Correio da Cidadania

Contra a direita e os retrocessos do governo Dilma, retomar a luta de resistência popular

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Estamos em um novo ciclo, marcado pelo esgotamento do modelo econômico e do “modo petista” de governabilidade, adotados pelo PT desde 2003, além da ofensiva das forças da direita e extrema-direita, que demandam o impeachment de Dilma Rousseff. O fato novo é que a atual ofensiva da direita não se limita mais a ataques retóricos, manobras parlamentares ou ações na esfera jurídico-política. A direita agora adota as ruas como arena de luta política, contando com o apoio da grande mídia.

 

As manifestações do dia 15 de março, sob uma ampla cobertura midiática que não fez nenhuma questão de aparentar neutralidade ou imparcialidade, mobilizaram centenas de milhares de pessoas nas principais cidades do país, ultrapassando em amplitude as manifestações convocadas pelas forças pró-governo, no dia 13 de março.

 

O impacto do dia 15 de março foi grande, suscitando um amplo debate sobre seu significado e a política a ser adotada diante da ofensiva da direita. Alguns setores da esquerda fazem uma análise que enfatiza uma polarização entre o golpismo da direita e a defesa da democracia, diante da qual não haveria uma terceira alternativa. Assim, segundo essa visão, caberia à esquerda e aos setores democráticos unirem-se na defesa da democracia, contra a direita golpista e em defesa do governo. Mas essa conclusão parte de pressupostos altamente questionáveis.

 

O fato de que a convocação e organização das manifestações tenham sido protagonizadas pela direita não permite afirmar que todos os manifestantes, ou mesmo a sua maioria, abraçam uma perspectiva de direita. Uma parte significativa das pessoas foi às ruas para protestar contra a corrupção e a política econômica do governo Dilma. A direita, com o apoio decisivo da grande mídia, procura canalizar a insatisfação popular para o seu projeto político.

 

Além disso, é preciso cuidado ao usar termos como “golpismo” ou “fascismo”. Lembremos que setores do PT adotaram essa retórica alarmista quando ocorreram as jornadas de junho de 2013, diante do sentimento antipartido que se manifestou em algumas ocasiões. A própria ideia de que estaria em curso uma “venezuelização” da política no país deve ser vista com cuidado, pois trata-se de duas realidades e conjunturas diferentes. Contudo, é possível que a direita, mais confiante após os resultados e o grande impacto de 15 de março, adote uma linha de convocar sucessivas manifestações, a exemplo dos seus colegas venezuelanos.

 

A força desses setores de direita e extrema-direita tem crescido na proporção direta do desgaste da base política e social do governo do PT. É o fracasso e o esgotamento da política petista de desenvolvimento e de governabilidade que permitiram o crescimento da direita. Sem falar no fato de que, em três sucessivos mandatos, o PT adotou políticas que não só beneficiaram o grande capital, mas acabaram por fortalecer a direita.

 

Nesse período, diante das pressões, ataques e chantagens da direita, tanto a oposicionista quanto a que participa do governo, o PT tem reagido, via de regra, com recuos e concessões. Fato, aliás, que estamos a presenciar novamente, após o 15 de março, com os indicativos de ampliação do espaço do PMDB no governo. O PT tornou-se refém e cúmplice da direita. Como diz o ditado popular, “quem semeia ventos, colhe tempestades”.

 

A crise do governo Dilma também evidencia o fracasso de sua política num ponto essencial: doze anos de governos do PT não lograram modificar a correlação de forças na sociedade. Isso teria exigido do governo uma disputa político-ideológica, incentivando a organização dos movimentos sociais e consolidando uma hegemonia política alicerçada em ideias e valores de esquerda. O que ocorreu foi o contrário. O PT no governo, desde o início, provocou o enfraquecimento e a pulverização dos movimentos sociais. Em vez de realizar a reforma agrária, fortaleceu o agronegócio, incorporando ao primeiro escalão do governo expoentes do setor mais reacionário do agronegócio, como a atual ministra Kátia Abreu. Sua política de desenvolvimento, baseada no incentivo ao consumo, fortaleceu valores e ideologias pró-mercado que, longe de enfraquecer o ideário neoliberal, contribuiu para fortalecê-lo. Assim, pode-se afirmar que o próprio PT no governo criou uma situação política favorável à direita.

 

Embora o conflito envolvendo a oposição de direita e o governo Dilma tenha bases reais, não podemos perder de vista o fato de que entre ambos existe muito em comum, apesar de suas diferenças e nuances. O governo de Dilma Rousseff, pisoteando as promessas feitas no segundo turno das eleições, adotou no início de seu segundo mandato uma política de ataques a direitos da classe trabalhadora, além de aprofundar a política econômica neoliberal. Ambos estão comprometidos com a defesa dos interesses capitalistas em detrimento dos interesses da classe trabalhadora e dos setores populares. Assim, o governo privilegia os mesmos interesses econômicos da direita, penalizando as camadas populares.

