Quem tem medo de Vladimir Putin?

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Luiz Eça
07/11/2014

 

 

Não é de hoje que a mídia estadunidense está empenhada numa campanha de satanização do presidente Putin. Ele é visto como um novo Stalin. Ou mesmo um Hitler, ávido por ampliar seu império, por bem, ou por mal.

 

Rotulado como um autocrata sem escrúpulos, Putin tem sido objeto das mais variadas acusações: uso de justiça seletiva contra seus adversários políticos, fraudes e violências nas eleições, supressão da imprensa livre, perseguição das ONGs de direitos humanos, favoritismo a milionários amigos que receberiam a maioria dos contratos públicos, pressões sobre diversos países da ex-União Soviética etc. Tudo bem, quase tudo bem que pode ser verdade.

 

O Ocidente, particularmente o presidente Obama, tem liderado esse coro indignado, focando o mau papel de Putin na política internacional.

 

Em discurso na ONU, Obama listou as ameaças atuais que pesam sobre a humanidade.

 

Depois de colocar o vírus Ebola como a primeira, deu medalha de prata à Rússia, cabendo apenas bronze ao Estado Islâmico.

 

Na crise ucraniana, Obama, em diversos momentos, denunciou severamente o “perigo russo”, atribuindo ao país de Tolstoi uma ânsia desmedida por engolir territórios alheios, especialmente da Europa.

 

As provas seriam a anexação da Criméia e o apoio político e militar aos separatistas contra o governo da Ucrânia, ações categorizadas como ilegais e atentatórias dos valores democráticos.

 

O povo norte-americano, sensível à ação orquestrada da mídia do país, de Obama e dos políticos locais, mostrou-se receptivo à campanha anti-Putin.

 

Em pesquisa da Gallup, 60% das pessoas reprovaram o governo de Moscou, que obteve apenas 39% de opiniões favoráveis. Acredita-se que os motivos da repulsa dos EUA seriam diferentes dos alegados.

 

Por que se sentem tão horrorizados com as repressões das liberdades por parte de Putin se apoiam autocratas, até piores, em outros países?

 

No Egito, bastou o general Sissi promover eleições para a Casa Branca esquecer os mais de mil manifestantes mortos pela polícia e exército egípcios. Sem contar as muitas centenas de oposicionistas condenados à morte em julgamentos fora das normas civilizadas e os 20 mil presos políticos.

 

Pois o governo norte-americano saudou a “alvorada democrática” no país. E a ajuda de um bilhão e 300 milhões de dólares (suspensa provisoriamente) foi pressurosamente retomada.

 

A Arábia Saudita é uma monarquia ditatorial, com um conjunto de leis islâmicas que datam do século VII. Lá não há eleições, a apostasia pode dar pena de morte e 30 mil oposicionistas povoam seus cárceres.

 

Obama jamais chamou o rei local de ameaça à humanidade, nem condenou suas ilegalidades. Pelo contrário, a aliança entre estadunidenses e sauditas prossegue estreita e fraternal.

 

Já Israel, apesar de ser uma democracia, cometeu e continua cometendo mais e mais graves ilegalidades do que a Rússia.

 

Expansão contínua de assentamentos judaicos em terras palestinas, três ataques militares a Gaza com violações de direitos humanos, comprovadas igualmente na abordagem do navio de socorros a Gaza, matando nove pessoas, e demolições de casas das famílias de suspeitos são alguns exemplos.

 

E, por falar em anexações, Israel também as praticou, ao tomar as Colinas de Golã ao Líbano e ocupar militarmente a Cisjordânia, tendo já afirmado que pretende manter para sempre grande parte desses territórios palestinos.

 

Mas Obama não adverte o mundo sobre o “expansionismo israelense”. Até critica os assentamentos. Claro, não é pra valer. Sempre que eles são discutidos no Conselho de Segurança, Obama veta, impedindo que saia uma condenação.

 

Os próprios EUA incidem nas mesmas ilegalidades de que acusam a Rússia. Apoiar militarmente os rebeldes sírios não é diferente de apoiar militarmente os rebeldes ucranianos. Assad é um presidente tão legal quanto é Poroschenko. Ambos foram eleitos por seus povos.

 

É de se crer que as razões do radicalismo anti-Putin são outras. Os impérios, como o norte-americano, não admitem que outra potência conteste sua hegemonia. É o que a Rússia de Putin tem feito. Em algumas situações, para defender seus interesses.

 

A Ucrânia era essencial para a união econômica de nações que Putin criava. Como se sabe, uma revolução, com apoio dos EUA e da União Europeia, derrubou o governo eleito do presidente Yanukovich.

 

Os russos reagiram. Não invadiram a Criméia: seus soldados já estavam lá, autorizados pelo tratado russo-ucraniano regularizando a permanência da frota russa no litoral da região.

