Correio da Cidadania

Reforma Trabalhista: "precisamos do contrário do que está proposto"

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Em meio à crise política e econômica, a agenda do governo federal apresenta sua controvertida proposta de reforma trabalhista, anunciada pelo novo Ministério do Trabalho. Dentre os principais pontos da proposta está o aumento da jornada e a prevalência do acordo entre trabalhador e patrão sobre a legislação vigente, além da abertura quase total às terceirizações. Para uma análise de fôlego, entrevistamos Edson Carneiro, o Índio, da coordenação nacional da Intersindical, um das centrais que manteve-se independente aos governos petistas.

 

“A negociação funciona sempre como uma chantagem aos trabalhadores. Em um período de crise como o que vivemos, a empresa se utiliza do medo do desemprego para fazê-lo aceitar um acordo no qual o trabalhador saia perdendo, que reduza um salário ou traga algum outro prejuízo. Em outras palavras, ou o trabalhador aceita o acordo, qualquer que seja, ou estará na próxima lista de demissões”, resumiu.

 

O sindicalista tece duras críticas ao governo Temer e sua agenda, que estaria em consonância com os setores patronais e financeiros. Porém, sua crítica não se restringe aos últimos meses: ressalta a atuação do governo Dilma em uma série de medidas que contribuíram para a apresentação da agenda ora em discussão. Ainda pontua que a reforma da previdência e o PL 4330, que regulariza a terceirização, são elementos fundamentais para entender a agenda retroativa da atual conjuntura.

 

“Não podemos achar que vamos encontrar um país soberano e um povo com melhores condições de vida cedendo nossos direitos. Temos de reduzir a jornada de trabalho, melhorar fortemente o salário mínimo e a situação dos trabalhadores precarizados, que são muitos. Precisaria formalizar a relação de trabalho daqueles que estão na economia informal e impor uma pauta ao país vinda de outra agenda, mais progressista”.

 

Confira a entrevista completa a seguir.

 

Correio da Cidadania: Como você recebeu o anúncio da nova reforma trabalhista que tramita no Congresso e se tornou bandeira do governo Temer?


Edson Carneiro: Algumas medidas que o governo Temer vem anunciando parecem desencontradas. Cada ministro fala uma coisa e depois o governo tenta desdizer para não pegar mal com a população. Concretamente, o governo coloca três medidas que tratam de pegar pesado com os trabalhadores brasileiros. Primeiro a reforma da previdência, depois a reforma trabalhista e, por fim, a terceirização.

 

Na questão da reforma trabalhista, uma das medidas que o governo anuncia é a prevalência do negociado sobre o legislado. Isso levaria os trabalhadores a constantes chantagens nos sindicatos e a aceitarem acordos abaixo do estabelecido na lei e na CLT. A medida permite que acordos feitos diretamente entre sindicatos e empresas, ou mesmo diretamente com o trabalhador, possam flexibilizar praticamente todos os direitos já garantidos em lei. Isso pode alterar jornada, acabar com o décimo terceiro salário e direitos como as férias podem ser parcelados, fragmentados, negociados.

 

Há setores no governo que falam amplamente em aumentar a jornada. O ministro do Trabalho falou em 12 horas diárias. Há outros que querem estabelecer uma jornada estendida e incorporar horas extras sem valor adicional. Ou seja, o trabalhador faria hora extra e não receberia adicional. Ainda podem ser estabelecidos acordos que acabem com o descanso de final de semana remunerado. Podem até vir acordos que reduzam salários.

 

A prevalência do negociado sobre o legislado faz com que qualquer direito hoje estabelecido em lei, e as empresas não podem cancelá-lo, seja negociado.

 

Correio da Cidadania: Qual sua análise a respeito da argumentação que atrela flexibilização das relações de trabalho a crescimento?


Edson Carneiro: O debate está muito em torno de uma jornada flexível: estendida para alguns e fracionada para outros. É terrível. Assim, pode-se, enfim, levar diversos direitos trabalhistas, garantidos desde a década de 40, à extinção.

 

A negociação funciona sempre como uma chantagem aos trabalhadores. Em um período de crise como o que vivemos, a empresa se utiliza do medo do desemprego para fazê-lo aceitar um acordo no qual o trabalhador saia perdendo, que reduza um salário ou traga algum outro prejuízo. O trabalhador, por sua vez, ou aceita fracionar as férias ou perde o emprego. Ou aceita abrir mão do décimo terceiro ou perde o emprego. Em outras palavras, ou o trabalhador aceita o acordo, qualquer que seja, ou estará na próxima lista de demissões.

