Sebos da minha vida

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Gabriel Perissé
21/02/2008

 

Ida ao sebo. Cheiro de sebo. A primeira entrada num sebo a gente não esquece. Sensação de penúria e esbanjamento. Sebos cariocas dos anos 80, na Sete de Setembro, na Praça Tiradentes... Livros jogados sobre um balcão. Era preciso ter faro. Ter sorte. Ter tempo.

 

Dentro do sebo, homens sérios procuravam raridades. Ou então eram aqueles estudantes universitários sem dinheiro, mas ricos em curiosidade. Reverência diante de alguns livros, desprezo por outros.

 

Os sebos de hoje às vezes me dão nojo. Sebos melhores, sem dúvida. Sebos mais organizados do que antes, ou do que nunca. Até informatizados, agora. Sebos praticando preços que não são mais aqueles, de outrora. Sebos atualizados. Que saudades que eu tenho dos sebos da juventude!

 

Não se fazem mais sebos como antigamente. Hoje os sebos, sobretudo em São Paulo, estão limpos demais, iluminados, desempoeirados! Sebos dessebados... "dessabor".

 

Sebos... ou quase livrarias vendendo livros lançados no ano passado! Onde está a velharia, o gosto pelo vetusto? Sebos menos sábios, menos misteriosos, mais funcionais, mais pragmáticos. Como esquecer aquele dia, num sebo qualquer, em que encontrei um livro sem capa... Mas com dedicatória de Murilo Mendes a alguém cujo nome já se perdeu. E estava ali, jogado, maltrapilho, esperando por mim...

 

Os livros no sebo do século XXI estão mais bem tratados, estão catalogados, fichados, identificados, cadastrados, plastificados. O gosto da aventura é menor. Os atendentes de sebo que conheci antes eram cúmplices, leitores velhos de velhas páginas, recomendavam títulos, tinham opinião literária, discutiam filosofia.

 

Os de hoje me tratam como cliente. Com aquele respeito frio, com aquela simpatia contida que eu posso encontrar nos atendentes de uma farmácia, de uma livraria de aeroporto, de uma loja qualquer. Alguns desses atendentes estão no sebo, mas não amam o conceito de livro usado. O livro, em sua vida útil, chega a ter 5 leitores. Como tartaruga, sobrevive às gerações.

 

As melhores livrarias de hoje vendem espaço para as editoras colocarem à vista os seus produtos mais recentes. Diz-se que são lançados no mercado diariamente, no Brasil, cerca de 50 títulos novos ou reeditados.

 

As migalhas que caem da mesa dos ricos alimentam a mesa dos pobres. No sebo, ainda há um pequeno espaço para o inusitado, o gratuito, o casual. Ainda há lugar (quero defendê-lo) para a alegria de não depender da lista dos mais vendidos.

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor - Web Site: http://www.perisse.com.br/

 

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