Atritos entre Obama e Netanyahu se agravam

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Luiz Eça
09/10/2014

 

 

Os desentendimentos entre os dois líderes datam do início do primeiro mandato do presidente norte-americano.

 

Empolgado com as mudanças prometidas em sua campanha eleitoral, Obama quis reunir palestinos e israelenses para negociarem a paz.

 

Como os palestinos exigiam que previamente Netanyahu parasse de expandir os assentamentos judaicos, Obama tentou convencer o israelense disso.

 

Argumentou, pediu, insistiu, mas Netanyahu ficou firme na negativa. Obama teve de desistir.

 

Anos depois, veio com nova iniciativa: propôs negociações de paz na base dos limites de 1967, como, aliás, determinara a ONU. Inaceitável para Israel.

 

Isso significaria renunciar aos assentamentos (ou a parte deles), que se espalhavam pela Cisjordânia.

 

Sem perder tempo, Netanyahu voou para os EUA, onde passou um sabão no presidente norte-americano em plena Casa Branca e foi recebido apoteoticamente pelo Congresso, em peso.

 

Assustado, Obama desculpou-se na sede da AIPAC, o maior lobby pró-Israel, alegando que fora mal entendido, a realidade dos assentamentos tinha de ser respeitada, os limites de 1967 eram apenas uma base inicial sujeita a alterações...

 

Depois de duas derrotas contra Bibi, Obama finalmente parece estar ganhando a terceira disputa.

 

Apesar das furiosas e repetidas apóstrofes condenatórias do premier israelense, ele continua procurando chegar a um acordo com o Irã na questão nuclear.

 

Agora delineia-se, digamos, uma nova rusga entre os dois chefes de Estado. Durante os ataques a Gaza, os EUA, fiéis a sua tolerância infinita às transgressões israelenses, justificaram os bombardeios: Israel teria o direito de se defender.

 

Mas as coisas foram longe demais, com o assassínio de crianças, ataques a abrigos da ONU e destruição de escolas.

 

Obama acabou revelando publicamente sua irritação: o exército de Telavive tinha de fazer mais para proteger os civis.

 

No mês passado, quando Netanyahu foi à ONU para mais um show de catastrofismo (recebido friamente por metade do recinto vazio), ele reuniu-se com Obama. O presidente dos EUA não estava nada satisfeito.

 

Tanto é que disse: “Temos de encontrar um jeito de mudar o status quo de um modo que os cidadãos israelenses fiquem seguros... Mas também que não haja a tragédia de crianças palestinas sendo assassinadas”.

 

Netanyahu não deve ter gostado nada. Gostou ainda menos quando Obama, alguns dias depois, criticou a aprovação de mais 2.600 assentamentos israelenses na Cisjordânia e Jerusalém Oriental.

 

Numa declaração pública, Obama condenou o projeto, avisando que ele afastaria Israel “mesmo dos seus mais próximos aliados”. E reafirmando que assentamentos judaicos na Palestina comprometiam a paz na região.

 

Não fez nada mais do que acompanhar a ONU, que sempre considerou ilegais, tanto os assentamentos quanto a anexação de Jerusalém Oriental por Israel. Mas para Netanyahu foi demais.

 

No domingo, 5 de outubro, em entrevista à rede de TV americana CBS, ele avançou no sinal: não aceita restrições onde judeus podem viver e judeus e árabes de Israel têm direito de construir casas onde quiserem. Ou seja, rebela-se contra a proibição da ONU.

 

Sem contar que está de brincadeira quando fala que árabes de Israel podem construir suas casas em qualquer parte.

 

Não há notícia de algum deles habitando qualquer dos assentamentos judaicos. No entanto, talvez mais grave, foi o que veio a seguir.

 

O premier israelense disse estar perplexo, a fala de Obama estaria contra os valores estadunidenses. Completou: “E não é um bom augúrio para a paz. A ideia de que nós precisamos ter purificação étnica como uma condição para a paz... eu penso ser contra a paz”.