 

O quadro já existe na prática. Como sindicalistas, percebemos muitas vezes os trabalhadores tensionados e pressionados pela chefia, a levarem o sindicato a aceitar acordos do tipo. Legalizar tal prática seria uma medida absolutamente nefasta.

 

Correio da Cidadania: Como ficam as questões da terceirização e do programa de proteção ao emprego, dentre outros direitos trabalhistas?


Edson Carneiro: Na semana passada os jornais estamparam nas manchetes o empenho do governo em torno do projeto da terceirização. É a maneira mais acabada que o grande capital teria para reformular totalmente a forma de contratação da força de trabalho no Brasil. É a mudança mais drástica. Pior do que o negociado sobre o legislado.

 

Primeiro porque o projeto de lei aprovado na Câmara, o PL 4330, que foi enviado para o Senado e lá tramita, estabelece mudanças radicais. Muda não apenas a figura do empregado, mas a figura da empresa. As próprias empresas deixariam de ser prestadoras de serviços. Em nossos debates internos e na opinião de alguns especialistas, a primeira consequência é que milhões de trabalhadores que hoje têm contratos nos setores privado ou público deixariam de ser contratados para serem prestadores de serviços, como a atual figura do PJ (Pessoa Jurídica).

 

Em alguns setores particulares, como na comunicação e na imprensa, já é muito comum essa forma de contratação. Assim, haveria a multiplicação e a banalização da “pejotização” da força de trabalho. E com tal medida, ainda acabam direitos como décimo terceiro, fundo de garantia, férias. Ou seja, se o trabalhador é um PJ, não tem nenhuma dessas garantias estabelecidas pela CLT, não há décimo terceiro, nem férias remuneradas.

 

Outra consequência é aqueles que não forem contratados como prestadores de serviço (Pessoa Jurídica) poderem ser contratados por firmas terceiras, que também levam a um grau de precarização imenso. No mínimo, as empresas terceiras fazem com que o trabalhador terceirizado perca o mínimo estabelecido nas atuais convenções e acordos coletivos.

 

Nas diversas categorias e particularmente nas mais organizadas – que nas últimas décadas conseguiram acumular alguns direitos acima da CLT – ao perder o emprego diretamente contratado e passar para a terceirização, haverá perda das conquistas das convenções coletivas. PLR (Participação em Lucros e Rendimentos), auxílio alimentação e tudo aquilo que a categoria conquistou pode ser perdido.

 

Há ainda uma outra consequência gravíssima. Um dos objetivos mais importantes dos patrões é esvaziar a organização sindical. Ou seja, tornar inviável a possibilidade e a capacidade dos trabalhadores se organizarem. O trabalhador terceirizado tem mais dificuldade em constituir um sindicato, se fortalecer e construir organização. E ao perder a contratação direta com a empresa, ou seja, ao perder um vínculo de trabalho formal, observamos as consequências já presentes para quem está terceirizado.

 

A rotatividade entre terceirizados é muito maior na proporção em que são menores os seus salários. Os direitos e garantias também são menores. E no setor público as empresas não precisariam mais fazer concursos, seja na administração direta ou indireta. Simplesmente contratariam PJs ou firmas terceiras para suprir o que hoje é feito pelos estados, empresas e autarquias públicas.

 

O projeto de terceirização é o maior ataque aos direitos sociais, trabalhistas e de organização que temos na história do Brasil. Sem dúvida, maior que tudo o que foi pensado na década de 90 pelo FHC, tentado pelos militares durante a ditadura e mesmo nas medidas de austeridade dos governos presididos pelo PT, especialmente de Dilma Rousseff. Nada chega perto desse processo de terceirização, porque é uma mudança radical na forma da contratação de força de trabalho

 

Atualmente, uma parcela importante da classe trabalhadora, em torno de 15%, é terceirizada. Ou seja, é composta por trabalhadores contratados pelas terceiras. Eles têm salários menores, direitos menores, são mais expostos ao adoecimento no trabalho, a acidentes e dificuldades de organização, o que ainda os faz perderem certo grau de identidade com a categoria. No fim das contas, a empresa terceira passa a operar como alguém que aluga pessoas. Se uma empresa precisa de mão de obra, ela não vai contratar um trabalhador, vai buscar uma terceira e alugá-la. É quase um retorno a formas pré-capitalistas de convocação de mão-de-obra.

