Correio da Cidadania

A juventude te entendeu, Plinião!

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É muito difícil explicar a vida deste militante que acaba de falecer. Plínio de Arruda Sampaio teve mais de 60 anos de vida pública. Com início da vida militante na Juventude Estudantil Católica, seu primeiro mandato foi em 1962. Ele foi relator do Plano de Reforma Agrária do governo Jango (um dos principais temores da direita que articulou o golpe civil-militar no país) e, com o mandato cassado nas primeiras listas, viveu exilado no Chile.

 

Começou então a trabalhar na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), lutando pela reforma agrária no país mapuche. Depois de sua transferência aos Estados Unidos, onde denunciou as atrocidades da ditadura brasileira com movimentos sociais, realizou missões em diversos países da América Latina e África como vice-diretor do Programa Cooperativo FAO-BID.

 

De volta ao Brasil em 1976, participou intensamente da fundação do Partido dos Trabalhadores. Foi deputado mais duas vezes, inclusive na Constituinte. No PT, lutou até o fim para que o partido não abandonasse seu compromisso com a transformação social profunda. Foi para o PSOL e saiu como candidato a governador de São Paulo em 2006.

 

Mas aos 80 anos, Plínio aceitou cumprir mais uma grande tarefa: ser candidato à presidência da República pelo PSOL. Não era um momento fácil para as propostas socialistas. Depois de dois mandatos de Lula, o petismo vivia sob uma estabilidade política tremenda e tinha como desafio eleger Dilma.

 

Os debates para a aceitação de Plínio como candidato do partido tampouco foram tranquilos. Entre apoiadores e não apoiadores de seu nome, havia um temor de que Plínio faria uma campanha de anticandidato e estreita politicamente.

 

Nos debates prévios de sua candidatura, um de seus argumentos marcantes sobre o papel a ser desempenhado pelo partido nas eleições burguesas era de que não poderíamos apresentar um programa de governo, e sim um programa de poder. Explicava ele que, além de apresentar uma interpretação distinta da realidade vista pelos discursos oficiais e mídias empresariais, deveríamos apresentar propostas que fossem capazes de gerar mobilização na sociedade. Em três trechos de seu discurso:

 

“A conscientização da população é fazer com que ela, através dos seus problemas imediatos, consiga ver as suas próprias tarefas”.

 

“A nossa diferença aqui é a interpretação do que fazer na conjuntura adversa. E qual é a maior adversidade da conjuntura? É a redução das aspirações populares depois de 20 anos de derrotas. Esse é o problema real. Nós diminuímos as nossas aspirações, demandas, reivindicações. Nós precisamos é aspirar essa geração”.

 

“Eu quero deixar muito claro que nós temos vocação de poder. Mas nós não temos vocação do exercício do poder da ordem. Nós temos vocação de poder para romper o poder da ordem e criar o poder popular. E isso tem que ser dito nessa eleição”.

 

E foi o que ele disse depois na campanha.

 

Mas vale a pena lembrar um pouco das condições desta campanha. Plínio, aos poucos, unificou o partido. Infelizmente, na ocasião, não se conseguiu estabelecer a Frente de Esquerda, mesmo com todo o esforço do próprio candidato, que colocava isso como um objetivo prioritário de sua candidatura.

 

Plínio estava rodeado de jovens em sua campanha. Era visível o susto dos profissionais das empresas de comunicação que o recebiam para entrevistas e debates, acompanhados de jovens vestidos fora do padrão dos assessores tradicionais.

 

Assim como era desafiador para a pequena equipe, tocou o dia-a-dia de sua campanha. Aquilo não o assustava e nem o desesperava. Mesmo com toda essa carga de história política nas costas, o velho tinha plena e constante consciência de que as condições dos socialistas nas disputas eleitorais, naquela conjuntura, eram exatamente estas. Acostumou-se, portanto, em ver que seus assessores de imprensa eram os mesmos que alimentavam seu site ou o ajudavam com sua gravata, seus fotógrafos eram os mesmos que dirigiam o carro para as atividades de campanha, seus produtores de vídeo eram os mesmos que ajudavam na prestação de contas e assim por diante.

 

A essas mesmas pessoas o candidato lhes pedia frequentemente opiniões, avaliações e orientações, indiferentemente de suas idades. Foi assim também nas viagens em que realizou pelo país ao ver a militância do PSOL tocando sua campanha. A cada conversa, Plínio em primeiro lugar ouvia. Sua grandeza não estava somente nas palavras ditas, mas também nas escutadas, de maneira igual com cada pessoa que encontrava.

 

Com 80 anos o incansável Plínio viajou por todo o país. Sentia a importância da juventude em cada uma das viagens. Certa vez, quase um ano antes da campanha se iniciar, Plínio fez uma conversa com um grupo de jovens sobre os mais variados temas programáticos. Perguntado sobre a legalização da maconha, afirmou não ter posição fechada sobre o assunto, mas disse ter a impressão de que esta política poderia trazer danos à sociedade. Ao perceber a inconformidade dos jovens com tal opinião, ele esboçou mais alguns argumentos e desistiu, ao afirmar: “quando um velho fica repetindo seus argumentos é porque ele não sabe o que está falando. O programa são vocês que vão formular”. Poucos meses depois, lá estava ele na televisão aberta, defendendo a legalização da maconha, a estatização da produção e o fim da guerra às drogas. A proposta, que hoje ganhou um pouco mais de espaço – inclusive por sua aprovação no Uruguai – na época chocou muito.

