Correio da Cidadania

Nós e os chineses: por que somos socialistas?

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Primeiro, porque somos profundamente solidários com todas as pessoas, independentemente de sexo, raça e cor, que sejam discriminadas social e economicamente.

 

Segundo, porque abominamos qualquer tipo de opressão, seja ela política ou econômica.

 

Terceiro, porque acreditamos ser preciso gerar um desenvolvimento econômico que respeite a natureza e divida suas benesses entre todos, não apenas entre um grupo de privilegiados.

 

A síntese dessas posições nos leva a lutar por um sistema político que atribua a todas às pessoas oportunidades iguais de desenvolvimento pessoal e que as diferenças entre cada uma delas, que sempre existirão, sejam devidas apenas as suas capacidades físicas e intelectuais.

 

Atualmente, não existem outras formas de organização da sociedade a não ser o modelo capitalista, sob o qual vive a maior parte da humanidade. O socialismo, ainda hoje, é uma meta a ser alcançada.

 

Como disse Rosa Luxemburgo há 100 anos, ou caminhamos para o socialismo ou para a barbárie capitalista.

 

Ser um socialista é uma construção pessoal. Você pode ser contra as injustiças sociais e a favor da igualdade de oportunidades para todos, sem ser um socialista.

 

Para isso, você precisa se armar de uma estrutura ideológica que possa lhe dar uma explicação racional, que o ajude a entender porque vivemos sob um sistema capitalista e porque ele precisa ser substituído por outro, mais humano e solidário, mas, fundamentalmente, mais eficiente economicamente.

 

Poderíamos até retomar o mito do bom selvagem de Rousseau e admitirmos que nascemos intrinsicamente bons, mas fomos pervertidos pela sociedade capitalista.

 

A volta ao bom caminho – a senda do socialismo – seria, portanto, fruto do esforço pessoal de cada um em identificar as fontes da perversão e substituí-las por modelos mais humanos.

 

No meu caso, e é apenas um exemplo, foi a leitura de um romance – Les Thibault, de Roger Martin du Gard – que, ao narrar a saga do pacifista Jacques Thibault, às vésperas da primeira guerra, mostrou a existência de um novo caminho.

 

Os textos de Marx, Lenin, Trotsky, Plenakanov, Caio Padro Júnior, Nelson Werneck Sodré e Jacob Gorender, entre outros, apenas organizaram esse processo, dando a ele os argumentos racionais necessários para se justificar.

 

Toda essa declaração de princípios está sendo feita em resposta a um excelente artigo do ex-governador Tarso Genro no site Sul 21, a propósito de socialismo, diferenças entre esquerda e esquerdismo e ajuste econômico.

 

Diz Tarso, refutando o título de esquerdismo que o jornal Zero Hora atribuiu a uma tentativa de reagrupamento das forças de esquerda do país, face ao movimento golpista que se apropriou do mandato da presidente Dilma, que a palavra foi exorcizada por Lenin quando lhe atribuiu a pecha de ser uma doença infantil do socialismo.

 

O que existe são várias tendências de esquerda no país, que devem se agrupar contra o inimigo comum, até porque a esquerda é sempre plural, ao contrário da direita, que é singular, autoritária e dogmática.

 

Basicamente, o que pretenderia esse movimento?

 

Numa resposta simples, construir um modelo de desenvolvimento democrático que assegure iguais oportunidades para todos, liberdade para o crescimento pessoal de cada um e uma estrutura material do país que permita esses avanços.

 

Embora Tarso não tenha sido explícito no caso, certamente estaria pensando na construção de uma sociedade socialista. Não numa sociedade socialista já, mas na construção dela.

 

Em 1917, logo depois da Revolução Soviética, Lenin não falou em socialismo já, mas na sua construção. Lenin, como um profundo conhecedor do seu povo, dizia sempre que isso seria um processo longo e seria preciso investir muito na educação das pessoas. Ao contrário do que muitos podem pensar, Lenin não era um autoritário e sempre desconsiderou o caminho da imposição de qualquer tipo de ideia, defendendo a opção do convencimento pelo uso da razão e dos bons exemplos.

 

Mas, mesmo Lenin em 1921, quando as consequências da guerra civil e as invasões estrangeiras pareciam estar prestes a destruir a revolução, optou por um regime econômico (a Nova Política Econômica – NEP), substituindo o comunismo de guerra por um sistema que estimulava o desenvolvimento de iniciativas capitalistas em alguns segmentos da economia.

 

Seria um passo atrás para dar dois à frente, quando as pessoas estivessem convencidas de que o sistema de planejamento econômico governamental era mais eficiente que o privado. Infelizmente, Lenin não viveu para completar sua obra e seu sucessor Stalin optou, em 1928, pela imposição ditatorial do desenvolvimento a qualquer custo – e no caso soviético foi ao custo de milhares de vidas humanas perdidas.

 

No seu artigo, Tarso lembra que Deng Xiaoping, quando disputou a liderança do Partido Comunista Chinês, convenceu seus pares que plano e mercado são apenas instrumentos e não distinções fundamentais entre socialismo e capitalismo, retomando algumas ideias dos mencheviques russos. Hoje comanda um país com os mais altos índices de crescimento do mundo, fazendo sair da pobreza mais de 500 milhões de chineses.

 

Essa ideia de incorporar as noções de mercado ao planejamento socialista, há algum tempo, vem sendo discutida pelos defensores de um novo modelo econômico, mas o modelo chinês parece não ser o melhor exemplo a ser seguido.

 

De uma forma bem evidente, ele preserva a velha divisão de classe, separando ricos e pobres. E não são apenas alguns mais ricos que outros, o que parece ser uma condição humana em todo o tipo de organização social, mas, sim, alguns extraordinariamente ricos e outros ainda muito pobres, como mostram, por exemplo, os investimentos de alguns de seus milionários a comprar times de futebol, como já fazem os xeiques árabes e os reis do petróleo e do gás da Rússia.

 

Além disso, uma sociedade desse tipo, ainda que seja capaz de assegurar o crescimento econômico que beneficia, mesmo de forma desigual, a maioria da população, só pode ser mantida por um sistema político autoritário e pouco democrático.

 

Seria esse o modelo de ajuste econômico que as esquerdas, se um dia tiverem novamente o poder de decidir alguma coisa no Brasil, proporiam?

 

Será possível compatibilizar desenvolvimento acelerado com democracia, seguindo a receita chinesa?

 

Esta é realmente, no meu modo de ver, uma proposta que dificilmente poderia ser chamada de socialista, mas como disse Tarso no seu artigo a riqueza da esquerda é representada pelas suas múltiplas visões da realidade e uma delas talvez pudesse se basear na experiência chinesa.



Marino Boeira é jornalista e professor, formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

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