Correio da Cidadania

Freixo: um oásis da esquerda no deserto da representação que a direita explora?

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Com a chegada de Marcelo Freixo (PSOL) ao segundo turno das eleições para a prefeitura do Rio, a enfrentar Marcelo Crivella (PRB), procuro desenvolver quatro planos para fomentar um debate sobre o contexto que se apresenta na cidade do Rio de Janeiro:

 

Primeiro plano – a crise de representação aparece com força

 

Escrevo com base apenas no Rio de Janeiro, mas parece uma tendência mais ampla, com as devidas variações. Na última coluna, falávamos do aprofundamento da crise de representação (https://goo.gl/jZJuVM), que parece ser confirmado com o comparecimento de 75,72% dos eleitores e 18,26% de votos nulos (473.324) e brancos (204.110).

 

Isso quer dizer que do total de 4.898.044 votos apurados na cidade do Rio 1.189.187 pessoas não foram exercer esse direito de votar. Somando abstenção, brancos e nulos. temos 1.866.621 como não votantes, totalizando 38,11% do total de registros.

 

Muitos grupos anarquistas divulgam esses dados como uma vitória do slogan “não vote, lute”; outros, em especial a esquerda partidária, particularmente os petistas que foram de forma destacada os grandes derrotados nacionalmente, apontam despolitização e fascismo. Também se poderia sinalizar isso como sintoma da crise da representação que tanto apontamos. Mas será que faz sentido?

 

Pode fazer, mas prefiro dizer que podem ser esses fatores e muitos outros, pois falta acúmulo de reflexão sobre tais variáveis (não comparecimento, brancos e nulos), fora as nuances que envolvem motivações para não comparecer ou votar nulo e branco. Com isso, quero dizer que as pessoas comemoram ou baseiam seu desespero em números brutos como se fosse bom ou ruim, sem sequer saber o que pensam as pessoas que compõem os percentuais e números. E isso não é um problema político dos grupos que adotam o grito “não vote, lute” ou daqueles que entendem uma “despolitização" e "fascismo", mas da produção de conhecimento, em especial na área de ciência política (e não só, o que pode ser visto aqui: https://goo.gl/FD4SEZ).

 

Na questão da representação política, mais particularmente sua crise e formas de pensar caminhos de saída e inovação (e alguns desses caminhos aparecem no artigo que destaquei no início), de alguma forma os números devem sinalizar ao menos a necessidade de maior reflexão sobre o fenômeno: ele vem aumentando? Em todos os lugares? O que pensam as pessoas que adotam esse comportamento eleitoral? Enfim, precisamos entender melhor do que se trata porque o destaque midiático a cada eleição não corresponde ao aprofundamento da reflexão sobre o assunto.

 

Parece que a crise da representação não passa somente pelo “não voto”, mas pelo exercício do poder a partir do voto que leva a perguntar: como os governos e parlamentares eleitos se relacionam com a população? Eles se fecham depois de eleitos e só voltam na eleição seguinte?

 

O principal ponto parece ser o fechamento do sistema político, muito mais do que o momento da escolha do representante, ainda que, por conta desse fechamento o momento da escolha acabe sendo o sintoma, na medida em que existe a criação de um círculo vicioso, sem falar nas condições desiguais em que concorrem os candidatos.

 

Segundo plano – A derrota pontual do PMDB e das Organizações Globo no Rio de Janeiro

 

O primeiro turno das eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro foi marcado pela dificuldade do PMDB emplacar o candidato Pedro Paulo, escolhido pelo prefeito Eduardo Paes, cujas gestões beneficiaram sobremaneira a Rede Globo – entre várias coisas, por exemplo, a cessão de parte dos direitos de administrar os museus que se espalham do Centro a Zona Sul, em especial o Museu do Amanhã, o Museu de Arte do Rio (MAR) e Museu da Imagem e do Som (MIS). Todos eles têm a Fundação Roberto Marinho envolvida na gestão.

 

A passagem de Marcelo Freixo (PSOL) ao segundo turno com uma campanha de estrutura mínima e quase sem tempo de TV, dependente da mobilização entrelaçada entre ruas e redes, contra uma máquina institucional (prefeitura) e de propaganda, corresponde a uma derrota importante para o PMDB numa cidade que era tida como vitrine nacional do partido, em especial logo após as Olimpíadas, sendo importante destacar que também é uma derrota das Organizações Globo.

 

Tanto para PMDB quanto para as Organizações Globo tal derrota será facilmente absorvida, em especial pela empresa de mídia, que já deve ter até um posicionamento em relação ao que fará no segundo turno. Por conta da identificação entre Crivella e Record, pode até mesmo ser que a Globo abra mais espaço para Marcelo Freixo. Aliás, impressiona como Crivella praticamente escolheu enfrentar Freixo no segundo turno ao investir fortemente contra Pedro Paulo no debate decisivo da Globo.

 

Além disso, o PMDB teve outra derrota importante ao perder 8 vereadores, passando de 18 para 10, ainda que mantenha a maior bancada.

 

Vale destacar que os institutos de pesquisa também estão sendo cada vez mais questionados. A única pesquisa para vereador que foi divulgada, do IBPS, sinalizava a manutenção da distribuição atual e o resultado foi bem diferente, por mais que esteja focando aqui apenas no PMDB, pois não analisei todos os vereadores eleitos, até por falta de condições, interesse e tempo.