 

Essa é uma contradição de importância fundamental na conjuntura atual, à qual devemos prestar atenção. O segundo mandato de Dilma Rousseff, diante da crise econômica e política, já deu sinais inequívocos de que adotará o caminho da política de austeridade. Não há dúvida de que as consequências sociais dessa política serão graves, ampliando o desgaste político do governo federal. Neste aspecto reside o calcanhar de Aquiles da oposição de direita, pois ela está de acordo com as medidas de austeridade e de ataque aos direitos dos trabalhadores, o que significa que há um limite à sua capacidade de manipulação da insatisfação popular. Ao mesmo tempo, essa contradição aponta as possibilidades colocadas para a esquerda de intervir e disputar politicamente a insatisfação popular.

 

A necessidade da Frente Única

 

Portanto, não é possível aceitar a tese de que a principal tarefa posta à esquerda é a de defender o governo diante do golpismo da direita. Não estamos diante de um conflito entre um governo progressista que representa os interesses populares, de um lado, e as forças da reação de outro. A luta central que está posta para a classe trabalhadora e as forças de esquerda não é a de defesa de conquistas sociais e políticas diante de uma direita que busca solapá-las, mas. sim, a de defender seus direitos e interesses contra os interesses do capital, representados tanto pelo governo quanto pela oposição de direita. Isso não significa que subestimamos os riscos da direita ou que coloquemos um sinal de igual entre o governo do PT e as forças que organizaram o 15 de março.

 

Sabemos que o antipetismo desses setores traz embutido o ódio de classe e o ódio contra todas as forças de esquerda. E estaremos na linha de frente no combate a todos os ataques da direita. Mas isso não está condicionado a qualquer apoio ao governo Dilma, mesmo porque há representantes desses setores no governo federal. O PT, há algum tempo, ao priorizar a política de conciliação de classes, tornou-se incapaz de combater a direita de maneira consequente, mesmo a direita mais reacionária.

 

É claro que as forças de esquerda que se opõem às políticas do governo Dilma estão em uma situação difícil. Mas é possível e necessário que a esquerda socialista intervenha nesse processo com perfil e projeto próprios, canalizando a insatisfação e a revolta das massas para a luta independente pelos seus direitos, contra as políticas do governo Dilma e contra o projeto da direita.

 

Mas para tanto alguns requisitos são necessários. Primeiro: ter clareza de que o terreno principal da nossa luta não é o do parlamento, mas nas fábricas, bairros, escolas, junto aos diversos movimentos sociais.

 

Segundo: é preciso estabelecer uma agenda de lutas que priorize a defesa dos direitos e das bandeiras da classe trabalhadora, dos sem terra, sem teto e demais setores populares. Uma agenda capaz de unificar a classe trabalhadora e os movimentos sociais da cidade e do campo, capaz de galvanizar a revolta popular em torno de objetivos concretos.

 

Terceiro: buscar a unidade da esquerda e dos movimentos sociais de luta, capaz de impulsionar e garantir a amplitude de todas as lutas. Uma política de frente única em defesa dos interesses e direitos da classe trabalhadora não pode, entretanto, resumir-se a organizar grandes ações unitárias como manifestações, passeatas e atos. Tem de ser organizada na base da sociedade, envolver os trabalhadores nos seus locais de trabalho, nos bairros, nos assentamentos, quilombos, além dos estudantes dos colégios e universidades.

 

Finalmente, é necessário vincular as lutas econômicas e sociais contra a exploração e os ataques aos direitos com as lutas contra todas as formas de opressão, como o racismo, o sexismo e a lgtbfobia. Neste contexto, enfatizamos a luta em defesa das populações indígenas que hoje são vítimas de um brutal processo de etnocídio, extermínio e aniquilação, promovido pelo agronegócio, as grandes obras de infraestrutura do governo federal e os interesses das grandes mineradoras.

 

O panorama que discutimos reflete a nossa avaliação de momento. Não é possível prever os desdobramentos futuros, e podem ocorrer reviravoltas políticas que exijam mudanças na tática política. De qualquer maneira, podemos afirmar que, independentemente de qualquer coisa, o novo período da luta de classes torna urgente a intensificação do nosso trabalho político. É urgente intervir nas lutas sociais, travar um amplo debate político, fortalecer a nossa organização e nosso enraizamento nos locais de trabalho, bairros populares, colégios e universidades, e buscar superar a fragmentação e a divisão dos movimentos combativos.

 

 

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Givanildo M. da Silva, Hasan Zarif e Rui Polly são ativistas políticos.

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