Correio da Cidadania

Mais uma pedra no sapato

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Não bastasse Chávez, Kirchner e Evo Morales, surge mais um presidente latino-americano atormentando George Bush. E o que é pior, com qualidades inquietantes que o fazem difícil de ser desmoralizado. De fato, Rafael Correa, o novo presidente do Equador, é um político de formação cristã, com cursos superiores de economia na Universidade Católica de Leuven (Bélgica) e na Universidade de Illinois, ligações com os movimentos sociais católicos e experiência administrativa no anterior governo, como ministro da Economia.

 

Explicando por que se demitiu desse cargo, ele diz: “Tentei mudar radicalmente a política econômica, porque os últimos vinte anos de neoliberalismo foram um verdadeiro desastre. Para defender os seus privilégios, os bancos, os donos do petróleo, os Estados Unidos, o FMI, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento fizeram pressão sobre o presidente. Perdi seu apoio”.

 

Em 2006, ele se candidatou a ser o 8º presidente do Equador da década. Os 4 últimos ocupantes do cargo haviam governado sob o fogo de gigantescas manifestações populares.

 

Em 2000, Jamil Mauad quis tirar o país de uma crise terrível (crescimento negativo de 7,3% e inflação de 52%) através de um plano de austeridade, elaborado por economistas argentinos neoliberais, que dolarizava a economia e congelava as poupanças. Uma greve geral, seguida de passeatas e fechamento de estradas, com vasta participação dos índios – os setores mais pobres –, o derrubou.

 

Seu sucessor, o vice, Gustavo Noboa, conseguiu um empréstimo de urgência de 300 milhões de dólares do FMI. Pagou um preço alto: medidas como a oficialização da dolarização que arruinou centenas de milhares de poupadores e aposentados, o fim dos subsídios aos produtos básicos que levou seus preços nas alturas, a “flexibilização” das leis trabalhistas e muitas privatizações.

 

Noboa completou seu período agitado por intensas manifestações de protesto. Eleito presidente em 2002, o coronel esquerdista Lúcio Gutierrez deparou-se com um déficit e uma dívida externa apavorantes. Preferiu a saída mais fácil: a tutela do FMI e do Banco Mundial. Com isso, o receituário neoliberal continuou sendo aplicado fielmente. Gutierrez chegou a se declarar “o melhor amigo de Bush na América Latina”.

 

Mais uma vez, multidões de índios, camponeses, operários e estudantes tomaram estradas, aldeias e invadiram as ruas de Quito. Gutierrez acabou destituído pelo Congresso em 2005.

 

Assumiu seu vice, Alfredo Palácio, que continuou alinhado aos organismos financeiros internacionais. A negociação de um tratado de livre comércio com os Estados Unidos, o TLC, detonou forte reação popular, particularmente dos índios (45% da população, para a UNESCO). Temiam que o TLC destruísse a agricultura do país. Organizados na “Confederação das Nacionalidades Indígenas”, eles pararam o Equador com seu grito de guerra “Não Queremos Ser Colônia Americana”. Palácio teve de governar sob estado de emergência, entregando o poder ao novo presidente eleito, Rafael Correa, em janeiro de 2007.

 

Correa encontrou um país que, apesar das boas rendas propiciadas pelo petróleo (é o 5º produtor da América Latina), exibia estatísticas péssimas: 38% de pobreza, sendo 61% na área rural que tinha 27% de indigentes; 10,7% de desemprego; subemprego de 47%; rendimento dos 10% mais ricos 60 vezes maior do que o dos 10% mais pobres; crescimento de 3,2%; dívida externa de 10 bilhões de dólares, cerca de 25% do PIB.

 

Para alterar este quadro sombrio, as idéias de Correa são muito claras: “O neoliberalismo está mais que superado na teoria e na prática. Os países que têm sucesso são os que desenvolvem sua produção interna e o emprego. Precisamos de uma maior intervenção do Estado na economia, no fomento e proteção da produção nacional, e priorizar o investimento social sobre o pagamento da dívida externa".

 

Fiel a estes princípios, Correa pretende renegociar os pagamentos da dívida externa, revendo todos os contratos feitos pelo governo a partir de 1976 para descartar os ilegais.

 

Os rendimentos do petróleo, principal riqueza nacional (representa 40% do orçamento), desde a entrada do FMI, eram reservados para o reembolso da dívida. Correa afirma que esta exclusividade acabou, pois sua prioridade é outra: pagar a dívida social ao povo equatoriano.  

 

Ele quer também rever a participação do Estado na indústria petrolífera, pois, segundo diz, “não podemos permitir que, de cada cinco barris produzidos, as multinacionais fiquem com quatro e deixem apenas um para nós”.

 

A reforma agrária, com desapropriação das terras improdutivas, é outra prioridade. Assim como o desemprego. Em 17 de abril, Correa lançou um plano de assistência social que deverá criar 300 mil empregos nos próximos 3 anos. Na ocasião, ele criticou "os economistas que se preocupam pelo desmedido controle da inflação e deixam de lado as taxas de desemprego e subemprego”.

 

Remando em sentido contrário, Correa projeta estimular a industrialização, contando com as rendas aumentadas pela renegociação da participação estatal nos lucros das empresas de minérios e de petróleo e o apoio do seu aliado Chávez. Já estão previstas a ampliação e modernização de refinarias equatorianas com investimento venezuelano e a criação de empresas mistas de hidrocarburetos.

 

O presidente equatoriano confia muito na ação do futuro Banco do Sul, que seria criado por governos da América Latina. Ele lembra que os países da região têm 200 bilhões de dólares depositados em bancos estrangeiros, que poderiam constituir o capital do banco. Suficiente para apoiar países em crise e investir em projetos de desenvolvimento, “o que servirá para deixarmos de depender de burocracias internacionais nefastas, como o FMI e o Banco Mundial”.

 

Todas estas idéias bastariam para o governo Bush definir Correa como uma “ovelha negra”. Mas ele não ficou nisso.

 

Declarou-se contra o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, gestado durante o governo Palácio. Contra a renovação, em 2009, da cessão da base militar de Manta ao governo americano. E, solicitado a comentar o fato de o presidente Chávez chamar George Bush de diabo, respondeu: “Seria ofender o diabo. Bush tem feito grandes danos ao mundo”.

 

Mesmo assim, Correa assegura que deseja ter as melhores relações com seu vizinho do norte. Mas em outros termos, é claro.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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