Francisco em terreno minado

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Frei Betto
26/05/2014

 

 

A visita de três dias do papa Francisco ao Oriente Médio, a partir de sábado, 24 de maio, visa a comemorar os 50 anos da viagem de Paulo VI à região, em 1964, quando se encontrou com o patriarca de Constantinopla, Athénagoras.

 

A viagem tem muitas implicações políticas. Ocorre em um contexto geopolítico complexo, agravado pela guerra na Síria, que entra em seu terceiro ano consecutivo e provoca forte impacto nos países vizinhos, sobretudo no que se refere à segurança e aos refugiados (1 milhão provenientes da Síria, acampados na Jordânia).

 

Após voar de Roma a Amã, o papa irá de helicóptero diretamente a Belém, onde será recebido por Mahmoud Abbas, presidente do Estado da Palestina. Será o terceiro chefe de Estado a dispensar Israel como “porta de entrada” nos territórios palestinos. Os dois primeiros foram o rei da Jordânia e o emir do Qatar.

 

À beira do rio Jordão, onde Jesus foi batizado por seu primo e precursor João Batista, Francisco encontrará refugiados sírios e palestinos. Em Belém, receberá famílias palestinenses e crianças dos campos de refugiados de Dheisheh, Aida e Beit Jibrin.

 

Hóspede de Mahmoud Abbas, o papa dará visibilidade e confirmará reconhecer o Estado da Palestina (reconhecido pelo Brasil desde 2010), o que sem dúvida cria um constrangimento diplomático aos países que ainda não o reconhecem, como Israel, EUA e toda a Europa Ocidental, excetuando

 

Islândia e Malta.

 

No domingo, 25, e na segunda, 26, a agenda de Francisco em Israel prevê encontros com autoridades políticas e religiosas. Acompanhado por dois velhos amigos de Buenos Aires, o rabino Abraham Skorka e o professor muçulmano Omar Abboud, o papa enfatizará a importância do diálogo entre as religiões monoteístas.

 

O tríduo na Terra Santa, que abrange vinte etapas e quinze pronunciamentos, entre homilias e discursos, ocorre em um momento difícil entre o governo israelense e a Autoridade Palestina, cujas relações estão congeladas desde o acordo entre a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e o Hamas, no mês passado. O discurso papal diante do muro que separa a Cisjordânia está sendo aguardado com expectativa por palestinos e israelenses.

 

A questão mais delicada que Francisco terá de enfrentar é o caráter religioso de Israel, oficialmente um “Estado judeu e democrático”. Sobretudo porque a Palestina decidiu, há pouco, suprimir da carteira de identidade de seus cidadãos o item de identificação religiosa.

 

A diplomacia vaticana teme que a declaração de uma nação religiosa hebraica incentive países árabes a se proclamarem estados islâmicos, o que poderia favorecer o fundamentalismo e dificultar ainda mais o atribulado caminho da paz no Oriente Médio.

 

O recomendável seria estados democráticos, laicos, constituídos sobre a igualdade de direitos e deveres para todos os cidadãos. Ocorre que Francisco se encontra no olho do paradoxo: o Estado do Vaticano também é religioso, e seu chefe de Estado se confunde com o líder de uma determinada confissão religiosa, o catolicismo.

 

Frei Betto é escritor, autor do romance “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros. Página e Twitter do autor: http://www.freibetto.org/;   twitter:@freibetto.

 

Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (mEste endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

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