Barrar a insensatez

0
0
0
s2sdefault
Leo Lince
07/02/2013

 

 

O crime, infelizmente, foi consumado. Sobre o sentido geral do acontecido, parece não pairar a menor sombra de dúvida. Na opinião pública e até mesmo na opinião publicada. Está estampado, Brasil afora, nos jornais e revistas das mais variadas procedências e tamanhos.

 

É voz geral. Nos comentários de rádio, na TV, no traço de renomados cartunistas, em editoriais de vetustos jornalões. Dos articulistas de alto coturno até os palpiteiros de botequim, todos lamentam a vitória do indesejado. “Maus presságios”, “triste legislatura”, “política estéril”, “tudo dominado”, “parlamento rebaixado” – são alguns dos títulos de matérias e artigos publicados.

 

Na voz rouca das ruas, o repertório dos xingamentos foi acionado em larga escala. Uma parte mais amena do desafogo conseguiu ecoar nas “cartas dos leitores”: “deboche”, “escárnio”, “tapa na cara da cidadania”. Ainda assim, não houve como evitar a catástrofe. Em tempos de desalento, como se sabe, a voz do povo não se faz ouvir como a voz de Deus. O “demo” que nos governa, por enquanto, é outro.

 

Estamos vivendo um período marcado por aquilo que o saudoso Carlos Nelson Coutinho definia como “hegemonia da pequena política”. Quando a pequena política avassala os partidos, o sistema partidário e as maiorias nos parlamentos, ela busca ostentar a aparência de força contra a qual “não há alternativa”. Isso acontece quando se torna senso comum a ideia de que todos os políticos são iguais e que a política não passa de disputa de poder entre elites, que convergem na aceitação e na defesa do existente como “natural” e impossível de mudar.

 

Ao deixar de ser pensada como atividade superiora, disputa de diferentes projetos de sociedade, a política se apequena como mera defesa do interesse puro. O representante se descola dos anseios do representado e as grandes questões que afetam a vida da sociedade cedem espaços para os negócios e negociatas que garantem o financiamento de campanhas eleitorais cada vez mais caras.

 

O intestino grosso da pequena política está em festa. Dois de seus mais lídimos representantes foram escolhidos para o comando das duas casas do Congresso Nacional. No contrapelo do sentimento cidadão, o condomínio de poder que nos infelicita operou unido para produzir tal descalabro. Tucanos, petistas, oposição conservadora, governistas, a presidente da República, governadores dos estados mais importantes, tudo junto e misturado na geleia geral.

 

Um dos eleitos, tão à vontade no caldo de cultura dominante no parlamento, teve o topete de “teorizar” sobre a ética na política. Um weberiano manco nos currais das Alagoas. Secundado por um jovem discípulo (o Lobão novo, filho do Lobão, o velho) que, para desconforto dos apoiadores envergonhados, avisou em tom ameaçador que as vestais serão desossadas no plenário. A confraria da pequena política está com a corda toda, eufórica e destrambelhada.

 

Ficou claro, no episódio em pauta, que o processo de degradação do sistema político ultrapassou o perigoso umbral do sem retorno. Vai se ampliar o divórcio entre o sentimento cidadão e a lógica que anima os partidos da ordem no parlamento. Ficou claro também que, por si só, o sistema partidário perdeu condição de reagir, está encalacrado no vicioso, precisa de tratamento de choque, vindo de fora.

 

A luta contra a hegemonia da pequena política, no parlamento e fora dele, é a tarefa do momento. Ela foi definida com precisão nos discursos de anticandidatos, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, por Chico Alencar e Pedro Taques. Sem dúvida, um ponto de partida na busca por articulação entre os que lutam pelo resgate da grande política. Um primeiro passo na caminhada de longo curso para barrar a insensatez.

 

Léo Lince é sociólogo.

0
0
0
s2sdefault