Desafios não faltam

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Wladimir Pomar
06/08/2013

 

 

Ao que parece, há militantes e dirigentes do PT que ainda não despertaram para a profunda mudança de conjuntura social e política promovida pelas manifestações populares de junho e pela emergência de forças políticas que pareciam inexistentes no cenário político brasileiro, como os diversos agrupamentos anarquistas e os bandos fascistas e nazistas. Pior, não despertaram para o fato de que o PT havia perdido sua relação intrínseca com as grandes camadas populares e médias. A maior parte do PT desconhecia as insatisfações e reivindicações dessas camadas e, em geral, foi apanhada de surpresa. E permitiu que alguns de seus membros em postos de governo e no parlamento adotassem atitudes tipicamente antidemocráticas, embora fossem os que mais arrotavam a defesa da democracia.

 

Diante disso, talvez a questão chave para o PT seja se livrar da ideia de que apenas o governo federal está diante de uma situação complexa. Mais complexa é a situação do PT, porque dependerá dele fazer com que o governo saia da situação em que se meteu. Se o PT não redefinir sua estratégia, retomando o socialismo como objetivo; se não reformular suas táticas, tomando como eixo central sua relação com os movimentos sociais massivos, em especial com aqueles que emergiram à parte dos movimentos tradicionais organizados; se não revitalizar sua capacidade de propaganda e agitação, tendo em conta os novos meios de comunicação de massa das chamadas redes sociais; se não revigorar sua organização militante, subordinando os mandatos à estrutura partidária; portanto, se não realizar uma verdadeira campanha de retificação do caminho que adotou desde que foi guindado ao governo da República, é quase certo que dificilmente conseguirá contribuir para resolver a situação complexa em que o governo federal se encontra.

 

Como poderá o PT reformular o programa de desenvolvimento do governo se não tiver claro que precisa, por um lado, ter uma base social ampla, incluindo a classe trabalhadora, os excluídos, a pequena-burguesia urbana e rural e setores da burguesia; e, por outro, adotar medidas que impeçam um desenvolvimento tipicamente capitalista e, principalmente, capitalista monopolista? A experiência mostrou que o crescimento com distribuição de renda foi altamente importante para melhorar a situação de milhões de brasileiros pobres e miseráveis, mas encontrou limites tanto na baixa capacidade de oferta da agricultura de alimentos, quanto no baixo desenvolvimento industrial.

 

Que se saiba, o PT não discutiu nem se debruçou sobre a questão da proteção, revitalização e modernização da agricultura familiar. Nessa agricultura, que produz mais de 80% dos alimentos consumidos pela população brasileira, estão envolvidos tanto os pequenos capitalistas agrícolas quanto os camponeses que ainda não se elevaram a esse ponto, e os sem-terra. Essa agricultura, ameaçada constantemente pela expansão do agronegócio, é estratégica para garantir uma ampla oferta de alimentos, combater a inflação e elevar o poder de compra das amplas camadas da população. Como pode ter sido subestimada tanto tempo?

 

Que se saiba, o PT também não discutiu nem se debruçou sobre a questão da industrialização. Essa questão parece ser encarada pelo partido como algo secundário e espontâneo, a ser tratado pelos próprios capitalistas ou pelas administrações públicas locais. O partido não tem uma política clara a respeito. A estratégia de industrialização depende dos humores e problemas do Ministério da Fazenda, ou dos interesses das empresas capitalistas. A política de conteúdo local, adotada pela Petrobras e algumas outras estatais, é a exceção que confirma a regra da industrialização espontânea. Ou melhor, da desindustrialização. O problema consiste em que, sem industrialização, não haverá soberania produtiva, nem tecnológica e financeira, nem classe operária forte.

 

Que se saiba, o PT também não realizou qualquer discussão substancial sobre o PAC. Sequer se deu conta de que, ao colocar o sucesso desse programa de aceleração do crescimento nas mãos dos grandes grupos empresariais, o governo deixou de lado as crescentes demandas das populações urbanas pobres e médias e passou a atender principalmente aos interesses daqueles grupos empresariais e seus congêneres. O pouco empenho em solucionar com mais rapidez os problemas do transporte urbano, suburbano e interurbano, através do transporte de tração elétrica sobre trilhos, muito mais barato e limpo, talvez seja o exemplo mais significativo das prioridades adotadas e da submissão aos interesses dos monopólios automobilísticos.

 

Que se saiba, o PT também não discutiu em profundidade as estratégias colocadas em prática pelo governo para a educação, a saúde e as telecomunicações, embora em relação às comunicações tenha adotado uma posição discordante em relação à do governo. De qualquer modo, se o PT pretende reformular o programa de desenvolvimento aplicado pelo governo que supostamente dirige, colocado em xeque pelas reivindicações populares de junho, ele está obrigado a discutir os aspectos estratégicos desse programa e se empenhar para reformulá-lo no sentido de atender tais reivindicações.

 

É evidente que tal reformulação deve manter como principais forças sociais de sustentação do governo as grandes massas ainda excluídas do mercado, os trabalhadores e a pequena burguesia urbana e rural. Mas não pode nem deve afastar os setores da burguesia interessados na industrialização e na reconstrução da infraestrutura de transportes. O problema consiste em ter claro que tais setores burgueses não são as chamadas empresas campeãs, nem os grupos monopolistas nacionais e estrangeiros. Tais empresas e grupos tendem a usar o poder de monopólio para evitar o aumento da concorrência e impor taxas de rentabilidade e preços que o país não suporta mais.

 

Para superar isso, a política industrial do governo precisa privilegiar as pequenas, médias e mesmo grandes empresas capitalistas não monopolistas, embora não precise romper totalmente com os grupos que praticam o monopólio e o oligopólio. Isso é difícil? Claro que é. Mas é indispensável para dividir ainda mais o campo burguês, criar condições para ampliar a presença do Estado na economia e garantir que o governo atenda às reivindicações das manifestações populares.

 

E o governo e o PT, além disso, precisam sair da toca e fazer política de massa, retomando sua experiência passada. É preciso discutir com as camadas que se manifestaram contra a política e os políticos a necessidade de elas fazerem política e identificarem quem faz política contra os interesses do povo. É preciso retomar os elos de ligação com as grandes massas da população para saber o que exatamente querem e participar, com elas, das lutas por novas conquistas. Colocar na pauta de discussão as reformas políticas indispensáveis para combater a corrupção, desfazer os monopólios, implantar o controle social sobre os poderes do Estado e aumentar a participação democrática nesses poderes. E esmiuçar o significado da Constituinte como instrumento indispensável para tais reformas.

 

Portanto, desafios é o que não falta. Mas é a superação deles, sem dúvida, que vai dizer se o PT está disposto a retomar o caminho de sua emergência no cenário político brasileiro ou vai seguir o triste caminho da socialdemocracia europeia, que se tornou neoliberal e, agora, não sabe sequer para onde ir.

 

 

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Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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