 

Sua postura diante da juventude e do conjunto do partido era exemplar. Não cansava de combater de maneira propositiva o personalismo que tanto reina nas organizações políticas de todos as matizes. Ensinava, a quem tentasse o colocar num pedestal, que era apenas um militante que estava com a função de porta-voz naquele momento. Por mais que a militância soubesse que Plínio era muito mais do que isso, esta parecia uma condicionante pessoal para aceitar tal desafio. Não se tratava, portanto, de uma prática pessoal admirável apenas, mas, sim, da defesa de uma concepção partidária em defesa da auto-organização da classe – que seria a responsável por apresentar propostas e tentar convencer mais e mais gente durante a campanha.

 

Com uma retórica extremamente pedagógica, Plínio conseguia transmitir suas mensagens em poucas palavras. Exerceu de maneira brilhante a arte de misturar radicalidade com simplicidade nas palavras, algo fundamental em tal conjuntura. Muitas vezes com uma simples metáfora conquistava plateias em segundos.

 

Sua experiência política e sua capacidade de síntese intimidava visivelmente outros(as) candidatos(as) nos debates televisivos. São inesquecíveis algumas passagens como os apelidos dados a Marina Silva de “ecocapitalista” ou “engolidora de sapos” (por ter permanecido no governo Lula mesmo diante de uma política ambiental catastrófica). Ou quando perguntou a Dilma se ela viveria com o salario mínimo que tanto reivindicava. E também quando escanteava José Serra dos debates ao dizer que ele era pelos empresários e latifundiários e ponto.

 

A mídia burguesa bem que tentou transformá-lo em uma caricatura, um velho desbocado e descompromissado. Mas Plínio afirmou pra quem quisesse ouvir que ele falava para aqueles que pensam no futuro, em especial a juventude. Dizia insistentemente que havia uma suposta realidade de estabilidade na superfície, mas que abaixo dela estavam as mazelas do povo pobre brasileiro.

 

Depois de junho de 2013, quando milhares de pessoas – principalmente jovens – saíram às ruas nas manifestações por mais direitos sociais, ficou mais evidente ainda o que Plínio dizia em 2010. Para sua alegria, conseguiu inclusive comparecer em algumas manifestações. O tal “muro” que separa o povo pobre de suas aspirações, como dizia, ainda não foi derrubado. Mas Plínio partiu tendo a certeza de que muitos entenderam a centralidade do problema da desigualdade social no Brasil.

 

Afirmar que seus ensinamentos permanecem vivos não deve servir apenas para homenageá-lo. É possível ver nesta geração de jovens, que se engaja politicamente cada vez mais, uma simetria com que afirmava e fazia Plínio. Ao dizer que era necessário resgatar as ideia socialistas, ele estava justamente apostando que também a esquerda se renovasse.

 

Havia uma crítica muito singela à militância de esquerda que se curvou e deixou de lutar por um projeto de transformação social, seja pela rendição às regras da luta institucional, seja pela dependência das lutas corporativas deslocadas de um projeto totalizante.

 

Nas ruas, percebe-se o quão prejudicial é a fragmentação da esquerda combativa. Sua luta para superar tais dificuldades são muito semelhantes com a angústia desta nova geração em luta, que nega a organização partidária por enxergá-la como agrupamentos que defendem seus próprios interesses acima das lutas coletivas.

 

Sua postura paciente e serena, mais do que uma característica pessoal, transmite à juventude – cada vez mais imediatista – uma noção mais adequada do tempo histórico necessário a ser incorporado para as transformações radicais da sociedade. Sua retórica pedagógica e radical destrói com os mitos criados por organizações vanguardistas e resgata a importância da disputa ampla da sociedade.

 

As lutas contra o personalismo, contra a substituição do “representante” pelos “representados”, contra o discurso de que vivemos uma democracia maravilhosa, foram levantadas por Plínio em 2010 e são sentimentos expressos por boa parte da juventude que se apresentou nas manifestações de 2013.

 

Plínio fez uma linda campanha por isso. E não conseguiria fazer sem sua companheira Marietta, seus filhos e seus netos a quem tanto expressava amor. Hoje, podemos dizer que a juventude entendeu o que Plínio lhes transmitiu. E cada vez mais assume as lutas que ele travou durante a vida como suas lutas também. Como citou em um discurso de maneira emocionada e muito lúcida: “o que dá sentido à vida, dá sentido à morte”.

 

 

Fábio Nassif é jornalista.

Comentários   

0 #1 RE: A juventude te entendeu, Plinião!valter sena 17-07-2014 21:59
por que voces acha que aconteceu o junho de 2013
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