 

Terceiro plano – a vitória relativa do PSOL em sua vertente parlamentar

 

O PSOL sempre me pareceu um partido que opta pelo fortalecimento da sua via parlamentar sem deixar de tentar, com muita dificuldade, conquistar cargos executivos eletivos. Neste sentido, o partido foi vitorioso ao conseguir aumentar em duas cadeiras sua composição da Câmara dos Vereadores, um aumento de 50% que lhe posiciona como a segunda maior bancada. Sai maior do que entrou na campanha.

 

A composição traz novidades como Tarcísio Motta (ex-candidato do partido ao governo do estado), Marielle Franco (numa bela campanha baseada nas favelas, no feminismo e nos direitos humanos) e David Miranda (que coordena um projeto para a juventude). Eles se juntam a Renato Cinco (um dos mais combativos da atual bancada), Paulo Pinheiro (que atua na área de saúde, principalmente) e Leonel Brizola Neto.

 

Evidente que seis vereadores são importantes para combater, mas se Freixo ganhar a eleição pode haver dificuldade, ainda que haja componentes imponderáveis na composição de uma base de governo na Câmara. E parece que Crivella também não terá tanta facilidade para compor essa base, caso ganhe, por mais que já acene ao PMDB, escondendo Pedro Paulo, claro.

 

Quarto plano – Marcelo Freixo como esperança possível de um Rio/Brasil diferente

 

Em sua segunda candidatura à prefeitura do Rio, Freixo enfrentou muitos obstáculos para chegar ao segundo turno. Com pouco tempo de televisão, exclusão do primeiro debate e com uma estrutura que não se comparava financeiramente com a de seus principais adversários, conseguiu fazer uma campanha com muito engajamento da militância, foco no discurso contra o PMDB, derivado quase que de forma chapada da campanha de 2012, e propostas derivadas de um ano de um projeto partidário chamado “Se a Cidade Fosse Nossa”, que se teceu nos bairros e temas da cidade.

 

Chegou ao segundo turno com muito menos votos (em torno de 400 mil a menos) do que teve em 2012, especialmente por conta de uma campanha bem mais fragmentada. E parece que tais votos se distribuíram de forma muito mais solta do que apenas entre Jandira e Molon, que estariam com ele num suposto campo de esquerda, ou mesmo nas abstenções, nulos e brancos.

 

A constatação leva a pensar que deve ser muito difícil a transferência de votos de um candidato para outro, em especial em um contexto de aprofundamento da crise de representação. Pode acontecer, mas não da forma simplista que comentam, do tipo “se A apoiar B todos os eleitores de A votam em B”.

 

Assim, como lidar com esse cenário de imprevisibilidade? Discutir a cidade, colocar o projeto que foi discutido por um ano em vários bairros nas rodas de discussão pela cidade, em especial a zona norte e zona oeste, tratar do cotidiano, mostrar o que o prefeito pode fazer (e sinalizar o que não pode). E pode fazer muita coisa.

 

Por que o Brasil ao lado de Freixo?

 

Os olhos do Brasil vão se voltar para o Rio neste mês: a cidade pós-olímpica estará em uma disputa entre um candidato de esquerda e um representante do que pode ser tido como mais atrasado – nem tanto pelo lado religioso, da Igreja Universal do Reino de Deus, que deve ser tocado com cuidado, muito mais pelas alianças com Garotinho e Bethlem, ex-secretário de Paes. Tais alianças devem ser escancaradas bem como o possível apoio do PMDB, escondendo Pedro Paulo.

 

De início, Freixo manuseia bem a capacidade de diálogo para além da esquerda, ainda que o PSDB já tenha dito que não há apoio possível, e recebe apoios de um partido que até pode ser visto como “de esquerda” como o PSB (ainda que Romário, principal puxador de votos, esteja apoiando Crivella) logo no primeiro dia. Já tinha recebido apoio de Jandira e Molon, bem como do PT, no domingo. A questão é saber com quem e quando anda, pois apoio não se escolhe.

 

Por fim, a nacionalização tem seu lado positivo para Freixo, ou seja, a solidariedade de um campo de esquerda que foi fragorosamente derrotada na figura do PT e apresentou um irrisório avanço do PSOL no cenário nacional, algo como um elemento que sobrevive ao massacre de domingo que traz o prenúncio de 2018, com o favoritismo de Geraldo Alckimin (PSDB-SP) neste momento, o que mostra que tudo pode mudar, inclusive para pior. Essa solidariedade pode conferir visibilidade.

 

A solidariedade das bases com caravanas virtuais de várias partes do país são emocionantes ao ponto que Freixo descarta a presença de Lula e Marina em seu palanque. Só que não pensem que a direita também não se interessa por essa eleição da cidade que é praticamente referência do Brasil no exterior e vai tentar promover Crivella, perfazendo o lado cruel da nacionalização, na medida em que a esquerda ainda se associa à imagem de Lula e o discurso antigolpe do #ForaTemer, o que pode pesar.

 

Na semana que vem trataremos do adversário de Freixo no segundo turno: Marcelo Crivella.

 

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Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ.

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