Na vanguarda está a AIPAC, o maior entre os diversos lobbies judaicos, com 100 mil membros e um orçamento anual de 65 milhões de dólares. Para dar uma idéia do seu poderio, neste ano, a reunião da entidade teve 5.000 participantes, inclusive 2/3 da Câmara dos Representantes e metade do Senado. A maior parte da grande mídia faz coro com a AIPAC. Pesam também em favor de Israel os grandes eleitorados judaicos de Nova

 

Iork e Florida e o apoio decidido de grandes interesses econômicos. O que se reflete na atual posição majoritariamente favorável a Tel Aviv no Congresso.

 

Como recentemente, quando da nomeação do diplomata Charles Freeman para a presidência do Conselho de Inteligência Nacional. Respeitado diplomata, Freeman foi duramente atacado, não só por senadores republicanos e democratas, como pela própria Nancy Pelosi, líder do Partido Democrata na Câmara, por suas críticas ao governo de Israel. Obama não ergueu um dedo em defesa de Freeman, que acabou renunciando.

 

Tão atuante quanto o lobby pró-Israel é o complexo industrial-militar. Nem bem tinham sido anunciados os resultados do pleito, os generais já estavam cercando Obama e fazendo declarações aos jornais apontando os riscos de uma "retirada precipitada" do Iraque. Enquanto isso, o Partido Republicano denunciava a "fraqueza" da política "soft" do novo governo.

 

Obama cedeu. Nomeou 20 falcões, liderados por Hilary Clinton e Robert Gates, para altos cargos na área internacional. E, como se viu, optou por uma retirada entre aspas do Iraque.

 

Recentemente, ele deixou os rapazes do complexo industrial-militar com um sorriso que não cabia na boca ao anunciar que "este país vai manter seu domínio militar. Vamos ter as forças armadas mais fortes da história". O que é muito estranho considerando que o orçamento militar americano (em 2007), de 547 bilhões de dólares, representa nada menos do que 45% do total mundial.

 

Apesar disto, havia preocupações, pois os gastos militares previstos no orçamento de 2010 teriam um aumento de "apenas" 4% em relação a 2009. A fala do presidente foi animadora para a indústria de armas. A Boeing, em particular, espera que seja aprovado o projeto de Sistemas de Combate do Futuro, orçado em mais de 200 bilhões de dólares.

 

Atribui-se à necessidade de acalmar os meios militares, apreensivos com o pacifismo de Obama, o aumento das tropas no Afeganistão e dos bombardeios de áreas civis na fronteira do Paquistão, apesar dos protestos do governo amigo desse país.

 

Mas a prova de fogo da mudança de Obama vai ser na Palestina. Ele não poderá adiar muito a retomada das negociações, especialmente agora que os árabes estão para se unirem na Autoridade Nacional Palestina. Os dirigentes de Israel não poderão mais alegar que não têm um interlocutor.

 

Netanyahu já deu mostras da sua visão para as negociações que devem ser realizadas. A nomeação para chanceler de Avigdor Lieberman, o líder da ultra-ultra-direita, que defendeu a expulsão dos cidadãos árabes de Israel, é mais do que reveladora.

 

Se Obama deseja mesmo uma solução justa, com a volta das fronteiras anteriores a 1967, como exige a ONU, e uma retribuição pelo menos financeira aos árabes expulsos de suas propriedades, terá um árduo trabalho pela frente. Será inevitável um enfrentamento com os "lobbies pró-Israel" e grande parte dos congressistas. Mas ele não estará sozinho. Não pode menosprezar o exército de 13 milhões de militantes, as ONGs e sindicatos progressistas e a maioria dos americanos que votaram nele, empolgados por suas promessas de mudança.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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