Lá vem Obama

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Frei Betto
16/06/2008

 

O diferente é o talismã da publicidade, atrai curiosidade e atenção, emerge como novidade, suscita o paradoxal desejo de singularidade. Observem: o produto que promete fazer do consumidor uma pessoa muito especial – carro, roupa, perfume – é o mesmo que se oferece à multidão de consumidores. Todos dirigem o mesmo carro, vestem a mesma roupa, usam o mesmo perfume, mas cada um está convencido de que a sua "singular" mercadoria acresceu à sua personalidade um valor a mais, um plus.

 

Este o segredo da moda, todos usam jeans esgarçados e rasgados, pelo qual pagam uma pequena fortuna, convencidos de que estão in, fazem parte do seleto grupo de homens e mulheres socialmente valorizado por ter a sua humanidade reduzida ao produto que porta: um carro Jaguar, um relógio Rolex, um vinho Romanée-Conti...

 

É esse ímpeto de novidade que nos faz encarar com simpatia a candidatura de Barack Obama ao mais poderoso cargo do mundo: presidente dos EUA. Ele é negro, filho de imigrante africano, jovem e crítico à política guerreira de Bush. Na verdade, por enquanto ele é um efeito do marketing eleitoral. Em matéria de eleições, quantos gatos já compramos por lebres?

 

Pode ser que a diferença entre Obama e McCain seja a mesma que há entre a Pepsi e a Coca-Cola. O fato é que sua vitória no Partido Democrata, ao derrotar a presunçosa Hillary Clinton (por que certas pessoas consideram humilhante não vencer sempre?) veio no bojo da crise econômica dos EUA. E toda crise gera desejos de mudanças, seja na esfera pessoal ou social.

 

Nos EUA, um milhão de imóveis terão de ser devolvidos. Adeus ao sonho da casa própria! E os bancos haverão de arcar com o calote dos inadimplentes, a menos que o "papai" Estado socorra os filhos em apuros, malgrado o discurso liberal de que o mercado deve se regular por si mesmo, sem a menor interferência do poder público (discurso válido até a hora do aperto. No Brasil, o Proer que o diga! Perguntem aos usineiros e aos privilegiados beneficiários da cornucópia do BNDES como multiplicam suas fortunas).

 

Se uma locomotiva quebra entre duas cidades da China, isso em nada afeta o transporte ferroviário na região do vale do Rio Doce. Mas se as duas composições viajam no mesmo trilho, então o que ocorre a uma se reflete na outra. O trilho chama-se globalização. Ao contrário da crise de 1929, agora a gripe do Tio Sam faz o mundo todo espirrar. Quanto mais próximo do doente, maior o risco de contaminação.

 

Na Europa Ocidental, o sinal vermelho já acendeu na economia. O Brasil faz de conta que sua atual política financeira neoliberal o torna imune aos reflexos da crise. Ora, de que vale gabar-se de ter quase US$ 200 bilhões de reservas internacionais se a moeda usamericana literalmente derrete?

 

Para que o modelo econômico não seja alterado neste país em que 10% da população possui 75,4% da riqueza (dado do Ipea, maio de 2008), adotam-se então medidas monetaristas, como o aumento dos juros. Não se toca nas estruturas injustas, como a fundiária. É a mesma lógica do etanol. Frente ao custo exorbitante do petróleo, não se discute o atual modelo de transporte, baseado na definição de que gente é um animal que caminha com duas pernas e quatro rodas. Debate-se como alimentar veículos, que somam 800 milhões em todo o planeta – o mesmo número de bocas em situação de desnutrição crônica, agora agravada pelo aumento do preço dos alimentos.

 

Que venha Obama ao encontro de nossas esperanças, tais como o fim da agressão ao Iraque e do bloqueio a Cuba. E evite que dele se aproxime a elite branca, racista e assassina que considera heróica a página macabra da história da Ku-Kux-Klan.

 

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Mário Sérgio Cortella, de "Sobre a esperança" (Papirus), entre outros livros.

 

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