Correio da Cidadania

Policiais são suspeitos de manipular provas para criminalizar manifestantes

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O comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo ordenou um tratamento diferente para os jovens que foram detidos em grupo durante a manifestação realizada ontem contra o presidente Michel Temer (PMDB) na Avenida Paulista. Em vez de serem levados para as delegacias comuns, os manifestantes foram parar no Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), órgão da Polícia Civil que costuma lidar com crimes ligados ao crime organizado, como roubo de cargas, facções criminosas e fraudes financeiras.

 

“A ordem do comando é levar para o Deic”, disse o soldado Marcelo Adriano Nowacki, da 2ª Companhia do 7º Batalhão da PM, responsável pela prisão de cinco adolescentes no início da manifestação, na avenida Paulista, por volta das 16h30. Outros 21 jovens, sendo três adolescentes, foram presos às 15h, por um outro grupo de policiais militares, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), no Paraíso, zona sul de São Paulo, quando se preparavam para ir ao protesto.

 

No Deic, os 26 jovens detidos nas duas ações foram autuados por associação criminosa e corrupção de menores, crimes que podem render penas de até 5 anos de prisão. Segundo os policiais, os suspeitos pretendiam cometer ações de vandalismo durante a passeata da Paulista. Entre os objetos apreendidos que comprovariam a versão da polícia, estavam máscaras contra gás, pedras, lenços, sprays, estilingues e uma barra de ferro.

 

Incomunicáveis

 

Parentes e amigos negaram que os jovens pretendessem cometer violências no protesto. Um deles, o estudante de jornalismo Felipe Ribeiro, 27 anos, nem pretendia ir à manifestação, segundo a mãe dele. “Meu filho não é uma pessoa interagida com política, não sabe de nada. Nunca foi a uma passeata”, disse Maria Aparecida, 65 anos. Ela conta que Felipe foi ao CCSP fazer uma pesquisa na biblioteca para um trabalho escolar. “Ele foi preso apenas porque estava passando por ali”, disse.

 

Todos os detidos, inclusive os oito adolescentes, foram mantidos incomunicáveis no Deic durante até oito horas. Nenhum dos advogados que foi até a delegacia, localizada no Carandiru, zona norte, teve acesso aos presos. O delegado Fabiano Fonseca Barbeiro, da 1ª Delegacia de Investigações Gerais, só permitiu que os pais dos adolescentes entrassem no Deic para ver seus filhos. Falar com eles, contudo, estava proibido. “Não pude conversar com meu filho. Só me deixaram abraçá-lo”, contou Rosana, mãe de um jovem de 17 anos.

 

Na única vez em que saiu da delegacia para falar com os advogados, ainda no início da noite, o delegado Fabiano afirmou que não permitiria a entrada deles antes de decidir que procedimento iria adotar com os jovens. “O status deles é ‘detidos para averiguação’. Quando iniciar o procedimento de polícia judiciária, os advogados poderão acompanhar”, afirmou.

 

Demorou para que os advogados e os pais dos maiores de idade tivessem acesso aos jovens presos. Só puderam entrar por volta das 23h40, acompanhando uma comissão formada por três políticos do PT: o ex-senador Eduardo Suplicy, o deputado federal Paulo Teixeira e o vereador Nabil Bonduki. Para o ouvidor das polícias de São Paulo, Júlio César Fernandes Neves, que também esteve no local, a atitude do delegado de bloquear a entrada dos advogados precisa ser investigada. “Vou denunciar essa atitude à Corregedoria da Polícia Civil”, anunciou.

 

Para o ouvidor, a polícia fez uso de “muita forçação de barra” para incriminar os jovens. “Existe uma grande possibilidade de a convicção do delegado ser totalmente errada”, afirmou. Segundo Neves, o crime de associação criminosa exige encontros anteriores entre os participantes, mas muitos dos jovens detidos se conheciam apenas pelo Facebook e haviam se encontrado ontem pela primeira vez. “Pode ser uma prisão política, sim”.

 

Prova plantada?

 

Após sair do Deic, no meio da madrugada, os políticos tentaram acalmar os pais que aguardavam do lado de fora. “Seu filho pediu-me que dissesse à senhora que está bem”, disse Suplicy para Rosana, mãe de um adolescente detido no CCSP por estar com uma barra de ferro. “Mas ele não pode estar bem, senador. É um absurdo o que fizeram com ele. Nem mochila meu filho tem”, ela respondeu. “Seu filho disse que a polícia colocou a barra de ferro ao lado dele. Eu acredito na palavra dele e acho que a polícia foi além da conta”, respondeu Suplicy.

