Correio da Cidadania

Estados Unidos: a incerteza diante do radicalismo

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A momentânea expansão do Estado Islâmico do Iraque e do Levante pressiona os Estados Unidos a não omitir-se na abalada região médio-oriental. Todavia, Washington depara-se com uma dificuldade: qual instrumento da política externa a utilizar? Em que intensidade calibrar-se-ia o emprego da força ou da negociação?

 

A utilização maciça das forças armadas mostrou-se contraproducente na década anterior em parte dos territórios por onde circulam as milícias fundamentalistas. Em alguns momentos, a Casa Branca manteve mais de 150 mil efetivos em solo iraquiano e não desfrutou de êxito.

 

O fracasso da ferramenta castrense impulsionou em certa medida a formação do atual quadro político de lá. Por outro lado, os Estados Unidos não podem prescindir de seus contingentes, caso o cenário se intensifique a seus olhos, isto é, se ocorrer uma célere ampliação geográfica do integrismo sunita.

 

À primeira vista, a contenção seria a opção viável. Em um possível desenvolvimento positivo ao governo norte-americano, os aliados locais encarregar-se-iam de expulsar os adversários até por contar com auxílio material como armamentos, treinamento das tropas e informações de diversos tipos de satélite. Isto seria possível com Iraque e Turquia, porém não com Síria e Irã.

 

No caso sírio, a Casa Branca não apoiaria de maneira intensa o regime de Al-Assad. Ao mesmo tempo, não pode ela contar com os oponentes militarizados, denominados de Exército Livre da Síria, fragmentados em dezenas de grupos. Sua união materializa-se apenas na derrubada da ditadura, mas não em seu eventual desdobramento.

 

Do ponto de vista geográfico, estima-se que os fundamentalistas tenham o controle de 1/5 a 1/4 de terras do país, o que equivaleria ao território em mãos da multifacetada oposição. Ela não é em si composta de grupos majoritariamente seculares e democratas, de sorte que poderia haver interseção política com segmentos mais fundamentalistas.

 

Em termos populacionais, à medida que os sunitas radicais avançam, deslocamentos acontecem, especialmente de minorias como a de curdos. A ajuda humanitária internacional é imprescindível, mas a dificuldade de coordená-la se impõe.

 

Além do mais, desestimular os integristas via ataques aéreos contínuos não significaria a presença dos adversários de Al-Assad nas áreas desocupadas. Elas podem até mesmo permanecer pouco habitadas, em função da inexistência de infra-estrutura, principalmente do abastecimento de água e fornecimento de luz.

 

O movimento das peças é intrincado. No Iraque, xiitas lamuriavam-se de preterição na época de Saddam Hussein; nos dias correntes, os sunitas queixam-se da postura do governo. Na Síria, sunitas deploram ontem e hoje a gestão alauíta. Em ambos os países, os curdos lamentam em maior ou menor intensidade os impactos governamentais.

 

Chama a atenção que diante de tão profunda crise política Washington não cogite a necessidade de delinear um extenso plano de auxílio econômico e técnico, à moda do Plano Marshall durante a primeira fase da Guerra Fria.

 

Naquele período, isto foi válido para os norte-americanos para conter a ascensão do comunismo, não confrontos dispendiosos como os da Coréia ou do Vietnã. A própria experiência negativa com as duas longas guerras locais – Afeganistão e Iraque – já seria suficiente para uma necessária alteração da conduta.

 

 

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.


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