Pacto das catacumbas

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Frei Betto
27/11/2015

 

 

 

 

Fez 50 anos, dia 16, que um grupo de bispos e cardeais, em pleno Concílio Vaticano II, assinou o Pacto das Catacumbas. Sem alarde, pouco mais de 40 prelados celebraram missa nas catacumbas de Santa Domitila, em Roma, e ali selaram o pacto que, em poucas semanas, recebeu a adesão de mais de 500 bispos.

 

O pacto consiste no compromisso de lutar pelos direitos dos pobres e por uma Igreja despojada e servidora, mais próxima de Jesus que da suntuosidade dos imperadores romanos.

 

O papa João XXIII abriu o caminho para a “opção pelos pobres” da Igreja Católica. Ao inaugurar o Concílio, declarou: “em face dos países subdesenvolvidos, a Igreja se apresenta – tal qual é e quer ser – como a Igreja de todos e, particularmente, a Igreja dos pobres.”

 

Bispos da América Latina, Ásia e África – onde se concentra a população mais pobre – encabeçaram o pacto, também assinado por alguns europeus e canadenses.

 

Monsenhor Hakim, bispo da Igreja Melquita em Nazaré, cidade de Jesus, se fez acompanhar no Concílio pelo padre Paul Gauthier e a freira Marie-Thérèse Lescase. Gauthier havia largado a cátedra de teologia na França para, como São José, viver em Nazaré do trabalho de suas mãos, na construção civil. Marie-Thérèse  deixara a clausura do Carmelo para ser operária em Nazaré.

 

Fundadores da Fraternidade dos Companheiros e Companheiras de Jesus, os dois foram a Roma se empenhar na conversão da Igreja à causa dos pobres.

 

Dom Helder Câmara, então bispo auxiliar do Rio, foi o primeiro a aderir ao pacto. Outros brasileiros o seguiram. Dois cardeais também assinaram: Lercaro, de Bolonha, e Gerlier, de Lyon.

 

Plantou-se ali a semente do que, mais tarde, viria a ser conhecida como a Igreja dos pobres. A Igreja das Comunidades Eclesiais de Base e das pastorais populares. Desse movimento, que adotou como método cotejar os fatos da vida com os fatos da Bíblia, nasceu a Teologia da Libertação.

 

Esse processo foi enriquecido, na América Latina, pela Conferência Episcopal de Medellín, que em 1968 reuniu quase todos os bispos do continente.

 

Com a morte de Paulo VI, que via com simpatia o pacto, a Igreja dos pobres se arrefeceu sob os pontificados de João Paulo II e Bento VI. Dom Paulo Evaristo Arns teve a sua arquidiocese, São Paulo, retalhada por Roma. A periferia da capital paulista foi entregue a bispos conservadores. Leonardo Boff sofreu punição de um ano de “silêncio obsequioso”.

 

Editoras católicas ficaram com medo de editar obras de teólogos da libertação. As CEBs, sem apoio de bispos, esfriaram seu vigor. A CNBB amainou a sua voz profética.

 

Estudos mostram que esse recuo católico do mundo dos pobres levou-os a buscar abrigo nas Igrejas evangélicas. Basta observar as missas de domingo nos centros urbanos: quase todos os fiéis são de classes média e alta. A poucos metros dali, no que outrora foi um cinema, a igreja evangélica reúne centenas de fiéis no culto, entre os quais a cozinheira, a faxineira, o porteiro do prédio, que trabalham para os que foram à missa...

 

Hoje, infelizmente, não são raros os jovens que procuram o sacerdócio em busca de status. Exceções são aqueles dispostos a atuar nas periferias, nas favelas, nas regiões pobres do interior.

 

O papa Francisco retoma, com sua linha pastoral, o Pacto das Catacumbas. Quer uma Igreja misericordiosa, missionária, pobre, comprometida com “a revolução da ternura”. Deve, porém, enfrentar as rígidas estruturas da Cúria Romana e de todos aqueles que, na Igreja Católica, colocam o Direito Canônico acima do Evangelho de Jesus.

 

 

Frei Betto é escritor, autor de “Oito vias para ser feliz” (Planeta), entre outros livros.

 

 

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