Correio da Cidadania

Iêmen: a posição norte-americana ficou difícil

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A Arábia Saudita não engoliu o apoio norte-americano à paz nuclear com o inimigo Irã. Mas Obama não perdeu uma oportunidade para aplacar seu precioso aliado no Oriente Médio. Tendo o grupo religioso-militar dos houthis derrubado o governo al-Hadi, caiu na ira dos sauditas porque eram xiitas e aliados do Irã, enquanto o Reino é saudita e inimigo mortal dos iranianos.

 

A Arábia Saudita apressou-se em lançar uma guerra contra o governo houthi, bloqueando seus portos, invadindo o Iêmen pelo Sul e, principalmente, lançando uma campanha de bombardeios sistemáticos contra as cidades iemenitas. Num agrado aos sauditas, Obama logo apoiou sua guerra com armamentos, munição e inteligência. O Reino Unido não perdeu tempo em seguir essa decisão.

 

Esperava-se que com os bilhões em armamentos que a Arábia Saudita já comprara anteriormente dos estadunidenses, mais os novos armamentos, a munição abundante para reposição e a eficiência dos oficiais norte-americanos e ingleses, logo os houthis hasteariam bandeira branca.

 

Esses cálculos falharam, pois passavam os meses e os houthis não esmoreciam. Novos problemas foram surgindo.

 

De acordo com a estratégia saudita, seus aviões bombardeavam preferencialmente a infraestrutura do Iêmen, um dos países mais pobres do mundo, e não hesitavam em alvejar civis.

 

Logo começaram a circular pela imprensa internacional notícias da morte de muitos civis inocentes, da destruição de hospitais, centros de saúde, escolas, mesquitas, usinas de eletricidade, mercados e casas pelas bombas sauditas. O processo de aniquilação do Iêmen como país razoavelmente organizado e o massacre de sua população passaram a ser denunciados nas organizações internacionais.

 

Mas a riquíssima Arábia Saudita costuma fazer bons negócios com os EUA, o Reino Unido e a França; e distribuir empréstimos e doações bilionárias a países pobres ou em situação difícil da África e do Oriente Médio. Tem sempre argumentos valiosos para mobilizar nações na defesa dos seus interesses.

 

Na Comissão de Direitos Humanos da ONU, a realização de um inquérito internacional sobre eventuais crimes de guerra no conflito do Iêmen foi rejeitada e substituída por um inquérito a ser promovido pelos iemenitas do ex-presidente al-Hadi, aliado dos sauditas...

 

A proposta do inquérito internacional também não passou na União Europeia. Apresentada pela Holanda, foi bloqueada pelo Reino Unido que, talvez por coincidência, havia fechado negócios de 4 bilhões de dólares em armamentos para as forças militares do governo de Riad.

 

Choveram protestos de ativistas por Direitos Humanos, começando pelo próprio Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al Hussein.

 

“Por enquanto, os sauditas e seus aliados, como os EUA, mostraram que podem ainda bloquear esforços na ONU para garantir a veracidade dos crimes de guerra no Iêmen”, manifestou-se Salma Arner, advogada oficial da ONU no Instituto do Cairo para Estudos de Direitos Humanos.

 

John Fisher, do Human Rights Watch: “o agressivo lobby da Arábia Saudita contra uma completa investigação internacional mostra que o país deveria ser suspenso pelo Conselho. E não ser reeleito”.

 

Mas, como os sauditas não estavam nem aí para denúncias e protestos, os bombardeios continuaram, implacáveis. E as vítimas e destruições continuaram, com números assustadores.

 

No começo de 2016, novas reações surgiram nos EUA e no Reino Unido. Sessenta deputados norte-americanos assinaram um protesto, exigindo que um negócio com os sauditas de 1,5 bilhão de dólares, que deixaria felizes as indústrias de armamentos, fosse suspenso, até que se investigasse se não seriam usados contra os direitos humanos.

 

Na Câmara dos Comuns do Reino Unido, a Comissão de Comércio Exterior votou uma resolução pela suspensão de toda ajuda britânica. Mas nada disso foi aprovado pelos governos de Tio Sam e da rainha.

 

Em setembro, quando a guerra completou 19 meses, já se falava em 10 mil mortos por bombas estadunidenses e britânicas. No dois países, a opinião pública questionava a participação dos EUA e do Reino Unido nos bombardeios e suas vítimas.

 

Em agosto, editorial do New York Times afirmava: “os EUA são cúmplices na carnificina”. E o The Guardian também pôs a mão na ferida: “A Grã Bretanha tem muita responsabilidade por todo esse sofrimento”.

 

Não deixavam de ter razão.

 

No INTERCEPT, de 10 de outubro, o ministro do Exterior saudita declarou que “oficiais britânicos e norte-americanos estão no centro de comando e de controle dos ataques aéreos sauditas no Iêmen e têm acesso à lista de alvos”.

 

Portanto, conclui o INTERCEPT, enquanto campanhas de bombardeios são invariavelmente descritas na mídia do Ocidente como “dirigidas por sauditas”, os EUA e o Reino Unido são ambos participantes centrais e indispensáveis

 

Diz a Reuters, em 10 de outubro, que há meses alguns oficiais advertiram Obama de que o apoio aos bombardeios da Arábia Saudita poderia caracterizar os EUA como “cobeligerante” na guerra, conforme a lei internacional.

 

Isso obrigaria o país a investigar as alegações de crimes de guerra no Iêmen e causaria um risco real de que militares seus fossem submetidos a processos. Haveria, inclusive, precedentes legais.

 

Uma corte internacional determinou que o ex-presidente da Libéria, Charles Taylor, fosse responsabilizado por crimes de guerra, pois “a assistência na prática e o encorajamento ou apoio moral” na realização desses crimes seria suficiente para se determinar responsabilidades por crimes de guerra.

 

Os procuradores não precisam provar que um réu participou de um certo crime específico. O que significa que ministros podem ser individualmente responsabilizados diante de um tribunal internacional especializado em crimes de guerra (como o ICC).

 

Enquanto Obama deveria estar avaliando o tamanho do buraco em que se metera, a aviação saudita bombardeou um funeral, matando 155 civis e ferindo cerca de 500. Ninguém aceitou as desculpas sauditas.

 

O próprio American Conservative (o nome diz tudo) afirmou que “o bombardeio do funeral foi, claramente, feito com chocante desrespeito às vidas dos civis que o acompanhavam. Mesmo que atingisse os alvos humanos por acidente (como alegou o governo de Riad), poderia ser considerado crime de guerra”.

 

O golpe foi sentido pela Casa Branca. Num comunicado, depois de falar na habitual “preocupação” do governo com atos desse gênero, anunciou uma imediata revisão do nível de apoio na guerra dos sauditas contra o Iêmen.

 

Logo a seguir, Ned Price, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional foi inusitadamente incisivo: “a cooperação em segurança dos EUA com a Arábia Saudita não é um cheque em branco”. E completou sua manifestação dizendo que o governo está “preparado para ajustar nosso apoio de modo a melhor alinhá-los com os princípios, valores e interesses norte-americanos”.

 

O tipo de ajuste do apoio a Riad vai depender muito da importância maior ou menor dada a cada um desses itens. Se os dois primeiros forem escolhidos, os sauditas terão de se conformar em se comportar bem, sob pena de não receberem mais armas ou talvez apenas, digamos, tranquilizantes (que eles bem que precisam).

 

 

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Luiz Eça é jornalista

Website: Olhar o Mundo.

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