 

Este projeto está tramitando no Senado. O relator é o senador Paulo Paim (PT-RS), oriundo do sindicalismo, que tem feito um debate com os movimentos sociais e sindicais buscando apresentar um projeto alternativo que coloque travas neste e dê garantias de não poder haver terceirização nas atividades-fim, além de impedir a locação de mão-de-obra, a subcontratação e a quarteirização.

 

O necessário seria exatamente o contrário do proposto. Precisamos elevar as condições dos atuais terceirizados para que tenham os mesmos direitos, salários e garantias dos trabalhadores diretamente contratados. Essa seria a saída razoável para o Brasil e a classe trabalhadora, mas o objetivo do grande capital e dos governos é repassar o valor da força de trabalho e aumentar o grau de exploração, precarização e impor flexibilidade – que só é “flexível” de fato para a empresa demitir e substituir mão-de-obra como quiser.

 

Já temos um histórico atual consolidado de muitas empresas terceiras, quando quebram ou querem sair do mercado, simplesmente fecharem as portas, não pagarem os direitos trabalhistas, mudarem de nome e voltarem a operar fazendo a mesma coisa e prestando o mesmo serviço com outros trabalhadores. Os antigos ficam com os prejuízos.

 

O projeto está avançado. Como já foi aprovado na Câmara, bastaria o Senado aprovar e o presidente sancionar. É o que teria menos dificuldade na tramitação. É uma questão muito importante e precisamos construir a greve geral para impedir a aprovação desse projeto da terceirização geral e irrestrita.

 

Correio da Cidadania: Qual sua opinião a respeito do novo Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira de Oliveira (PDT-RS) que desbancou Paulinho da Força (Solidariedade) e é alinhado ao programa “Ponte para o futuro”, de Michel Temer? Como avalia o recuo do governo Federal frente às suas primeiras declarações?


Edson Carneiro: Acho que o ministro expressou aquilo que o governo pensa e, como a reação foi muito pesada, até porque merecia, o Temer recuou. Não avalio que o Nogueira tenha falado da cabeça dele, foi uma diretriz do governo. A declaração gerou um embate direto na sociedade e ele meio que recuou, o governo desautorizou, disse não ser nada disso... O próprio Temer afirmou que não era idiota para tirar direitos do trabalhadores.

 

Há uma pressão do grande capital e do empresariado, dos banqueiros e sistema financeiro em torno dessas medidas e estão tentando atender a diversas frações do capital. Por exemplo, sistema financeiro tem mais interesse na reforma da previdência, na PEC 241, nas privatizações e naquilo que vá reduzir a renda pública para sobrar mais dinheiro para pagar juros aos bancos. Os setores mais ligados à indústria, aos serviços e à produção têm um interesse maior na reforma trabalhista e na terceirização. O governo nos seus mais diversos ministros tenta atender aos diversos anseios do andar de cima. Para os de baixo, nada.

 

Não conhecia o ministro e tenho poucas informações de sua trajetória. O que sei é o que está saindo na imprensa e, a partir dessas informações, acho ele pouco hábil. Está tentando sobreviver, defende a posição do governo, mas talvez tenha falado demais e adiantado algumas coisas que possam levar o governo a querer sua substituição.

 

De forma geral, acho que devemos pensar o conjunto dos ministérios, não só o ministro do Trabalho. Temos de lembrar do ministro da Saúde, que quer impor plano de saúde pra todo mundo e acabar com o SUS. Tem um ministro da Educação que fala em Escola Sem Partido, enfim, os ministros são medíocres, assim como o governo.

 

Correio da Cidadania: O advogado Sérgio Batalha, em entrevista à grande imprensa, afirmou que “não se diz claramente, mas o intuito desta reforma trabalhista é uma demanda do empresariado que visa cortar custos da mão de obra”. Você concorda? De que forma essa reforma trabalhista se relaciona com a atualidade?


Edson Carneiro: Concordo com a afirmação. As medidas são para atender a diversas frações do capital e do grande empresariado. A reforma trabalhista e o projeto de terceirização interessam a eles por serem mecanismos diretos para reduzir o valor da força de trabalho, salários, direitos, aumentar a exploração e os lucros.

 

Reflete mais uma vez que os donos do dinheiro não estão preocupados com as consequências que virão para o povo brasileiro como um todo. Simplesmente querem aumentar sua taxa de lucro e restabelecer a acumulação expandida, sem levar em consideração os desdobramentos para milhões de pessoas e a realidade do país.