 

“São jovens presos sem cometer um crime. Não tem uma vítima. As coisas que tinham com eles, como máscaras de gás e lenços, são comuns em qualquer manifestação. Foram vítimas de um abuso policial”, afirmou Paulo Teixeira, após sair da delegacia.

 

“É uma barbaridade e uma arbitrariedade. Os meninos foram ouvidos sem advogado, o que é uma barbaridade grave”, concordou o vereador Bonduki. Para ele, a prisão teve um objetivo político. “É uma ação para intimidar as pessoas a não participarem das manifestações contra o governo”, disse.

 

Um representante do Conselho Tutelar Santana-Tucuruvi, Guarda Luizinho, foi até o local, mas não conseguiu dizer se os direitos dos adolescentes estavam sendo respeitados ou não. “As informações são desencontradas”, repetiu várias vezes.

 

Enquanto esperava notícias, Edgarde Arlindo do Nascimento, 70, contava como admira a coragem do filho de 17 anos. “Eu digo para ele: eu não vou nas lutas que você vai, porque tenho medo, preguiça, um monte de coisa, mas tiro o chapéu para quem vai”, disse, dando risada. Contou que, neste ano, o filho lutou e venceu uma boa briga, ao lado dos colegas da Etec Uirapuru, na zona oeste, quando participou de uma ocupação da escola para conseguir merenda. Ao lado do marido, Ivonice Carneiro de Azevedo, 51, lembrou a frase que sempre ouve da boca do menino: “se a gente ficar de braço cruzado, não consegue nada”. Lição que deve ter aprendido com Ivonice, ex-militante do movimento por moradia que conseguiu a própria casa após 13 anos de luta.

 

Pergunto sobre a prisão do menino e a acusação de associação criminosa. Edgarde dá uma nova risada. “Ele é completamente diferente disso aí de black bloc. É um molecão pacífico”.

 

Entrevista

 

Veja entrevista com o soldado da PM Marcelo Adriano Nowacki, um dos responsáveis pela prisão de cinco adolescentes ontem na Paulista.

 

Como foi a ação?

 

Nowacki – Pegamos indivíduos na Paulista que estavam com máscara de gás, estilingue, umas 15 pedras, um celular que constava como furto. Estavam falando que estavam lá na manifestação por repressão e que a polícia é fascista e “fora Temer”. A gente abordou eles e conduziu para cá, junto com equipe do Choque. Eles estavam querendo fazer baderna, mesmo, porque falaram para a gente.

 

Eles falaram isso?

 

Nowacki – Falaram.

 

Textualmente, falaram o quê? “A gente quer…”

 

Nowacki – “A gente está na repressão, a gente quer acabar com a polícia fascista e tirar o Temer”. Estavam com bandeiras, um monte de outras coisas.

 

O que indicava que estavam com uma intenção criminosa? Só falar “polícia fascista” não é crime.

 

Nowacki – Não, não, isso, não. Eles estavam com aquelas roupas pretas, alguns, e atitude suspeita.

 

O que seria atitude suspeita?

 

Nowacki – Eles viram a polícia e começaram a disfarçar andando longe em passos rápidos. Foi quando a gente abordou. Aí estavam com pedra na mochila, com spray para botar fogo.

 

O spray não poderia ser para outra coisa?

 

Nowacki – Sim, mas cada um tinha dois cheios na bolsa, e com isqueiro, provavelmente iam botar fogo em algum lixo para fazer baderna.

 

Mas, pegando esses objetos isoladamente, não é crime andar com spray, andar com estilingue…


Nowacki – Não, não é crime. Mas, numa manifestação, para que seria conduzir pedra na mochila? E com touca ninja, tudo de preto e máscara? Provavelmente seria para fazer alguma repressão na manifestação contra a preservação da ordem pública. Provavelmente com certeza seria isso.

 

Outro lado

 

A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa da Polícia Militar e da Secretaria da Segurança Pública (SSP) para saber sobre as acusações de manipulação de provas com objetivos políticos. A assessoria da PM respondeu: “Sr (a) Jornalista! Favor entrar em contato com a SSP”. A assessoria da SSP, a cargo da empresa CDN Comunicação, ainda não respondeu.

 

 

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Fausto Salvadori é jornalista da Ponte, onde a matéria foi originalmente publicada.

 

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