Leis estaduais anti-fumo e tolerância zero são inconstitucionais

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Airton Florentino de Barros
20/02/2010

 

União e Estados, de acordo com a Constituição Federal, têm competência concorrente para legislar sobre saúde e meio ambiente (art.24, VIII e XII), cabendo à União, em tais casos, estabelecer as normas gerais (§1º), que não podem ser contrariadas pela legislação estadual (§4º).

 

Ao proibir o uso do fumo em recinto coletivo, exceto no chamado fumódromo, compartimento interno isolado e arejado, o legislador federal, por meio da Lei nº. 9.294/96, ditou as regras gerais da política nacional a respeito.

 

Empresários da área de hotelaria, gastronomia, bares e shows investiram no cumprimento da lei, construindo área interna destinada aos consumidores fumantes, com sistema de isolamento e exaustão de ar de comprovada eficácia.

 

Agora, desprezados os princípios da segurança jurídica, da livre iniciativa, do direito de propriedade e do consumidor, vêm sendo editadas leis estaduais, algumas com proibição absoluta do uso do fumo. O estado de São Paulo, por exemplo, ao invés de exercer a competência legislativa concorrente suplementar, acabou tentando fazer verdadeira substituição do poder regulador federal.

 

Há aí patente inconstitucionalidade da lei estadual até por afronta ao regime democrático, do qual não se pode dissociar a liberdade.

 

Ora, liberdade é escolha. Escolha da identidade, da profissão, da crença, da filosofia de vida, do comportamento. Se o cidadão não puder escolher sua posição em relação a uma droga lícita, não terá liberdade.

 

A liberdade, de acordo com a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, é poder fazer o que não prejudica a outrem. Isso vale para liberdade de fumar e para a liberdade de não fumar, de tal modo que não pode o fumante prejudicar o não-fumante e este não pode prejudicar aquele.

 

Numa verdadeira democracia, as liberdades e as não-liberdades são tratadas de forma a que os cidadãos adeptos de umas ou de outras tenham a possibilidade de exercer, ainda que com certas restrições, os seus direitos. A melhor solução do conflito não se dá pela submissão das minorias à maioria, mas pela garantia do exercício de certos direitos às minorias, numa espécie de conciliação dos diversos interesses.

 

Para proteger os não-fumantes, não precisava o Estado impor sobre os fumantes e donos de estabelecimentos que os recebem toda a força de opressão, a ponto de ferir-lhes a liberdade, integrante da dignidade humana. Bastava que respeitasse as regras gerais já fixadas pela Lei federal.

 

Ainda mais por cuidar-se aí de retroatividade de norma estadual para atingir situação legitimada pela legislação federal anterior, era necessário atentar-se ao princípio da justa medida ou da proporcionalidade. Uma norma restritiva de direito, ainda que necessária, não pode subtrair direitos, liberdades e garantias de forma desmedida ou desproporcional em relação aos resultados almejados.

 

Sendo possível, pois, proteger os não fumantes, através dos fumódromos admitidos pela lei federal, dispensável seria ir além disso, para chegar ao absurdo de tratar o fumante como delinqüente, quando crianças entre 10 e 14 anos consomem drogas pesadas sob o nariz das autoridades da segurança pública, que nunca chegam aos maiores traficantes.

 

A poluição do ar por resíduos lançados por atividade industrial, trânsito de veículos, queimadas, uso do agrotóxico, radiação eletromagnética de cabos de energia elétrica mata cinqüenta vezes mais do que o tabaco. Dados oficiais revelam que morrem dez vezes mais pessoas entre 14 e 50 anos por homicídio e acidente de trânsito do que por doenças pulmonares.

 

Pior ainda quando a caça aos fumantes, por ser aprovada pela quase sempre desinformada opinião pública, acaba sendo utilizada, num visível desvio de finalidade, como instrumento de publicidade para promoção pessoal de governantes que muito pouco ou nada fazem contra perigos maiores à saúde pública.

 

Airton Florentino de Barros é Procurador de Justiça em São Paulo e integrante fundador do MPDemocrático.

 

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