Pesadelos de verão e de inverno

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Wladimir Pomar
21/12/2012

 

As esperanças de que 2012 veria, nos países centrais, um capitalismo mais regulamentado pelo Estado, com regras mais severas, sobretudo sobre o setor financeiro, não passaram de um sonho em noite de verão. A ausência de união política, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, mostrou que tal regulamentação se chocava contra os mecanismos especulativos de elevação da taxa média de lucro das grandes corporações. E demonstrou que o poder dessas megaempresas, nas quais haviam se fundido capitais financeiros, industriais e comerciais, sobre o Estado de seus países e sobre a economia mundial, continuou determinante. E foi isso que levou a Europa a afundar numa das piores crises, ou pesadelos, dos últimos 50 anos, enquanto fez os Estados Unidos continuarem patinando numa depressão cujo final não parece próximo.

 

Os países capitalistas desenvolvidos também continuaram perseverando na tentativa de descarregar os custos da crise sobre os salários e o bem-estar das populações, tanto as suas quanto as dos demais países. Governos conservadores, assim como governos socialdemocratas, não vacilaram em atender ao salvamento dos bancos e instituições financeiras, à custa da piora persistente do padrão de vida dos trabalhadores privados e públicos. Embora o governo norte-americano tenha tentado executar políticas neokeynesianas, inclusive pensando poder elevar a tributação sobre as grandes fortunas, para retomar a produção e elevar os empregos, a resistência conservadora e reacionária se manteve inflexível. Além disso, a estrutura do capital industrial dos Estados Unidos chegou a um ponto que dificulta qualquer solução na produção e na distribuição enquanto o capitalismo se mantiver como modo dominante no país. O que explica, também, o empenho dos governos, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa, em impedir, pela força, a ampliação das reações populares, embora estas tenham crescido em volume e determinação.

 

A indústria bélica continuou pressionando, durante todo o ano, a adoção de medidas de ajuste fiscal voltadas para a disseminação de guerras, de modo a manter a todo custo seus níveis de lucratividade. Na onda da primavera árabe, franceses e ingleses intervieram abertamente no conflito interno líbio e, juntamente com os norte-americanos, estão fornecendo armas para um dos lados do conflito interno sírio. A indústria bélica também influiu na mudança dos planos estratégicos dos Estados Unidos, que passaram a tomar a Ásia como principal foco. Embora esse continente tenha se mantido, nos últimos anos, como região de poucos conflitos, os falcões cifram esperanças de que Taiwan provoque a China a desencadear um conflito. É também sob pressão da indústria bélica, ou do chamado complexo industrial-militar, que Estados Unidos e potências europeias continuam aumentando as tensões com o Irã, e os norte-americanos continuam apoiando as ações belicosas israelenses contra os palestinos.

 

Na América Latina, a ascensão de forças de esquerda a governos dos países da região parece ter encontrado limites, seja em virtude das dificuldades para superar situações catastróficas herdadas de séculos de hegemonia imperialista e de domínio de classes sociais pré-capitalistas, seja pela situação inusitada de que tal superação terá que contar com o desenvolvimento, mesmo parcial, de forças capitalistas. O golpe parlamentar que derrubou o governo Lugo, no Paraguai, assim como os problemas enfrentadas pelos governos boliviano, peruano e argentino, para manter a coesão de suas forças sociais de sustentação, apontam não só para os obstáculos enfrentados no ano que finda, mas também para obstáculos futuros, que se erguem ante a integração continental.

 

No caso do Brasil, a suposição de que a crise internacional não teria consequências negativas severas sobre a economia, por contar com condições macroeconômicas relativamente boas, não se mostrou realista. O governo não conseguiu resolver, na rapidez e na profundidade desejada, a questão chave da elevação rápida da taxa de investimento para aumentar a capacidade industrial e técnico-científica do país. Essa taxa permaneceu baixa e, como resultado, o crescimento do PIB foi sofrível. É verdade que conseguiu baixar os juros e iniciar certo controle sobre o câmbio, ao mesmo tempo em que denunciou a desvalorização artificial do dólar, mas não na escala necessária para fazer com que esses mecanismos macroeconômicos servissem como instrumentos poderosos de sua política industrial e tecnológica.

 

Por um lado, o governo ainda acredita que o capital monopolista estrangeiro, que domina a maior parte da economia brasileira, e os capitalistas brasileiros associados a esse capital se disporão a investir no desenvolvimento do país porque o governo mostra interesse em realizar parceria com eles. Por outro, esses capitalistas declararam que tais investimentos só serão efetivados se o governo desregulamentar completamente os direitos trabalhistas, de modo a contar com uma força de trabalho ainda mais barata. Para complicar essa situação, mesmo que o governo atenda a tais reivindicações capitalistas, a força de trabalho disponível para atender ao desenvolvimento econômico do país parece haver chegado ao limite, embora o Brasil conte com um exército industrial de reserva quantitativamente elevado. O problema estrutural é que a maior parte desse exército de reserva jamais participou do mercado formal de trabalho e se encontra sem qualquer qualificação para tal participação.

 

Afora essas dificuldades, os capitais estrangeiros que poderiam investir no país se confrontam não só com a barreira monopolista interna, que tem alergia à concorrência, quanto com a falta de políticas de atração ativa para setores estratégicos da economia brasileira. Em outras palavras, o Brasil não conseguiu se aproveitar da crise internacional para forçar os capitais estrangeiros a investirem nos setores produtivos estratégicos e para reforçar a presença de empresas nacionais, em particular nos ramos hoje oligopolizados pelas multinacionais.

 

O Brasil também não aproveitou o momento histórico favorável para resolver a contradição entre uma enorme área territorial aproveitável para a produção agrícola e a existência de alguns milhões de camponeses sem terra. A reduzida produção de alimentos destinada ao mercado interno, hoje quase totalmente nas costas das unidades agrícolas familiares, continuou sendo um dos principais fatores de pressão inflacionária, enquanto permaneceram alijados da produção mais de dois milhões de camponeses sem terra.

 

No campo político, o ano de 2012 assistiu a um esforço mais consistente da direita para se reorganizar e tomar a iniciativa contra o governo. Ela avançou numa combinação de ataques da grande imprensa, ou do partido da mídia, em torno de casos reais e fictícios de corrupção, com ações parlamentares, incluindo setores aliados do governo, de torpedeamento a projetos do Planalto, e com o grande espetáculo de julgamento do chamado mensalão, através do qual o STF atropelou procedimentos legais e instituiu normas voltadas para a criminalização da atividade política. Diante disso, a esquerda no governo não só deixou de estabelecer um programa claro de luta, como alguns dos partidos que a compõem fraturaram esse campo político. Para conquistar prefeituras municipais, estabeleceram coligações eleitorais com partidos de direita, conformando uma tendência de mudança na correlação e na polarização das forças políticas, que pode se tornar um pesadelo de inverno.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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