Ainda a reforma política

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Léo Lince
10/06/2009

 

Tempos atrás, quando o PT ainda era o PT e a gestão do receituário neoliberal prerrogativa exclusiva dos tucanos, havia maior nitidez no debate sobre a reforma política. Até chegar ao governo central, quando começou a praticar com desenvoltura crescente o que nunca predicara, o PT era portador de um projeto de mudança radical: outro modelo econômico, ética na política. Alimentava até, os mais antigos hão de se lembrar, a esperança de inaugurar uma "nova gramática do poder".

 

Havia então, priscas eras, dois grandes projetos globais que polarizavam o debate. Cada qual formulado com esmero por titulares qualificados, fornecia o norte a partir do qual se agrupavam propostas parciais que ainda hoje vagueiam nos escaninhos do Congresso Nacional. Tal situação, que na época parecia natural, propiciava a condensação das opiniões e a articulação de forças, no interior do parlamento e no debate aberto na sociedade, na busca de um sentido geral para a reforma política.

 

As cabeças coroadas do tucanato - Serra, FHC e assemelhados - apresentavam projetos, escreviam artigos, entravam na liça em defesa do projeto de teor liberal-conservador. Sua melhor súmula está no relatório aprovado em comissão especial do Senado em 1988, de autoria do tucano Sérgio Machado. Entre outras coisas, preconizava: para restringir a representação proporcional e facilitar a governabilidade, voto distrital misto; para diminuir o tamanho do eleitorado, voto facultativo; para reduzir o número de partidos, cláusula de barreira.

 

O objetivo da proposta era definido com nitidez no referido relatório: "governabilidade, portanto, é o que importa neste debate sobre reforma política e partidária. Se estamos começando um processo de mudanças econômicas e sociais, por meio da estabilidade da moeda, da modernização do Estado e da abertura para o mercado mundial, devemos avançar também em nossa estrutura política". Tudo bem de acordo com as demandas do ideário neoliberal.

 

O outro pólo do debate, que tinha na bancada petista o seu principal instrumento de articulação, operava no contraponto radical. Seu objetivo declarado era transformar maiorias sociais em maioria política e alargar os espaços de presença cidadã na institucionalidade. Entre outras coisas, preconizava: para corrigir distorções e fortalecer o sistema proporcional, voto de lista ordenada; para reduzir o peso do poder econômico nas eleições, financiamento público exclusivo; para alargar a presença cidadã e garantir a universalidade do sufrágio, regulamentação dos instrumentos de democracia direta e voto obrigatório.

 

Quando o Lula ganhou a sua primeira eleição presidencial, o PT viveu a sua hora da verdade. Vitória quente, povo na rua fazendo festa. Era do PT, com todos os privilégios que tal fato confere, a maior bancada na Câmara. Os núcleos mais ativos da oposição viviam momento de completo desnorteio. Os dois quadros petistas mais empenhados na formulação da proposta de reforma política passaram a ocupar lugares chaves no governo e no parlamento. Um na Casa Civil, o todo-poderoso José Dirceu; outro na presidência da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha. A faca e o queijo na mão, na realidade, serviram de instrumentos para outras serventias. No desdobramento, todos sabem os resultados. O PT não é mais o mesmo. Seus quadros, agora, freqüentam as barras dos tribunais como quadrilheiros do mensalão.

 

O debate sobre a reforma política perdeu nitidez, mas o PT continua entre os responsáveis por suas mortes sucessivas. O presidente do partido, Ricardo Berzoini, desta vez até passou recibo. Ele disse que o partido teria duas prioridades: "a reforma política e a manutenção da base aliada". Como não foi possível conciliar as duas, valeu a verdadeira. Tudo indica que, mais uma vez, vai entrar em cena a teoria da equivalência das janelas. A reforma de verdade nunca sai, mas nunca acontecem duas eleições com as mesmas regras. Portanto, barbas de molho: está a caminho uma nova onda de casuísmos.

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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