 

Uma consequência pouco mencionada é que isso tudo vai diminuir os fundos públicos. Vai diminuir o fundo de garantia e o que é repassado para a previdência social. Também vai diminuir a massa salarial e, portanto, o consumo das famílias, trazendo impacto para toda a economia. Vai prejudicar inclusive o pequeno comerciante, o pequeno produtor, o aposentado, o desempregado: prejudica todo mundo.

 

E eles tentam vender uma ideia de que se reduzirmos os salários e os direitos vão aumentar empregos. Estão vendendo uma balela. Não aconteceu em lugar nenhum, não há histórico nem na economia brasileira, nem em outros países, que diminuir os valores da força de trabalho gera empregos. É uma bobagem com a qual tentam nos enganar.

 

Correio da Cidadania: Desde o início da entrevista você cita a reforma na previdência como um dos interesses do sistema financeiro representados pelo governo federal e a situação dos aposentados como consequência. Como vê a questão?


Edson Carneiro: Neste caso, é importante nos atentarmos à manipulação de informação na questão. Em primeiro lugar, a mídia, o governo e o grande empresariado alardeiam que há um déficit nas contas da previdência. Isso é uma falácia e para fazer tal cálculo desconsideram a Constituição, que é clara.

 

Quando na Constituição foram criadas as responsabilidades da previdência social, de pagar os benefícios e a assistência, criou-se o tripé da seguridade social. Assim, a previdência é parte do tripé da seguridade: previdência, assistência e saúde. E para cumprir tais obrigações foram estabelecidas as fontes de receita. Quando a imprensa e o governo alardeiam que há um déficit, eles não consideram as outras fontes de receita da previdência social, que são a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e outras verbas, como recursos de loteria, além de outras fontes de receita.

 

Isso pode ser comprovado nos cálculos feitos por analistas da receita federal, auditores. O próprio estudo da professora Denise Lobato Gentil (da UFRJ) demonstra, sem sombra de dúvidas, que, ao contrário do que se diz, houve superávit.

 

Claro que para fazer uma reforma dessa, que retira direitos, é preciso um terrorismo com a população, a dizer que a previdência vai quebrar por não ter recursos para pagar as próximas gerações. É uma mentira. O debate das próximas gerações se resolve com um cálculo atuarial, de que o aumento do emprego e da massa salarial trará mais recursos para a previdência social.

 

Por outro lado, precisamos lembrar que em todos esses anos também houve desvio de verba da seguridade social para outras coisas. Particularmente, foram enquadradas as receitas da União e tirados muitos recursos da seguridade social, além das desonerações feitas para diversos setores econômicos. Reduziram a contribuição previdenciária das empresas e transferiram-na para o seu faturamento. Ainda assim, não há déficit.

 

O primeiro ponto a ser registrado no debate sobre a reforma da previdência é desmontar a mentira tão alardeada de que haveria um déficit, como dito. Outro ponto a ser registrado é que volta e meia no Brasil, há 20 anos, se fala em Reforma da Previdência, sempre para restringir direitos e reduzir benefícios. Cada vez que isso acontece – e os bancos são os maiores incentivadores das grandes mídias – os assalariados médios, aqueles que têm uma condição um pouquinho melhor, vão buscar títulos da previdência privada. Só isso já turbina o lucro dos bancos e das operadoras na venda de previdência privada.

 

Nas cidades menores, particularmente no interior do país, é o volume de recursos recebidos da previdência social que vem sustentando os pequenos municípios. Os cálculos dos auditores da receita federal dão conta de que o recurso recebido da previdência nos pequenos municípios é mais do que um fundo de participação dos municípios. E se você reduz o benefício, acaba com a aposentaria e tem menos gente aposentada; significa que a economia local vai sofrer um baque. O pequeno comércio vai sofrer um baque e terá menos consumidores, pois a massa salarial vai cair fortemente. É o aspecto mais geral.

 

A consequência direta é o governo dizer que a aposentadoria só sai aos 65 anos, ou aos 70, porque não se sabe exatamente. É uma loucura. A maioria da classe trabalhadora começa a trabalhar cedo, e salvo alguns casos onde a pessoa tem um emprego muito estável, o trabalhador alterna um período com emprego e um período desempregado, portanto, sem contribuição. Assim, o trabalhador vai se aposentar depois de quase 50 anos de contribuição. É uma loucura. A pessoa começa a trabalhar aos 15 ou 16 anos, como boa parte da população mais empobrecida, vai trabalhar a vida toda e quando se aposentar estará quase sem nenhuma condição.

