Superávit primário

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Léo Lince
21/06/2007

 

O Banco Central publicou, nos jornais da semana, alguns dados da nossa contabilidade pública referentes aos idos de abril. Um espanto. Segundo a matéria de capa de quase todos os cadernos econômicos dos grandes jornais, o Brasil bateu, naquele mês, recorde histórico de economia para pagamento dos juros. Essa “economia”, o mal chamado superávit primário, somou R$ 23,5 bilhões, o maior valor já registrado desde que se mede tal descalabro.

 

Para se avaliar o tamanho bestial de tal quantia, basta dizer que ela quase equivale ao que o governo imagina investir em obras o ano inteiro: R$ 25 bilhões. Ou seja, em um mês se gasta em juros quase tanto quanto se reserva para investir o ano inteiro. O tão propagandeado PAC, outra comparação, desembolsou nos quatro primeiros meses deste ano apenas R$ 680,7 milhões. Perto da roleta cassino, uma aceleração merreca. Já o superávit primário de abril triplicou em relação ao de março.

 

Fica claro que o governo predica uma prioridade e pratica outra. Manquitola em tudo o mais, mas paga os juros com uma precisão suíça. Entre janeiro e abril, o total de juros pagos pelo setor público somou R$ 51,1 bilhões, ou 6,56% do produto bruto. Ou seja, todo santo dia, em média, se transferiu do tesouro público para a roleta do cassino financeiro a bagatela de R$ 426 milhões. Quase o PAC do quadrimestre por dia, uma sangria desatada que explica a permanência dos inúmeros gargalos na produção e, ao mesmo tempo, a euforia dos rentistas.

 

Essa overdose de dinheiro injetado na jogatina é um absurdo. Assim como absurdo é o próprio conceito com que tal operação se inscreve na nomenclatura da contabilidade atual. Invenção recente, o superávit primário é contemporâneo da supremacia absoluta do capitalismo financeiro. Os contadores formados antes do surto neoliberal não tinham conhecimento dele e, na certa, considerariam uma heresia o fato, hoje comum, de se poder ostentar um déficit nominal ao lado de um vistoso superávit primário. Nem os jornais escondem mais: é a cota reservada para os que mandam no mundo do dinheiro.

 

O conceito foi inventado pela casta financeira para garantir o “meu pirão primeiro”. Com ele, cravaram uma gigantesca sanguessuga nas burras do Tesouro, através da qual privatizam, na fonte, parcelas cada vez maiores dos recursos públicos. Ainda assim, a dívida só faz crescer. Na mesma ocasião, o Banco Central informou também que a dívida líquida do setor público fechou abril em R$ 1,080 trilhão, 44,4% do PIB.  É a lógica do modelo econômico que faz do Brasil o paraíso do rentismo.

 

Lá atrás, ainda nos primórdios da conversão lulista, o escritor Luiz Fernando Veríssimo, em bela crônica, foi buscar na mitologia grega uma explicação para o fenômeno. Como Teseu, Lula teria sido escolhido para derrotar o Minotauro da dívida. Os milhões de votos seriam o fio de Ariadne a lhe indicar os caminhos. Entrou no labirinto e não mais voltou. Emissários enviados para saber as razões da demora encontraram os dois animados no maior bate-papo. Os dois continuam amigos até hoje e, confortavelmente instalados no labirinto financeiro, comemoram juntos os recordes sucessivos do superávit primário.

 

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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