A coalizão dos “estofadinhos”

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Léo Lince
14/05/2010

 

Não é sempre que a candidata Dilma Rousseff, uma tecnocrata travestida de política pelo triunfalismo lulista, comete impropriedades ao falar. Quando opera no seu ramo, recupera o brilho da autenticidade e até que manda bem. Exemplo? Por ocasião do leilão para a monstruosa obra da Usina Belo Monte, quando as grandes empreiteiras se afastaram da disputa, ela acertou na mosca ao caracterizar o jogo de cena: "estão estofadinhas de obras".

 

As grandes empreiteiras, que trabalham quase sempre para os governos, estão fartas de ganhar dinheiro em obras públicas de duvidosa prioridade e orçamentos elásticos. Boa parte de tal fartura, no caso das encomendas do governo federal no setor elétrico, foi negociada e contratada nos gabinetes ministeriais então ocupados pela atual candidata. Falou, portanto, com o conhecimento de causa e pode ter forjado uma expressão emblemática do atual momento brasileiro.

 

"Estofadinhas", as grandes empreiteiras fazem obras de fachada e, como se sabe, fundos de campanha eleitoral. No dia 4 do mês em curso, a "Folha de S. Paulo" estampou, com ares de denúncia, a seguinte notícia: "Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Carioca Christiani Nielsen e JM Terraplanagens responderam, durante o ano de 2009, por 39% do arrecadado pelo PT, PMDB, PSDB e DEM". Ou seja, os maiores partidos da ordem dominante também estão "estofadinhos".

 

Escândalo? Nem tanto. Apesar do quatro por quatro que lembra quatrilho ou até quadrilha, a notícia é recebida como mais uma manifestação rotineira do padrão brasileiro de financiamento eleitoral. Os números são grandiosos, na escala dos milhões, e o trajeto do dinheiro é sempre semelhante. As grandes máquinas eleitorais, acoitadas nos aparelhos do Estado, operam na facilitação dos grandes negócios que, por sua vez, alimentam o intestino grosso da pequena política.

 

A malha de cumplicidades entre os magnatas supremos da economia e os partidos da ordem dominante está em toda parte. É um guarda chuva permanente na defesa dos múltiplos interesses dos "estofadinhos". Os exemplos são vários. Vale citar alguns, ocorridos no mês em curso.

 

Quando o Banco Central elevou a taxa de juros, uma transferência bestial de recursos para o cofre de banqueiros e especuladores, o aplauso foi geral nos jornais e na televisão. A candidata oficial do sistema, Dilma, aplaudiu a medida e foi acompanhada, para a surpresa de alguns desavisados, pelo candidato oficioso do mesmo sistema, José Serra.

 

Quando o Congresso Nacional, pressionado pela proximidade das eleições e pela presença ativa dos aposentados em suas galerias, aprovou em primeira votação o aumento de 7,7% nas aposentadorias e o fim do fator previdenciário houve uma grita geral. Editoriais em protesto contra a irresponsabilidade. E, mais uma vez, a candidata oficial e o candidato oficioso firmaram posição comum. A expectativa dos "estofadinhos" é o veto presidencial contra a "gastança". Juro mais alto é imperativo categórico, mas a migalha de aumento vai desestabilizar as contas públicas.

 

O cidadão, espantado, observa a emergência de uma conjuntura política inusitada. Nela, a confluência de interesses materiais muito poderosos atua no sentido de moldar a embocadura e a agenda das eleições gerais que se avizinham.

 

A indústria cultural de massas, guardiã do pensamento único, os pontos fortes de uma economia cada vez mais monopolizada e os partidos da ordem, que ocupam o cerne dos executivos e administram a pequena política nos parlamentos, são sócios de um mesmo condomínio.

 

Na disputa presidencial, a embocadura já está delineada. Para a mídia grande só existem dois candidatos. Serão também os latifundiários do tempo na televisão e terão dinheiro sem limites para gastar na campanha. Apresentados como pólos de uma disputa real, Dilma e Serra, a oficial e o oficioso, são na realidade expressão bifronte de um mesmo projeto: a coalizão dos "estofadinhos".

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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