 

Por outro lado, em muitas categorias, mas não apenas as braçais, quando passam dos 55 anos, muitos trabalhadores não têm mais saúde para o trabalho. Portanto, acaba-se exigindo à pessoa adiar sua aposentadoria, ainda que não tenha a menor condição de continuar trabalhando.

 

Outra medida muito drástica é igualar as regras para mulheres e homens. Isso é negar uma realidade visível, no caso, a situação das mulheres que têm dupla ou tripla jornada. Seria um absurdo acabar com a diferença para cumprir e garantir o acesso à aposentadoria.

 

O governo também disse que vai desvincular o salário mínimo do menor valor pago pela previdência. Ou seja, o aposentado pode receber um benefício menor que o salário mínimo, o que é inaceitável. Querem também igualar as condições de acesso à aposentadoria do trabalhador do campo e da cidade, desconhecendo ou ignorando completamente a realidade de quem trabalha no campo, que geralmente começa a trabalhar muito cedo. Essa pessoa trabalharia ainda mais antes de se aposentar.

 

Além de tudo, o governo ainda quer igualar as regras dos setores público e privado, o que também é desconhecer ou passar por cima das conquistas do setor público, algo impossível de aceitar.

 

Foram feitas muitas reformas no setor público nos últimos períodos, inclusive nos governos Lula, e isso prejudicou o funcionalismo público em âmbitos federal, estadual e municipal. As mudanças anunciadas até agora de reforma da previdência não são uma reforma, mas simplesmente a precarização do valor do beneficio, além da criação de mecanismos para dificultar ao máximo o acesso do trabalhador à aposentadoria.

 

Algumas medidas o governo já tomou e põe em prática, pois não precisam passar pelo Congresso. Uma delas é o acordo feito com os médicos peritos. Estão chamando aqueles trabalhadores que estão ou em auxilio doença ou em auxilio assistência e trabalho, e que são mais de 3 milhões de pessoas em todo o Brasil. Estão simplesmente dando alta para essas pessoas voltarem ao trabalho, mesmo que não tenham condições e não estejam ainda aptas. Só com isso já está atingindo 3 milhões de pessoas. E sequer precisa passar pelo Congresso Nacional.

 

A aposentadoria é talvez o direito civilizatório mais importante do século passado. É garantir que a partir de uma idade, de um tempo de trabalho e de contribuição, a pessoa possa ter uma velhice com alguma segurança e alguma proteção. Se esse direito for cassado teremos um país de milhões de idosos ainda mais empobrecidos.

 

Correio da Cidadania: Como avalia o sindicalismo brasileiro, em especial CUT e Força Sindical, na atualidade? Acredita que essa nova proposta de reformar a representatividade dos sindicatos pode vir a agregar com as organizações?


Edson Carneiro: Não acredito que nenhuma medida que venha do governo e passe por esse Congresso vise melhorar as condições de vida, de salário ou de organização dos trabalhadores. O que vier desse governo é ruim para nós. Nenhuma regulamentação é para melhorar, mas piorar e desarmar ainda mais os trabalhadores. Ainda que haja diferenças entre as centrais sindicais, de opinião, de orientação política e ideológica, nas bases há praticamente um grande acordo de que não é possível aceitar as reformas.

 

Apesar de a alta cúpula da Força Sindical ser muito próxima ao governo Temer, as bases das centrais e vários sindicatos da Força Sindical têm se posicionado contra suas medidas. As demais centrais também se posicionam contrárias ao conjunto de medidas. Estamos dialogando, há um processo de reunião, debate, conversa e construção da unidade e acredito que vamos construir uma mobilização para barrar essas reformas.

 

Correio da Cidadania: Quais os desafios da classe trabalhadora diante de um mundo cujas relações trabalhistas se alteraram tanto desde a virada do último século para este, colocando os vínculos empregatícios e classistas em outro patamar?


Edson Carneiro: No momento o desafio é cerrar fileiras, aumentar a unidade, melhorar o grau de organização, ampliar o diálogo com as categorias, fazer formação política, melhorar o trabalho de base e a organização pelo local de trabalho. Tudo isso é fundamental para barrar as medidas regressivas.

