Correio da Cidadania

Um ano alvissareiro, para todos os gostos

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Menina dos olhos da globalização que vive grande crise econômica, o Brasil, após muita espera, entra em um de seus anos mais emblemáticos. Na conclusão do terceiro mandato presidencial petista, o país volta a receber a Copa do Mundo, depois de 64 anos do Maracanazo uruguaio, além de passar por eleições gerais e “brindar” o cinquentenário do golpe de Estado que consolidou nossas atuais estruturas sociais.

 

Ao lado disso, temos a certeza de um ano ainda mais efervescente nas mobilizações e protestos que eclodiram na Copa das Confederações e proporcionaram o histórico junho de 2013.

 

Futebol nacional

 

Como vimos dizendo, o futebol brasileiro encontra-se estagnado em seu cenário doméstico, dominado pelas mesmas relações de poder entre clubes e as inúteis federações, com a interferência do oportunismo político e econômico de sempre. Mantêm-se os obesos estaduais, num calendário na contramão do resto do mundo.

 

Um descompasso que atrapalha os clubes desde o princípio. Obrigam-se todos a uma ridícula pré-temporada de 10 dias, quando são necessários 30 ou 40. É assim na Europa e no resto da América, onde a carga de treinos após esse período inicial é muito inferior à brasileira, na qual os departamentos médicos precisam passar o ano fazendo milagres para manterem seus times em condições físicas mínimas.

 

Não à toa, jogadores mais veteranos, com experiência no velho continente, articularam a fundação do Bom Senso Futebol Clube, movimento que reúne praticamente 1000 jogadores das duas primeiras divisões.

 

Assim como os diversos governos, em relação aos protestos de junho, as respostas da cartolagem nacional são as mais pífias. Em ambos os casos, tentam seguir suas agendinhas medíocres como se nada estivesse acontecendo para além dos muros palacianos. Com isso, caso 2014 não venha acompanhado do mínimo de respostas, é possível que os futebolistas façam uma greve, o que seria inédito no Brasil.

 

Como se pode imaginar, a CBF sob comando de José Maria Marin é uma cópia fiel da entidade dirigida 23 anos por Ricardo Teixeira. E nem mesmo as eleições deste ano são animadoras. De um lado, Marco Polo del Nero, mais um filhotinho da ditadura incrustado no futebol, responsável pelos piores campeonatos paulistas em mais de 100 anos. Mas bom de coisas que não podemos sondar. De outro, Andrés Sanchez, membro de uma “nova geração” de dirigentes, “bem cercado” politicamente, um dos responsáveis pela reabilitação do Corinthians pós-2007 e a construção do Itaquerão. Porém, de estirpe e práticas absolutamente similares, talvez apenas um pouco mais atualizadas em relação à atual conjuntura.

 

Num ano no qual haverá a interrupção de 45 dias por conta da Copa, a redução de 4 jogos é muito insuficiente. Se 2013 foi ruim, a tendência é de um 2014 até pior, com a estafa técnica e física dos atletas saltando aos olhos.

 

O passivo de 2013

 

Ademais, a sombra do mais profundo descrédito voltou a pairar. Na realidade, não sabemos como será o Campeonato Brasileiro, visto que o Fluminense voltou a incorrer em virada de mesa e, num grotesco conluio com a justiça desportiva, assaltou o lugar da Portuguesa na Série A.

 

O clube da zona norte paulistana irá recorrer à justiça comum e, assim como em 2000, quando o Botafogo tentou tapetar o Gama (DF) para ficar na primeira, tudo pode ser melado. Dessa forma, já se pressupõe na surdina um campeonato com mais times e uma nova fórmula. Talvez, com menos jogos que os atuais 38 do formato em pontos corridos, o que poderia atenuar os problemas do calendário pelas linhas mais tortas possíveis.

