Correio da Cidadania

Professores de Letras dizem que Golpe de 1964 influenciou estética literária e contou com apoio de escritores da época

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Foi inaugurado na manhã desta quarta-feira (23) o seminário “Literatura e Ditadura – os cinquenta anos do golpe civil-militar e suas implicações na literatura”, organizado por um grupo de alunos, professores e pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Dentre a pauta dos debates, as apresentações incluem a presença do golpe na literatura, a canção popular e a estética literária do período. Os encontros ocorrem até a sexta-feira (25) no Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados (ILEA), no Campus do Vale.

 

No primeiro dia do evento, os professores Luís Alberto Nogueira, da UFRJ, e Luís Augusto Fischer, da Ufrgs, debateram a crítica literária e a presença do golpe na escrita dos anos 1960. Nogueira explorou a crítica literária num painel intitulado “Para crítico literário nenhum botar defeito: René Dreifus e a matéria brasileira”, em que mostra como o golpe foi arquitetado por uma direita extremamente intelectualizada. “Se engana quem acha que a direita é burra”, diz Nogueira.

 

Tendo como base a obra de Dreifus, “1964 – a Conquista do Estado”, Nogueira mostra como o golpe vai impactar o campo artístico – uma mudança que começa a ser percebida na queda da produção oposicionista para o surgimento de uma tradição literária conservadora, encabeçada por Rubem Fonseca. “A obra de Rubem Fonseca sedimenta as características do golpe. Não tem como ler sua obra e não associá-la à luta de classe”, apontou.

 

Os intelectuais e o golpe

 

Conforme Nogueira, a construção do golpe se deu não apenas na máquina política e pública, mas também dentro da criação do imaginário coletivo, explorado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) como a base de criação intelectual da propaganda da direita contra o “avanço do comunismo soviético no ocidente”.

 

Na obra, Dreifus entende o golpe de 1964 como a tentativa de impedir a tradição reformista e trabalhista que havia sido criada com Getúlio Vargas e que teria continuidade com o governo de João Goulart. “A luta de classe potencializa a inteligência à direita e à esquerda, e o golpe é a prova da qualificação da intelectualidade da direita”, explica Nogueira.

 

Luís Augusto Fischer lembrou que os grandes nomes da literatura brasileira ainda viviam quando se deu o golpe – com alguns chegando até mesmo a apoiá-lo publicamente, como Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Gilberto Freire, Nelson Rodrigues. “Não foi só de violência que o movimento se utilizou para dirigir o país, mas usou também recursos extremamente sofisticados como os núcleos intelectuais”, ponderou.

 

A estética intelectual do golpe militar também despolitizou o debate acerca do sistema econômico brasileiro, tirando-o das mãos de uma esquerda que buscava o “populismo” Varguista para um sistema de capital internacionalizado, controlado universalmente pelo poder hegemônico estadunidense.

 

Ipes

 

Grande parte dessa produção cultural golpista saiu do Ipes, o Instituto responsável pela criação do que os professores qualificam como “setor artístico” do golpe. Das publicações ao roteiro dos filmes, tudo passava pelas mãos do escritor Rubem Fonseca, que era repórter, editor, distribuidor e redator do conteúdo lá produzido.

 

A história do envolvimento do escritor é citada por Dreifus, mas o livro da jornalista Denise Assis, “Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe”, comprova a participação do escritor nos trabalhos do Ipes. “Foi com a censura do livro Feliz Ano Velho, em 1975, que Fonseca criou um álibi sobre ser golpista”, brincou Fischer.

 

Estilos literários

 

Fischer também apontou para as duas fases do golpe militar: a primeira, em 1964, e a segunda, em 1968, quando da aplicação do Ato Institucional N.5, o AI-5, marco de uma quebra na estética artística brasileira.

 

O exercício da escrita foi altamente influenciado pela época, conforme os painelistas. Para os escritores modernistas cujas carreiras já eram bem sedimentadas, como Érico Veríssimo, Jorge Amado, Nelson Rodrigues e Vinícius de Moraes, por exemplo, o golpe em 64 mudou pouca coisa. “Era uma questão de celebrar os militares ou não. Mas o Ato Institucional – o primeiro – não afetou a classe literária porque era voltado aos políticos, a quem trabalhava com o governo”, ponderou o professor.

 

Foi com o AI-5, em 1968, que as carreiras foram alteradas, uma vez que estabelecia censura prévia. “É esse momento que faz o golpe existir para a classe letrada e, principalmente, os escritores que estavam começando”, salienta Fischer, acrescentando que eram esses jovens escritores que encontravam a dificuldade do “fazer seu próprio nome na literatura” como um embate político.

 

Significante e significado

 

Não foi só o conteúdo da arte que mudou com a ascensão dos militares ao poder, mas também a forma. Se até 1960, romance, poesia lírica e crônica (“daquelas de colocar o Rio de Janeiro como a Oitava Maravilha do Mundo”, diz Fischer) eram os estilos aceitos nas rodas literárias brasileiras, a segunda fase do golpe dá início ao apreço a formatos menos conhecidos no país. Conto, teatro experimental e música popular surgem como novos formatos culturais que ganham prestígio pelo país.

 

Essa última, a música popular, ganhou atenção especial e massiva da população brasileira por meio dos festivais de música da televisão e a queda da bossa nova no gosto internacional, que garantiu projeção global do país no cenário artístico.

 

O tema ganha seção especial no seminário da Ufrgs, quando o professor Walter Garcia, da USP, e Guto Leite, da Ufrgs, discutem os trabalhos de João Gilberto, Geraldo Vandré, Edu Lobo, Caetano Veloso e a tropicália na tarde de quinta-feira (24).

 

 

Por Fernanda Morena, do Portal Sul 21.

 

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