Correio da Cidadania

O pior do mundo

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Já é hora de fazer um balanço. Essa é a 13ª edição em pontos corridos do Campeonato Brasileiro e, aparentemente, a avaliação só pode ser uma: fiasco.

 

Pode doer aos defensores da fórmula, entre eles eu, com seus balizados argumentos a respeito do que ela significa na garantia de um calendário mais estável e afeito ao planejamento de maior prazo (vamos deixar de lado que essa benesse mal atinge 20% dos clubes do país).

 

No entanto, saltam aos olhos as variadas ‘pasmaceiras’ por que passa o campeonato, a exemplo das duas primeiras rodadas que acabamos de ver (quem realmente viu?).

 

Sim, a versão brasileira dos pontos corridos é um desastre. Entre os campeonatos de mínima relevância mundial, certamente é a pior liga em termos de autopromoção e, digamos, conveniência.

 

A meu ver, não se trata mais de debater se temos de voltar ao mata-mata ou ficar na atual fórmula. Trata-se de algo mais primordial: ter um campeonato em que todas as rodadas, fases ou sei lá o quê sejam legais. Só isso.

 

Do jeito que está, não dá. E quem defende o mata-mata não pode ser visto como saudosista ou retrógrado. O que temos aí é um anti-campeonato.

 

Logo de cara, uma primeira rodada alocada numa quadra completamente decisiva e desgastante da temporada: finais dos estaduais, ainda jogados à vera, dos regionais e início das oitavas de final da Libertadores, além de fases similares da Copa do Brasil. É claro que não há cabeça pra criar um clima de decisão no meio de tantas outras, que já demandaram três meses de bons resultados.

 

Exemplo perfeito foi o Cruzeiro x Corinthians do primeiro domingo da disputa. Jogo realizado entre seus confrontos copeiros e, assim, completamente esvaziado.

 

Vejam bem: em que lugar do mundo o bicampeão estreia recebendo um dos gigantes do país, em rede nacional, e a sensação é de fim, e não começo, de feira?

 

Onde mais existe a “indústria da perda de mando de campo”, a gerar uma série interminável de jogos deslocados da cidade de direito, por uma sanha punitiva que agora transforma qualquer copo de plástico em arma letal e criminaliza todo e qualquer comportamento não consumista?

 

Pois além de não termos clima nenhum de clássico, um quase amistoso entre reservas, novamente tivemos de ver uma partida sugada pelo “legado da Copa”. Pior: pagou-se 1 milhão de reais para contratar um espetáculo (perdão pela linguagem corporativa) que não preencheu um terço dos assentos e arrecadou menos do que o necessário com sua média de 83 reais por tíquete.

 

Nem vamos dedicar este texto à discussão sobre o autoritarismo com que se tenta implantar o novo modelo de futebol e seu respectivo padrão de comportamento e preços, incapaz até de ler a lei da oferta e procura.

 

Mas cabe lembrar que no último Tottenham x Arsenal pela liga inglesa o pau quebrou nas cercanias do estádio, a entrada dos visitantes foi tumultuada e ninguém cogitou tirar algum jogo de White Hart Lane ou Emirates. Na primeira rodada da mesma, torcedor dos Spurs invadiu o campo, “cobrou uma falta” e foi detido, em partida contra o West Ham.

 

Na Alemanha, o término do clássico Borussia Möenchengladbach x Colônia foi seguido de uma invasão de campo dos torcedores visitantes, que provocaram os locais, inclusive com sinalizadores. Foram tirados do campo à base de sopapos pelos rivais, ainda que a briga não tenha tomado grandes proporções. Ninguém ficou sem mando.

 

Pois é, dizem copiar o modelo desses países, tratado como infalível e incorruptível, mas o fato é que por lá também existem distúrbios. O que muda é a convivência mais realística com a inerente vontade humana de, às vezes, quebrar leis e convenções. A punição coletiva, pra eles, não é caminho.

 

Voltando ao Bocejão 2015, teremos metade do primeiro turno com boa parte dos melhores times sem capacidade de concentração. A seguir, como em quase todos os anos, vem um campeonato de seleções, no caso deste, e do próximo, a Copa América.

 

Enquanto ela se desenrola, o nosso mundo segue. Assim, quem tem jogadores selecionáveis, e com o recente afluxo de sul-americanos ao Brasil isso aumentou, os perde por uma quantidade de jogos inaceitável. Mais uma auto-sabotagem, afinal, investe-se num Aranguiz ou Guerrero para perdê-los um mês.

 

A seguir, a gloriosa janela europeia, que amarra muitos pés dos quais esperamos bom desempenho. Não construímos um modelo realmente forte e capaz de segurar seus atletas por tempo mínimo, regular os ímpetos de seus representantes/mercadores e tampouco capitulamos a hegemonia europeia. E assim temos mais um ponto minado do campeonato.

 

Vem o segundo turno e com ele uma overdose de rodadas. Pra pôr em dia o atraso de ter começado só em maio, agosto e setembro têm todas as quartas-feiras preenchidas, sequência extenuante, sob a qual raramente algum time mantém uma boa regularidade, tanto física como técnica. Isso ficou evidente nos últimos dois anos.

 

Setembro, outubro e novembro são carregados de datas FIFA, o que não afeta em nada nossa rotina. Tome mais meia dúzia de jogos sem alguns dos principais atletas. E ainda há as seleções sub-23, sub-20, sub-8 no meio disso, pra usarem as revelações que já integram o elenco de cima.

 

Reparem: em 4 participações no Campeonato Brasileiro, Neymar não superou as 30 partidas em nenhuma. É claro que isso explica os insucessos do Santos, que no período em que teve seu astro só conseguia brigar por taças que se resolviam até o fim do primeiro semestre. Os esforços do Peixe comprovaram algo triste: no Brasil, não vale a pena fazer mágica financeira pra manter um fora de série.

 

Pra completar, somos obrigados a conviver com o gosto e necessidades comerciais da dona da festa. Isto é, quem não tem Pay Per View não assiste necessariamente aos melhores jogos. O Brasil não conheceu o Cruzeiro bicampeão. Nem de longe as façanhas do time de Marcelo Oliveira pairam no imaginário coletivo de nosso futebol. Se não for Corinthians ou Flamengo e mais um ou outro, só o torcedor do próprio clube o vê.

 

Aliás, falando em imaginário, nenhuma edição dos pontos corridos ocupa lugar de destaque em nossas memórias. Só lembramos, de verdade, do que fizeram nossos próprios times. Confrontos épicos e inesquecíveis entre terceiros não existem desde 2002.

 

Haja anticlímax. De 38 rodadas, metade à meia bomba. É o pior pontos corridos do mundo.

 

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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania. Colabora com a webrádio Central 3, onde este texto foi publicado.


Twitter: @gabrimafaldino

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