O Estado no suporte do capital

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Wladimir Pomar
01/02/2010

 

Os críticos do governo Lula fazem distinção entre Estado financiador e Estado investidor. Sob Lula, o Estado financiador criaria e/ou fortaleceria grupos de capital privado nacional, através de empréstimos dos bancos estatais. Já o Estado investidor desenvolveria a infra-estrutura energética, logística, urbana e social do país, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

 

Obras como a construção de usinas hidrelétricas e nucleares, transposição do São Francisco, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, saneamento e habitação popular, estariam destinadas a beneficiar exclusivamente os grupos de grande porte, assim como a indústria e o agronegócio. Supondo-se porta-vozes dos movimentos sociais, os críticos vêem no PAC apenas benefícios para o capital, para o qual devem fluir os bilhões destinados às grandes obras.

 

Para eles, prioritários deveriam ser os investimentos em saúde, educação e reforma agrária, assim como em meio ambiente. Neste sentido, também creditam aos movimentos sociais a tese de que o PAC se colocaria na contramão da crise ambiental. Esse programa estaria refém do modelo de desenvolvimento do século XX, com a lógica produtivista da sociedade industrial, justamente no momento em que a descarbonização da economia entrou na ordem do dia.

 

Temos então, pelo menos, quatro problemas de ordem estratégica. O primeiro relaciona-se com a necessidade, ou não, de investimentos em grandes obras de infra-estrutura. O segundo diz respeito aos beneficiados pelos investimentos. O terceiro refere-se à prioridade dos investimentos (programas sociais ou infra-estrutura). E o quarto, talvez o de maior implicação sobre os demais, relaciona-se com a possibilidade de o país evitar o modelo tributário da Revolução Industrial.

 

Comecemos pelo fim. Para os críticos, o governo Lula e inúmeros economistas que apóiam o PAC estariam errados ao se prenderem à sociedade industrial e tomarem a economia como o decisivo. Mesmo porque, não passaria de visão ultrapassada supor que o PAC representa o reconhecimento de que o Estado joga papel fundamental no crescimento econômico. Ou de que ele teria trazido de volta o crescimento como prioridade, em resposta a demandas da sociedade brasileira.

Segundo eles, o governo pode até ter reassumido a função de promover o crescimento rápido e sustentado, mudando o eixo da discussão econômica, mas estaria em dificuldade para incorporar as demandas do movimento ambientalista, que prenunciariam uma sociedade pós-industrial. Os principais elogios ao PAC, feitos pelo capital produtivo nacional, e o apoio de grande parte da esquerda e, até mesmo, de parcelas do movimento social, seriam decorrentes do fato de esses setores continuarem tributários de um jeito de pensar e agir de acordo com as categorias da sociedade industrial.

 

Portanto, ainda segundo os críticos, o governo teria dificuldade em pautar temas que se situariam além dessa sociedade, relacionados à construção de uma alternativa à crise ecológica. O Brasil, com sua biodiversidade, recursos hídricos e insolação o ano todo, seria um dos poucos países que poderia oferecer tal alternativa. Se não o faz, é porque lhe faltaria uma estratégia que colocasse tal alternativa como base de suas políticas.

 

Com tal estratégia, pensam, o Brasil poderia embarcar no bonde da história, abandonando uma visão obtusa de desenvolvimento. Porém, que estratégia seria essa? Infelizmente, os críticos não dizem qual é, ficando em generalidades. Alguns chegam a verbalizar que é a agricultura familiar, mas isto não estaria além, mas aquém da sociedade industrial.

 

Na prática, ignoram, ou esquecem, que o aproveitamento da biodiversidade, dos recursos hídricos e da insolação o ano todo demanda tecnologias que apenas a sociedade industrial é capaz de fornecer. Aliás, seria útil relembrar que esse mesmo prenúncio de sociedade pós-industrial tornou-se moda na era de ascensão neoliberal. A diferença é que, naquela época, a alternativa era a sociedade da informação, não a ecológica.

 

Segundo os arautos do pós-industrial, a sociedade da informação, assim como agora a sociedade ecológica, teria amplas condições de superar os malefícios e a poluição que a indústria causa. De quebra, ela daria sumiço à classe dos trabalhadores assalariados e liquidaria a malfadada luta de classes. Serviços e comércio informatizados seriam os ramos do futuro, já presente. Ninguém explicava como seriam produzidos os computadores e seus aplicativos, assim como os alimentos, o vestuário, os materiais de construção etc. Para que perder tempo com ninharias?

 

Em termos teóricos e práticos, há uma equação econômico-social da qual não se pode fugir. Só é possível ter programas sociais de moradia, saúde, saneamento, educação, cultura, aposentadorias, pensões etc., que atendam ao conjunto da população, se houver riqueza para tanto. E, nos dias atuais, com a massa populacional existente, e com o grau nacional de desenvolvimento das forças produtivas, a única forma de gerar riqueza crescente para atender às demandas sociais ainda reside na sociedade industrial.

 

O mesmo diz respeito ao meio ambiente. Como o Brasil pode aproveitar sua biodiversidade, seus recursos hídricos, sua insolação e outros recursos naturais que possui em abundância, se não contar com meios industriais, científicos e tecnológicos que lhe permitam fazer esse aproveitamento sem depredar a natureza?

 

O aproveitamento da biodiversidade exige uma indústria química altamente desenvolvida. O aproveitamento dos recursos hídricos, assim como dos ventos, exige a fabricação de turbinas e aerogeradores sofisticados. A transformação da energia solar em outros tipos de energia também exige alta capacidade industrial. E todas elas demandam o desenvolvimento das ciências e tecnologias. Estas estão se transformando nas principais forças produtivas da sociedade, mas custam muito caro, seja para comprar as já existentes e adaptá-las às próprias condições, seja para produzir novas.

 

Portanto, só é possível libertar-se da sociedade industrial se ela for elevada a um ponto em que, por um lado, gere riqueza suficiente para atender às necessidades sociais e, por outro, crie novas tecnologias, cientificamente desenvolvidas, que permitam substituir as tecnologias poluentes e predatórias, sem prejudicar a produção dos bens necessários à vida humana.

 

Se a riqueza for gerada e não atender às necessidades sociais, e as tecnologias poluentes e predatórias continuarem sendo usadas porque dão mais lucro, o problema não será da sociedade industrial, mas da sociedade capitalista. Aí, a solução que se coloca é o pós-capitalismo.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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