 

Taxar as considerações de um presidente dos EUA como contra os “valores da América” é algo um tanto agressivo.

 

Já a justificação dessa acusação é de uma ironia ridícula. A expansão dos assentamentos judaicos sobre terras palestinas objetiva assegurar sua permanência em Israel, quando houver um Estado palestino.

 

Quanto mais assentamentos forem criados, mais terras palestinas poderão ser anexadas a Israel. Ficará muito difícil para o futuro Estado palestino recuperar estas áreas porque os assentados, conforme declarações gerais, não aceitariam passar a viver numa Palestina independente.

 

Além disso, muitos deles vivem em áreas tomadas de palestinos por formas de legitimidade discutível: desapropriações pelo exército, exigências legais absurdas etc.

 

Purificação étnica é Israel quem faz, expulsando palestinos da “Área C” da Cisjordânia, onde se localizam os assentamentos. De ano para ano a população palestina dessa região diminui sensivelmente.

 

Diante do desafio de Netanyahu, Obama reagiu à altura, através do porta-voz Josh Earnest: “O fato é que, quando se trata de valores norte-americanos, são os valores norte-americanos que emprestam a Israel inabalável apoio. São os valores norte-americanos que nos levam a lutar e garantir recursos para assegurar a segurança de Israel de modo sensível”.

 

E acrescentou que os EUA financiaram e construíram o “Domo de Ferro” de Israel, o sistema que impediu os foguetes do Hamas de atingirem seus alvos.

 

É de se crer que Obama e Netanyahu têm divergências quanto ao Oriente Médio. O estadunidense bem que gostaria de cumprir suas promessas de imparcialidade e justiça, mas não tem coragem ou poder para enfrentar o Congresso e os lobbies pró-Israel.

 

No entanto, bem que procura tentar resolver os problemas da Palestina e do Irã nuclear, mesmo indo contra as posições de Netanyahu, embora jamais vá até o fim.

 

Há muito Netanyahu sacou as ideias opostas de Obama, mas se mantém firme em suas posições, contando sempre com os parlamentares e os poderosos financiadores e grupos do Israel First.

 

Ultimamente parece que Obama sente cada vez mais sua responsabilidade de leader of the world, que deve defender direitos humanos e leis internacionais.

 

Sem contar que, também, a população dos EUA vem aos poucos caminhando nessa direção, o que implica num choque, ainda incipiente, com Israel.

 

Assentamentos, acordo de paz com o Irã e independência da Palestina obtêm números cada vez mais altos nas pesquisas dos norte-americanas.

 

Especialmente na população jovem, até 30 anos, não existe mais tolerância total com ações israelenses condenadas pelos organismos internacionais.

 

Nesse último desentendimento, Obama, mesmo lembrando a amizade sem limites com Israel, não deixou de lembrar o que Israel deve a ele.

 

Num segundo momento, poderá cobrar esta pesada dívida, pressionando Netanyahu a ser razoável e aceitar um acordo que garanta soberania e viabilidade ao Estado palestino.

 

Recursos ele teria: sem a mão amiga de Tio Sam, Israel ficaria numa situação muito difícil.

 

Provavelmente, o premier israelense não seria nada fácil de dobrar. Ele conta com uma provável vitória do muito mais aliado Partido Republicano nas eleições das duas casas do Congresso, em 6 de novembro.

 

Obama também sabe disso. Não vai arriscar piorar a situação, perdendo votos judaico-americanos, que em maioria costumam ir para os democratas.

 

A dedução é que Netanyahu tem o presidente dos EUA na mão. Com o risco de estar sendo sonhador, eu gostaria de dizer que isso não é absolutamente certo.

 

Lembre-se que Eisenhower e Roosevelt tomaram importantes decisões conflitantes com congressos hostis. E que, no segundo mandato, presidentes costumam realizar seus projetos para ficarem na história de um modo louvável.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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