Correio da Cidadania

A Secretaria Municipal de Educação e o Agosto Indígena

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A Secretaria Municipal de Educação (SME) por meio do seu Núcleo de Educação Étnico-Racial está comendo bola. Num ano eleitoral é de se esperar que a situação, ou seja, o governo, utilize a máquina, os recursos públicos, para cooptar e convencer seu eleitorado que é ou apresenta o melhor candidato ao pleito eleitoral. Mas aqui é diferente quando se trata de indígenas.

 

Todos os movimentos já sabem que se aproximando do período eleitoral também se inicia o cerco eleitoral às lideranças de movimentos sociais. Assim ocorre com movimentos culturais, com movimentos de habitação, movimentos negros e não poderia ser diferente com os movimentos indígenas. Acontece que os movimentos indígenas têm suas lideranças escolhidas de forma muito diferente dos demais segmentos. Essas escolhas seguem muito próximas das formas que cada povo tradicionalmente elege suas lideranças, de modo que quando uma liderança deixa de ser pautada pelo seu respectivo povo perde a credibilidade e passa a não ser mais reconhecida como tal.

 

Com isso, quando uma liderança indígena é cooptada por governos e/ou Estado, perde a credibilidade interna. O mecanismo torna os movimentos, organizações e comunidades indígenas quase que imunes aos vícios eleitoreiros. Governo e estados já entenderam essa dinâmica.

 

Aqui em São Paulo, a cooptação se dá por chantagem. Utilizam-se da situação financeira para “convencer” indígenas que suas propostas são as melhores para os movimentos e comunidades. Pegam essas pessoas da forma bélica, covarde, ameaçam sua moradia e alimentação.

 

Pensemos: quando se é indígena em contexto urbano, significa que se tem de se submeter às regras da vida urbana. E mais: não são as regras para a classe média e os ricos, são as regras impostas aos empobrecidos, entre eles a população indígena. Assim, indígena tem de pagar aluguel, transporte, vestes e o crucial, a alimentação sua e de sua família. A partir daí, chantagem passa a ser tortura. Trabalhamos para morar, vestir, locomover e comer. Creio que desenhei bem. Portanto, o aliciamento de lideranças indígenas também segue modos diferentes de outros segmentos, mas a lógica e o propósito são os mesmos.

 

Ao não ter diálogo com os movimentos e organizações indígenas na cidade de São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação (SME), por meio do seu Núcleo de Educação Étnico-Racial, precisa mostrar números, em ano de eleição, para convencer seu eleitorado, não-indígena, que tem feito algo em benefício da população indígena, já que não consegue convencer a própria população indígena.

 

Sabe por que? É simples, após a Constituição Federal de 1988, os governos do PT, representados por dois mandatos de Lula e dois mandatos de Dilma, foi o governo que menos terras indígenas demarcou; também foi o período democrático em que houve mais assassinatos de lideranças. Das parcas terras demarcadas, nenhuma era de real importância para o agronegócio, madeira e/ou mineradora. Mais uma vez, fiz lindos traços. Logicamente, a população indígena em contexto urbano de São Paulo não irá votar num candidato do PT ou apoiado por este partido, assim como não vota em partido de fazendeiros. Preferimos que vote em ninguém.

 

Graças a tudo isso, pensam ser melhor deixar os indígenas de lado e maquiar os números. Assim faz a Secretaria Municipal de Educação (SME), por meio do seu Núcleo de Educação Étnico-Racial, que não tem números reais para mostrar.

 

Não dialoga nem com seus pares, tampouco com a população indígena que vem procurando o diálogo desde o dia que soube que neste ano não terá, por arbitrariedade da SME, o Agosto Indígena.

 

A SME, por meio do seu Núcleo de Educação Étnico-Racial, não cumpre com a legislação, assim como Lula e Dilma também não cumpriram com os artigos 67, 231 e 232 da Constituição. Cospem e vomitam em todos os cantos a Lei 11.645/08, esquecendo que esta é a Lei de Diretrizes e Bases.

 

Significa que não é com dados estatísticos que irão convencer a população indígena de não ser mais necessária a realização do Agosto Indígena. Mas de um jeito ou outro, estaremos no pé para a efetivação do Agosto Indígena como política pública de formação continuada dos educadores da rede de ensino municipal.

 

Neste sentido, deixamos nossa indignação, uma vez mais. O fato de a SME, por meio do seu Núcleo de Educação Étnico-Racial, não ter buscado o diálogo com os movimentos e organizações indígenas para construção do “II Congresso Municipal de Educação para as Relações Étnico-Raciais” resultou numa carta, não respondida até o momento.

