Correio da Cidadania

Sonegação global

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A presidente Dilma participou pela primeira vez, na terceira semana de janeiro, do Fórum Econômico Mundial, em Davos.

 

Assim como existe retiro espiritual, o evento sediado na Suíça equivale a um retiro pecuniário. Ali se reúnem os donos do mundo. Entre os quais 85 pessoas que, juntas, acumulam uma fortuna de US$ 1,7 trilhão – o mesmo valor que possuem 3,5 bilhões de pessoas, a metade da população do planeta.

 

Este dado acima foi divulgado, em janeiro, pela organização britânica Oxfam. Ela alerta ainda que, em 2013, o número global de desempregados atingiu a cifra de 202 milhões! Em decorrência da acumulação privada da riqueza, as bases da democracia estão sendo minadas.

 

O fim da Guerra Fria atenuou a tensão entre o Leste e o Oeste do mundo. No entanto, a desigualdade social crescente agrava a disparidade entre o Norte e o Sul.

 

Segundo Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, o PIB dos países ricos está encolhendo. O da Grécia sofreu uma redução de 25% desde 2008. O do Brasil ficou em torno de 2% em 2013.

 

Nos EUA, segundo Stiglitz, 95% dos ganhos na economia se concentram em mãos de 1% da população, os que ocupam o topo de pirâmide social. Ele conclui: “Mesmo antes da recessão, o capitalismo ao estilo americano não estava funcionando para uma grande parte da população”. A renda média do cidadão estadunidense é, hoje, inferior à renda média de 40 anos atrás...

 

Ao contrário do esperado, nos últimos anos, as políticas impostas pelos donos do poder só agravaram a desigualdade social, devido a fatores como desregulamentação financeira; ampliação dos paraísos fiscais e do sigilo bancário (o narcotráfico agradece!); práticas comerciais anti-concorrenciais; impostos menores para os rendimentos mais elevados; e redução de investimentos em serviços públicos. Desde o inicio da década de 1980, dos 30 países pesquisados pela Oxfam, em 29 os ricos pagam cada vez menos impostos.

 

E o governo do PT, quando fará a reforma tributária tão alardeada em seus documentos e discursos originários?

 

Estima-se que os paraísos fiscais guardam, livres dos olhos e da boca do Leão, US$ 21 trilhões! Na Índia, como no Brasil, o número de bilionários aumentou 10 vezes na última década, graças a uma estrutura tributária fortemente regressiva.

 

Na Europa, a crise financeira impôs austeridade às classes média e pobre, enquanto os governos socorrem com recursos públicos empresas e instituições financeiras em dificuldades. (No Brasil, a galinha dos ovos de ouro se chama BNDES).

 

A miséria e a pobreza que afetam 4 bilhões de seres humanos – para os quais o capitalismo fracassou – advêm de várias causas, entre as quais destacam-se a imunidade e a impunidade do crime de sonegação fiscal.

 

A riqueza financeira líquida global (exceto imóveis) é calculada em US$ 94,7 trilhões (Dado de 2012). Dos quais US$ 18,5 trilhões se encontram estocados em paraísos fiscais. Se essa fortuna avarenta pagasse impostos, os cofres públicos recolheriam US$ 156 bilhões, o suficiente para erradicar duas vezes a pobreza extrema no mundo.

 

O documento “The Price of Offshore Revisited”, de James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey, revela que os bilionários brasileiros acumulavam em paraísos fiscais, até 2010, US$ 520 bilhões (cerca de R$ 1,3 trilhão).

 

A Oxfam propôs em Davos algumas medidas: 1) Tributação progressiva. Quem ganha mais, paga mais impostos. 2) Fim do financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas (tomara que o STF ouça o apelo!). 3) Transparência de todos os investimentos públicos em empresas e fundos de pensão. 4) Priorizar os recursos públicos para saúde, educação e seguridade social. 5) Salários compatíveis com as necessidades vitais dos trabalhadores. 6) Acabar com a pobreza extrema no mundo até 2030 (sobrevivem na pobreza extrema todos que possuem uma renda diária inferior a US$ 1,25 = R$ 2,95).

 

Prevê-se que em 2030 estarão na pobreza extrema 342 milhões de pessoas. Hoje, são pouco mais de 1 bilhão. A redução se explica pelo aumento de recursos dos governos em políticas sociais. No entanto, não se mexe uma vírgula na estrutura capitalista que produz pobreza extrema e agrava a desigualdade social.

 

Duvido que os donos do mundo reunidos em Davos darão ouvidos a apelos como o da Oxfam. Walt Disney, catequista do capitalismo, retratou bem na figura de Tio Patinhas a idolatria da fortuna. Ela inebria e escraviza seus devotos. O fetiche do dinheiro cega quem o possui, embora haja exceções.

 

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

 

Website: http://www.freibetto.org/

Twitter:@freibetto

 

Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.gmail.com)

 

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