 

No plebiscito que se seguiu, a maioria da população, de origem russa, optou por voltar a fazer parte da Rússia (integrara-se à Ucrânia nos tempo de Kruschev).

 

Promovida em Kiev, a revolução foi aprovada em quase toda a Ucrânia, com exceção da região leste do país, que se declarou independente.

 

Seguiu-se uma guerra entre o exército do governo da Ucrânia e os separatistas, com ajuda militar russa.

 

Indignado, Obama insistiu repetidas vezes para que os europeus se unissem aos norte-americanos em sanções contra Moscou.

 

Os países da União Europeia resistiam, pois temiam os efeitos da perda das suas exportações para a Rússia, no valor de 160 bilhões de dólares anuais. Mas acabaram cedendo.

 

As sanções deixaram mal a Rússia, cujo crescimento neste ano não passará de 0,20%, mas também influíram negativamente na economia dos países da Europa, que vinham numa frágil recuperação da crise.

 

Esse episódio favorece a acusação de Putin de que os EUA procuram moldar o mundo conforme seus interesses.

 

Pois com as sanções, perde a Rússia e perdem os europeus, mas não os EUA. Eles não sofreram grande coisa com a suspensão das suas exportações à Rússia, que mal chegam a 12 bilhões de dólares anuais.

 

E ganharam muito: o enfraquecimento da economia da rival Rússia, a incompatibilização de Putin com a União Europeia e a potencialização da OTAN – agora envolvida em diversas medidas para enfrentar o urso russo. Fato que obriga seus membros europeus a gastarem mais em armamentos, para a alegria das indústrias dos EUA. Recursos que fazem falta a seus orçamentos, muitos deles deficitários ou próximos disso.

 

Na Síria, as duas potências também se enfrentam. Enquanto Obama, há três anos, vem dando duro para destruir o regime Assad, Putin se esbalda em sua defesa.

 

O confronto endureceu quando Obama, sem provas, acusou Assad de um ataque químico. Como armas químicas são particularmente odiosas, o presidente norte-americano convocou o mundo para agir contra o autocrata sírio.

 

Seu plano era bombardear Damasco, mas embora não achasse obrigatório, resolveu pedir o apoio do Senado.

 

Inesperadamente, pintaram grandes chances de que seria rejeitado, como os parlamentares ingleses já haviam feito com proposta igual do premier Cameron. Na ocasião, o povo estadunidense, em maioria, demonstrou nas pesquisas que não queria o ataque.

 

Ironicamente, Putin salvou Obama dessa situação difícil. Depois de convencer Assad, propôs que as armas químicas sírias fossem destruídas pelo próprio governo sírio, não pelos bombardeiros dos EUA.

 

Em outras duas ocasiões, presidentes estadunidenses foram contestados por Putin e se deram mal.

 

Na invasão do Iraque, o presidente russo foi contra, mas Bush não ligou e todos sabem no que deu. Centenas de bilhões de dólares postos fora, milhares de norte-americanos e centenas de milhares de iraquianos mortos, devastação da imagem dos EUA no Oriente Médio.

 

No caso da revolução líbia, a Rússia também se opôs ao apoio dos EUA e outros países às facções anti-Kadafi. A guerra foi ganha, mas a paz foi perdida. Trocou-se um ditador por uma anarquia.

 

Hoje a Líbia é um país sem lei, governo sem poder, grupos de milicianos lutando entre si, enquanto destroem o país e suas instituições. Em todos esses confrontos, Putin funcionou como oposição à liderança mundial dos EUA.

 

Foi mesmo muito incômodo, como aconteceu ao proteger Edward Snowden, o norte-americano que denunciou a espionagem mundial dos telefones e computadores.

 

Enquanto França, Espanha, Itália, Portugal e Áustria se submeteram à Casa Branca, impedindo a passagem do avião presidencial boliviano do qual se suspeitava transportar Snowden, Putin ofereceu abrigo ao denunciante.

 

Indignação em Washington. “Falta de ética” por parte do russo, rugiu a Casa Branca. Nem anjo, nem demônio, Putin segue com altos índices de aprovação em seu país. Na mais recente pesquisa, obteve um índice de 87% de russos felizes com seu governo.

 

Por sua vez, Obama não consegue o mesmo reconhecimento por seu povo. Não passa de 40% a porcentagem dos que o veem de forma favorável.

 

No resto do mundo, as pesquisas também não são nada boas aos EUA. Mais por culpa dos seus antecessores, especialmente do governo desastrado de George W. Bush.

 

Pesquisa Gallup International, em 65 países dos cinco continentes, identificou os EUA como a mais perigosa ameaça à paz mundial (24%). Bem atrás vieram o Paquistão (8%), China e Coréia do Norte (6%) e Irã e Israel (5%). A pontuação da Rússia foi mínima. Parece que o mundo não tem medo de Vladimir Putin.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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