 

Em em ano eleitoral, só evidencia que a Secretaria Municipal de Educação, por meio do seu Núcleo de Educação Étnico-Racial, está comendo bola.

 

Abaixo, colocamos à disposição do público a não respondida:

 

 

 

À Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo

 

 

A/C do Secretário

Sr. Gabriel Chalita

Rua Dr. Diogo de Faria, 1247.

 

 

Prezado sr.



Nós, membros das organizações indígenas da cidade de São Paulo, viemos por meio desta manifestar nossa recusa à proposta da Comissão Étnico-racial desta secretaria de não realizar a amostra cultural “Agosto Indígena”, trocando o nosso evento específico por uma jornada conjunta com negros e imigrantes. Entendemos, que se assim for, deixará de ser “Agosto Indígena”.

 

Reconhecemos o direito de tais segmentos em discutir amplamente suas especificidades econômicas, sociais, políticas e culturais, mas nós indígenas temos pouca visibilidade, mesmo tendo uma atividade específica. Juntar os segmentos neste evento, que vimos construindo junto com a SME, há três anos, irá nos prejudicar drasticamente.

 

Propomos que sejam realizadas tais atividades no “Novembro Negro” e num outro momento com os imigrantes, como vem sendo feito. Caso a SME queira realizar uma atividade conjunta, que, além dos povos indígenas, negros e imigrantes, incluam também os Povos Ciganos, já que se trata de uma minoria também vítima de preconceitos e exclusão social na cidade de São Paulo. Quiçá consigamos, com o apoio da SME, criar um Fórum Interracial, para discutir políticas inclusivas e de combate ao preconceito e à discriminação racial, de forma a contribuir com o combate ao racismo cultural e estrutural.

 

Realizar em separado não significa que a SME segmenta as minorias, mas as valoriza e por isso dedica um mês de ações para cada uma delas.

 

Não obstante, as ações que a SME vem realizando nos últimos dois anos, ainda não são suficientes para implementação da LDB, no que reza a Lei 11.645/08, já que a mesma obriga o ensino das histórias e culturas dos povos indígenas no cotidiano escolar e sabemos que isso não ocorre nas escolas municipais, salvo exceções.

 

Vale lembrar que o Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT e, portanto, qualquer mudança em políticas públicas, mesmo com inclusão ou exclusão delas, deve ser amplamente discutida com a população indígena direta e indiretamente impactada. E não pode fazer outra interpretação da referida legislação, senão a consulta ampla à população indígena, de preferência que se escute às organizações indígenas e as lideranças de cada povo.

 

No caso da cidade de São Paulo, são mais de 30 povos, com mais de 35 mil membros, portanto, não adianta uma única liderança ser consultada, pois no máximo tal liderança só fala por seu povo ou sua comunidade, e se assim for designada para representar seu respectivo povo, e não pelos povos indígenas residentes na cidade.

 

Portanto, tirar o foco da questão indígena no “Agosto Indígena” muito prejudica a nós, povos indígenas, e colabora para a invisibilidade que estamos combatendo, pelo menos na esfera municipal. Afinal, a realização desta jornada de formação de educadores tem o intuito de um dia ser possível vermos a Lei 11645 de fato implementada na rede municipal de ensino.

 

Sendo assim, esperamos que a SME realize uma reunião de consulta às lideranças e organizações indígenas aqui da cidade São Paulo, para juntos dialogarmos e decidirmos as melhores ações que de fato contemplem a nós, povos indígenas, e que a SME haja de acordo com a lei, respeitando e garantindo nossos direitos sociais.





São Paulo, 14 de Junho de 2016

 

Assinam:

Comissão de Articulação dos Povos indígenas de São Paulo - CAPISP

 

GT Indígena do Tribunal Popular

 

Programa Pindorama

 

Pastoral Indigenista de São Paulo

 

Com Cópia:

 

Ao sr. Fernando Haddad, Prefeito de São Paulo

 

Ao sr. Felipe de Paula, Secretário de Direitos Humanos

 

 

 

Por Sassá Tupinambá é militante do GT Indígena do Tribunal Popular e Assessor da Comissão de Direitos Humanos da OAB - Jabaquara

 

 

Comentários   

0 #1 E como andam as negociações para o Agosto Indígena de 2017Aparecida 14-07-2017 11:09
Estou curiosa sobre o andamento das negociações com o Núcleo de Educação Étnico-Racial para o Agosto Indígena. O que podemos esperar para esse ano?
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