Salve o Rio de Janeiro

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Léo Lince
27/02/2008

 

Quando Deus fez o mundo, reza um conto de Monteiro Lobato, havia um lugar onde se acumulavam as belezas naturais a serem distribuídas nos quatro cantos do planeta.  Concluída a obra, criação perfeita, percebeu-se que sobrara no sítio uma demasia de belezas. Como era o sétimo dia, reservado ao descanso, Ele houve por bem de deixar tudo lá mesmo. No Rio de Janeiro, o almoxarifado de Deus.

 

Por conta da preguiça divina, o carioca experimenta, se quiser todas as manhãs, a possibilidade sempre renovada de visões do paraíso. O mar em todas as suas cores e formas, as montanhas e florestas em recortes e volumes talhados no molde da harmonia. Esta pletora de beleza talvez explique o exagero de festas. Aniversário, por exemplo, o Rio comemora três vezes a cada ano. A chegada, o padroeiro, a fundação, em datas aglomeradas em pleno esplendor do verão, estação propícia aos folguedos.   

 

Foi no primeiro dia do primeiro mês de 1502 que os portugueses, inebriados, aportaram no que julgaram ser a foz de um rio maior que o Tejo. Daí nos veio o nome: Rio de Janeiro. No dia 20 de janeiro de 1567, São Sebastião, na data de seu martírio, nos livrou, milagrosamente, dos calvinistas franceses. Daí nos veio o padroeiro. Dois anos antes, no primeiro de março de 1565, o capitão Estácio de Sá fundara o acampamento inicial. Daí nos veio o aniversário oficial, comemorado neste fim de semana.

 

O Rio de Janeiro, cosmopolita e acolhedor, foi desde sempre uma cidade mundial e, ao mesmo tempo, bem Brasil. Freqüenta aquele colar de cidades que o mundo inteiro conhece, mas se move ao som do pandeiro e do tamborim. Foi vitrine e palco iluminado para boa parte dos acontecimentos políticos e culturais mais importantes da nossa história. Foi sede da Corte e capital da República, por isso carrega no corpo as marcas do tumultuário processo político brasileiro. A cultura popular ensolarada e as tradições libertárias do seu povo fazem do Rio, apesar de todos os percalços, um espaço permanente de experimento e criatividade.

 

Nem tudo, no entanto, são flores. Entre os males contra o Rio, o maior de todos é a pequena política que, faz tempo, nos governa. Por todos os títulos, um desastre: social, ético, ambiental, estético e cultural. A cidade anda espezinhada na sua beleza e muito maltratada pela crise da política que, desviada de sua função maior, opera na contramão. Os mercadores do interesse puro tomaram conta do templo majestoso. Causa espanto constatar que uma cidade marcada por tamanha vitalidade cultural se deixe aprisionar por semelhante malha.

 

Tudo que queremos, na comemoração de aniversário, é ver o Rio de Janeiro reconciliado consigo mesmo. Com sua beleza, com a sua história e com a alegria inigualável da sua gente. Apesar das mãos atadas e do peito coberto de flechas, na imagem do santo padroeiro há um detalhe salvífico: o olhar mira o futuro no horizonte.  O pulso ainda pulsa, salve o Rio de Janeiro. 

 

 

Léo Lince é sociólogo.

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