 

Claro que temos muito a avançar, teríamos muita coisa para avançar em garantias da própria execução dos direitos trabalhistas. Há um desafio na opinião da Intersindical de que, hoje, para superarmos a fragmentação da classe trabalhadora por conta reestruturação produtiva, os sindicatos têm novos desafios de busca por mobilização, organização e até representação dos setores que estão precarizados. Por exemplo, os trabalhadores terceirizados, informais e desempregados, precisam ter nas centrais sindicais e nos sindicatos uma força de representação, de organização e de mobilização.

 

O movimento sindical precisa dar um passo à frente, não podemos ficar restritos a representar apenas os trabalhadores formais. Temos de ampliar e todo mundo que vive do seu próprio trabalho precisa encontrar nas entidades dos trabalhadores respaldo pra se mobilizar e organizar, ser representado e defender seus direitos. É um desafio que se coloca e nós temos feito um esforço para superar o modelo de sindicato que só representa o trabalhador formal. É um desafio estrutural.

 

Outro desafio é a própria construção de unidade, pois é preciso superar a fragmentação e a dispersão das organizações, já que essa não é a melhor forma de dar conta das saídas.

 

Correio da Cidadania: Dentro de tal contexto, como você vê a CLT na atualidade? O que restou dela e o que poderia ser feito em sua visão?


Edson Carneiro: Nós viemos de uma tradição de combater alguns aspectos presentes na CLT, particularmente ligados à estrutura sindical e à intervenção do Estado sobre o movimento. Somos daqueles que defendem a liberdade e a autonomia dos trabalhadores. Quem tem de dizer como o trabalhador se organiza é o próprio trabalhador, não o Estado.

 

A legislação trabalhista no Brasil, que o patronato diz que dá muita proteção ao trabalhador, é uma grande mentira. Somos um país onde o valor da força de trabalho é muito baixo. Se formos comparar o valor do salário no Brasil com diversos outros países – e não precisam nem ser o países chamados desenvolvidos – vamos verificar que os salários aqui são menores que em muitos lugares. Ainda temos uma das maiores jornadas de trabalho do mundo.

 

Lutou-se muito para a redução das jornadas, conseguiu-se um avanço de 48 para 44 horas semanais, mas muitos países já avançaram para jornadas de trabalho ainda menores. Há muitos anos debatemos a redução da jornada para 40 ou 36 horas semanais. Em algumas categorias, 30 horas. Portanto, ao contrário do que o empresariado diz, precisamos avançar, e não retroceder.

 

O desafio é: no momento de defensiva, precisamos lutar para manter o que já temos, para não perder e, paralelamente, ir mudando a agenda do país. Não podemos achar que vamos encontrar um país soberano, com um povo em melhores condições de vida, a partir da entrega de nossos direitos. Temos de reduzir a jornada de trabalho, melhorar fortemente o salário mínimo e a situação dos trabalhadores precarizados, que são muitos. Precisaria formalizar a relação de trabalho daqueles que estão na economia informal e impor uma pauta ao país vinda de outra agenda, mais progressista.

 

Reforma tributária para taxar grandes fortunas, grandes heranças, grande capital e grandes propriedades, ao invés de cobrar impostos de quem é assalariado. Hoje o trabalhador que ganha 4 mil reais paga a mesma alíquota de quem ganha 100 mil. Isso é um absurdo. Precisaria inverter radicalmente a estrutura tributária: quem ganha mais paga mais e vice-versa. E assim concentrar a arrecadação tributária em torno da riqueza, do patrimônio, da propriedade e do lucro.

 

Também são necessárias outras reformas estruturais, como a reforma urbana para resolver problemas de moradia e mobilidade. Atualmente, uma grande parcela do povo gasta boa parte do seu tempo se deslocando para o trabalho e do trabalho para casa. O trabalhador precisa dedicar mais tempo do seu dia para outras coisas que não apenas o trabalho e o deslocamento, como, por exemplo, a família e sua saúde.

 

É preciso também, na nossa opinião, reformar o sistema político, absolutamente apodrecido e viciado, acabar com o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e tirar a política do controle econômico. Além, é claro, de uma reforma nas comunicações, para acabar com o monopólio das mídias, afinal de contas não existe liberdade de imprensa no Brasil, mas um monopólio controlado por 6 famílias que diz o que o povo pode ou não ouvir.

 

Tudo isso é muito importante e ainda temos a reforma agrária, já que é importante reformar o sistema fundiário no Brasil. Em suma, temos de construir a resistência, impedir os retrocessos e inverter a agenda nacional, a fim de melhorar as condições de vida da maioria da população.

 

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Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania

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