Amazônia devastada

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Frei Betto
15/02/2008

 

A constatação, por organismos do próprio governo Lula, de que a área desmatada da Amazônia é maior do que se imaginava fez vir à lume as contradições do ministério nomeado pelo presidente. Como o governo não tem projeto de nação - preterido em função do projeto de eleição -, o ministério é um saco cujos gatos não são todos pardos.

 

Há quem defenda o Brasil, como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e há quem prefira proteger os interesses da arcaica elite dos latifundiários, madeireiros e empresários do agronegócio, como o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

 

Em 2004, o Planalto aprovou um Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal. No ano seguinte, a Casa Civil admitiu que o plano continha mais buracos que as estradas que cortam a região amazônica. O desmatamento prosseguia em ritmo acelerado, sem que nenhuma providência resultasse em efetiva inibição da atividade predatória de pecuaristas, mineradoras, siderurgias e plantadores de soja.

 

Entre 1990 e 2006, a área de cultivo de soja na Amazônia se expandiu ao ritmo médio de 18% ao ano. O rebanho se multiplicou 11% ao ano.

 

Infelizmente o governo está mais preocupado com a repercussão do desmatamento amazônico no exterior, capaz de prejudicar as exportações de grãos, álcool e carne, do que com a preservação da floresta, patrimônio da humanidade.

 

Os satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectaram, entre agosto e dezembro de 2007, a derrubada de 3.235 km² de floresta. É importante salientar que os satélites não contabilizam queimadas, apenas o corte raso de árvores. Portanto, nem dá para pôr a culpa na prolongada estiagem do segundo semestre de 2007.

 

Como os satélites só captam cerca de 40% da área devastada, o próprio governo estima que 7.000 km² tenham sido desmatados. Mato Grosso é responsável por 53,7% do estrago; o Pará, por 17,8%; e Rondônia, por 16%. Do total de emissões de carbono do Brasil, 70% resultam de queimadas na Amazônia.

 

Quem será punido? Tudo indica que ninguém. A bancada ruralista no Congresso conta com cerca de 200 parlamentares, um terço dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado. E, em ano de eleições municipais, não há nenhum indício de que os governos federal e estaduais pretendam infligir qualquer punição aos donos das motosserras com poder de abater árvores e eleger ($) candidatos.

 

De olho nas eleições de 2010, o governo federal teme punir a agroindústria, que recebe gordos subsídios de bancos públicos e não cumpre a contrapartida de preservar 80% da área florestal.

 

Até 2030, o Brasil corre o risco de perder 21% de sua cobertura florestal, segundo dados da Universidade Federal de Minas Gerais e do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia. Se o ritmo atual de desmatamento prosseguir, desaparecerão do mapa 670 mil km² de floresta, área que comporta 22 Bélgicas! Haverá perda inestimável da biodiversidade, aumentará o aquecimento global, reduzirão consideravelmente as chuvas entre o Uruguai e a Flórida (EUA).

 

A menina dos olhos do governo federal, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), pode se transformar em vilão se efetivamente abrir e pavimentar, nos próximos anos, 14 mil km de estradas na Amazônia sem que haja controle efetivo da floresta e regularização da posse da terra.

 

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o governo não está disposto a negociar a redução, para menos de 80%, da reserva legal nas propriedades rurais em área de floresta. A agroindústria pressiona para que seja "flexibilizada" a lei que determina que apenas 20% da área de uma fazenda possa ser desmatada. Segundo os produtores, esse limite torna as fazendas economicamente inviáveis.

 

Se o governo Lula quer mesmo proteger a Amazônia, deve imediatamente equipar o Ibama e o Instituto Chico Mendes, tornar efetiva a cobrança de multas ambientais, cortar créditos e subsídios, proibir a exportação de produtos oriundos de empresas que devastam a floresta e adotam trabalho escravo, e expropriar as terras dos reincidentes para efeito de reforma agrária.

 

Na outra ponta, cabe aos consumidores darem as costas aos produtos ofertados por quem promove o ecocídio amazônico.

 

Frei Betto é escritor, autor de "Uala, o amor" (FTD), entre outros livros.

 

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