América latina: impasses e desafios

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Frei Betto
02/10/2009

 

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, retornou a seu país e se abrigou na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. O Itamaraty tem a obrigação de acolhê-lo e assegurar-lhe integridade física e política. Zelaya, por sua vez, tem o dever de respeitar as normas que regem as representações diplomáticas.

 

O mesmo Brasil que deu refúgio aos generais Stroessner e Oviedo, do Paraguai, não pode, agora, favorecer golpistas militares de Honduras e entregar Zelaya às feras. Será também uma afronta à tradição hospitaleira do Brasil o STF repatriar Cesare Battisti para os cárceres italianos.

 

A América Latina vive seu melhor momento em décadas: com exceção de Honduras, não há ditaduras militares no Continente; os governantes neoliberais, fiéis aos receituários do FMI e do Banco Mundial, foram rechaçados pelo voto popular; hoje temos governos democrático-populares que se comprometem a promover reformas de estrutura pelas vias pacífica e democrática.

 

O que há de novo na América Latina? Samuel Huntington, relator da Comissão Trilateral – nefasta conspiração imperialista da década de 1970 –, admitiu que, em nosso Continente, a democracia, tal qual o figurino que agrada a Casa Branca, só perduraria se excluísse a participação de parcela do povo. O que há de novo é que os excluídos – indígenas, camponeses, sem-terra, negros, desempregados, famílias de baixa renda – agora insistem em seu protagonismo político.

Prova disso é que um metalúrgico governa o Brasil; um indígena a Bolívia; um ex-guerrilheiro a Nicarágua; uma ex-presa política o Chile; outro ex-preso político o Uruguai; um sociólogo de esquerda o Equador; um militar revolucionário a Venezuela; um jornalista apoiado por ex-guerrilheiros El Salvador; um ex-arcebispo da Teologia da Libertação o Paraguai.

 

Não se sabe o que há de novo no reino da Dinamarca, mas é certo que há algo de novo em torno da linha do Equador. Dos 34 países da América Latina, em 15 há presença, em seus governos, de políticos alinhados com o Fórum de São Paulo – organismo que há décadas articula no Continente grupos e partidos de esquerda e/ou progressistas.

 

Os países da região tratam de criar mecanismos de intercâmbio comercial e unidade política, como a Alba, a Unasul, a Telesul, o Banco do Sul. Apenas os governos da Colômbia e do Peru destoam desse processo, submissos ainda à dependência ianque.

 

O desafio agora é evitar que os governos progressistas sejam cooptados pelo neoliberalismo. É preciso que a América Latina, que abriga o único país socialista do mundo - Cuba -, tenha consciência de suas potencialidades. Muito antes que os EUA criassem suas primeiras universidades, Harvard e William & Mary, já funcionavam a de San Marcos, no Peru, e a de Santo Domingo, na República Dominicana. As duas, aliás, fundadas pela Ordem Dominicana.

 

No entanto, entre nós, hoje a escolaridade média é de 7 anos, e, de cada 10 estudantes de ensino médio, apenas 1 termina o curso. A mortalidade infantil média no Continente é de 50 em cada 1.000 nascidos vivos, enquanto na Ásia é de apenas 10.

 

É decepcionante constatar a avidez que certos governantes latino-americanos demonstram frente às ofertas do mercado de armas. Nossos inimigos principais, que precisam ser duramente combatidos, são ainda a fome, a insalubridade, a falta de saúde, de educação, de moradia e de cultura.

 

Se os atuais governantes democrático-populares não forem capazes de empreender as reformas prometidas em suas campanhas, e se deixarem envolver pelo canto das sereias neoliberais, ecoados por partidos conservadores interessados apenas em sugar parcelas de poder, a desigualdade social ainda gritante servirá de caldo de cultura para o ressurgimento de conflitos armados. A decepção dos pobres resulta em desespero nos casos pessoais, engendra sementes de revolta ao adquirir caráter social.

 

No Brasil, a entrada de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, na disputa presidencial pode significar um alerta e uma promessa. O alerta, a de que o governo Lula foi positivo, mas não o suficiente para implementar reformas estruturais e promover o desenvolvimento sustentável. A promessa, de que é possível, sim, assegurar a governabilidade graças ao apoio dos movimentos sociais, sem ceder ao que há de mais arcaico, corrupto e conservador na política brasileira.  

 

Frei Betto é escritor, autor de "Cartas da prisão" (Agir), entre outros livros.

 

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