Obama: apenas uma ilusão americana

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Luiz Eça
29/08/2008

 

Barack Obama surgiu como uma esperança não apenas para os americanos, mas também para o mundo. Suas posições liberais e sua coragem lhe deram maior visibilidade quando foi dos raros senadores que ousou enfrentar a opinião pública votando contra a invasão do Iraque.

 

Assim, a pré-candidatura de Obama a presidente conseguiu algo de inusitado: entusiasmar pelas eleições amplos setores da população, particularmente a juventude, desencantados com os cínicos políticos de plantão, que trocam de posição conforme suas conveniências.

 

Ao garantir que retiraria as tropas americanas do Iraque em 16 meses, deu maior credibilidade à sua bandeira de "mudança" no governo do país, assumida como artigo de fé por democratas e independentes.

 

O problema é que quem começou a mudar foi ele. No melhor estilo do "establishment" político, por ele condenado, levou seu apoio a Israel a extremos tais como considerar o extinto Sharon como "absolutamente construtivo para o processo de paz"; apoiou a invasão do Líbano e o bombardeio de Gaza; sustentou que o programa nuclear do Irã tinha de ser detido, senão pela diplomacia, que fosse pela força; defendeu a manutenção de uma presença militar no Iraque, ainda que limitada, para garantir a democracia e o petróleo.

 

Para os setores mais esclarecidos, tudo isso foi decepcionante. Obama parecia estar pegando a doença do oportunismo que assola a política americana. Estariam pesando fatos tais como: o voto judeu representa muito nas prévias de Nova York e Flórida; a eficiente campanha de propaganda do governo Bush seduzira a opinião pública contra o Irã; não convinha antagonizar-se com a poderosa indústria petrolífera, renunciando às reservas iraquianas ao retirar-se. Mas a massa do eleitorado de Obama mostrou-se tolerante, ainda que receosa, afinal, McCain seria muito pior...

 

Depois de consagrado candidato do partido, Obama passou a ser mais cauteloso. Temeu ser marcado como muito liberal pelo eleitorado americano, tradicionalmente conservador. Num curto espaço de tempo, aplaudiu a decisão da Suprema Corte, vetando a proibição de armas de fogo no Distrito de Columbia, apoiou uma lei de maior liberação das escutas telefônicas, à qual ele havia prometido se opor, falou a favor da pena de morte para estupradores de crianças e, mais importante, deixou dúvidas sobre a retirada do Iraque em 16 meses.

 

Não deu certo. Obama esqueceu-se de que, depois de oito anos de péssimo governo republicano, o conservadorismo do povo americano estaria abalado. Subestimou a juventude e os independentes que ele tinha inflamado com sua imagem de político sincero e de visão aberta, capaz de mudar o país.

 

A realidade foi dura. Se em 25 de junho (pesquisa Priceton Survey-Newsweek), Obama tinha 15% a mais do que o adversário, um mês depois (Rassmussem Report) estava empatado.

 

Obama sentiu o golpe e assegurou que ele foi mal entendido. Não havia alterado suas grandes propostas liberais. E garantiu: "Acabarei com a guerra do Iraque quando eu for presidente".

 

Porém, chega a convenção democrata e nova escorregada. Obama escolhe o senador Joe Biden para seu candidato a vice. A razão: McCain vinha insistindo na falta de experiência de Obama em política internacional. Biden tem de sobra – desde 1972 pertence à Comissão de Relações Internacionais do Senado, várias vezes como presidente.

 

Mas será que experiência vale mais do que competência e lucidez? Vamos aos fatos. Desde 1998, Biden defendia a invasão do Iraque. Antes da decisão favorável do Senado, na sua privilegiada posição de presidente da Comissão de Relações Exteriores, ele promoveu uma campanha pra vender a idéia da guerra aos senadores ainda céticos. Recusou-se a admitir que autoridades no Oriente Médio, inclusive membros do Pentágono e Scott Ritter, inspetor da ONU no Iraque, depusessem nas audiências públicas para discutir as armas de destruição em massa, presumivelmente, de posse de Saddam Hussein. Exatamente porque esse pessoal contestava a acusação.

 

Em compensação, convocou indivíduos de dúbias credenciais que acusaram Saddam de dispor de um verdadeiro arsenal biológico e atômico. Foi certamente o senador que mais ajudou Bush na sua tarefa de conquistar os votos dos congressistas e o apoio do povo para a guerra.

 

Recentemente, quando a opinião pública voltou-se contra a invasão, Biden mudou de idéia. Declarou-se arrependido. No entanto, suas críticas dirigiam-se contra o modo com que Bush conduziu a guerra e a ocupação, não contra sua legitimidade.

 

Embora os democratas tivessem votos suficientes para acabar com a ocupação simplesmente negando os fundos requeridos por Bush, Biden sempre se opôs: "Enquanto existir uma simples tropa no Iraque, eu não posso e nem votarei contra a concessão de recursos para eles".

 

O Iraque continuou na mira de Biden quando defendeu a idéia de dividi-lo em três países – xiita, sunita e curdo –, o que, certamente, liquidaria seu projeto de Estado desenvolvido. E deixou os iraquianos indignados.

 

Enquanto Obama defende a paz e a diplomacia para resolver os conflitos internacionais, o "experiente" Biden vai por outros caminhos. Tem sido um dos líderes no Congresso da militarização do Oriente Médio e do Leste Europeu, de severas sanções econômicas contra Cuba e de apoio às políticas de ocupação de Israel, inclusive a de derrubar as casas de parentes de terroristas. Ele diz ser um "sionista genético" e que a questão do Oriente Médio só terá progressos quando os árabes se convencerem de que "nada separa os Estados Unidos e Israel".

 

Em 1995, foi co-autor de uma proposta congressual que tornava Jerusalém capital de Israel e indivisível. Obama repetiu esta mesma tese. Mas, posteriormente, se desdisse, afirmando que os povos da região é que deveriam resolver esta questão.

 

A escolha de Biden é mais uma prova de oportunismo do candidato da "mudança". Suas apregoadas qualidades de sinceridade, coragem e abertura parecem estar mais no reino da ilusão.

 

A dúvida que fica é até onde vai esse oportunismo. Chegando à presidência ele voltará a ser o Obama de antigamente? Ou, para evitar problemas com o complexo industrial-militar, a indústria petrolífera, a burocracia do partido e o lobby israelense, continuará a política imperial de George Bush? Provavelmente de forma diplomática, moderada, inteligente, respeitando o multilateralismo e as normas do Direito Internacional.

 

Até os interesses do "establishment" americano se sentirem ameaçados, é claro.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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