 

Lamentavelmente, a coletividade unida em torno do Fluminense Football Club aderiu e festejou o golpe. Inclusive, aquele setor da torcida que se considera pensante passou a ignorar o que são CBF e STJD, dizendo-se vítima de perseguição midiática, ainda que os donos dos direitos televisivos tenham suavizado e naturalizado a evidente virada de mesa. São inúmeros e vergonhosos os indícios de vício de interesses no julgamento do caso, que, insistimos, começou na negativa do recurso do Vasco, o que complicaria a vida do Flamengo. Mas fosse o Criciúma na jogada... Poderíamos ter dois coelhos numa cajadada só.

 

Estamos falando de duas entidades extremamente viciadas e indignas de qualquer confiabilidade, com garotinhos em idade universitária indicados à corte pelos poderosos mentores, já bem posicionados no “mercado” judiciário. Testemunhamos, nem mais nem menos, a mesma canalhada elitista que parecia enterrada, na qual o poder econômico e as conexões político-sociais prevalecem. E tchau.

 

É ano de eleição na CBF e, neste democrático futebol, só os 20 clubes da Série A, e as 27 federações estaduais, podem votar.

 

No mais, a postura do relator do caso, Paulo Schmitt, dispensava o advogado do tricolor das Laranjeiras, agora alvo de rancor generalizado, visto ter um impressionante histórico neste rubro dos tapetões (ou “privilégios de classe”). Todos sabem que o tribunal esportivo é uma “panelinha” dominada por conservadores ligados à elite carioca, confessadamente torcedores dos clubes locais. Em resumo, os merituosos juristas da zona sul carioca decidiram em favor do “time do bairro”. E querem falar de “legalidade”...

 

No entanto, a maior parte da mídia deixará os temas políticos num segundo plano, uma vez que o bombardeio publicitário da Copa dominará o primeiro semestre, com campanhas calcadas no esporte e na festa em praticamente todos os comerciais e linhas editoriais.

 

Copa do Mundo

 

Após sete anos de espera, a Copa do Mundo desembarcará no Brasil. Ao lado dela, muita euforia, apesar de tais sentimentos não se apoiarem em seu significado esportivo.

 

Como legado, teremos novas e caras arenas, construídas sob o suor de sacrificados operários, a custos já debatidos. Resta torcer por uma fase final de obras sem acidentes e mortes. Depois, conviveremos com uma nova concepção de “fruição do espetáculo”, já descrita por diversos críticos do novo modelo de gestão esportiva. E a herança de muitas famílias despejadas de suas áreas, em favor de novos empreendimentos, viários e imobiliários.

 

A movimentação social tende a ser mais intensa, a ponto de o movimento popular de rechaço à FIFA e às articulações em torno dos megaeventos entrar no novo ano sob o mote “não vai ter Copa”.

 

Logo em janeiro, começaremos a conferir tais protestos e seu alcance. A princípio, parece difícil atingirem um ponto de ebulição que impeça o Mundial, até pelo fato de diversas obras, gastos e sequelas já estarem consumados. Além disso, é previsível um aparato estatal ainda mais poderoso na garantia de sua realização.

 

De toda forma, será a Copa mais cercada de contestação na história, impressionante para a coletividade internacional, que jamais esperava ver o chamado país do futebol se colocar de manifesto exatamente quando se aproxima o momento das maiores competições esportivas. Violência, prisões e festas conviverão simultaneamente, o que não deixa de ser uma síntese do cotidiano brasileiro.

 

E o “país olímpico?”

 

Enquanto isso, continuamos carecendo de políticas esportivas amplas, com vistas à formação desportiva e cidadã, um princípio elementar para qualquer país que sedia uma Olimpíada e pretende, ao menos no discurso, subir alguns degraus nas modalidades menos populares.

 

2013 se encerrou com um brilhante título mundial da seleção feminina de handebol, praticamente despercebido. No mais, tais modalidades seguem ocupando o espaço que sempre lhes foi reservado, dependente de exceções individuais.

 

Prova disso é a ameaça de o ginasta Arthur Zanetti (medalha de ouro em Londres) adquirir nacionalidade de outro país, a fim de obter melhores condições de treino. Outro aspecto contraditório é a vontade da concessionária do Maracanã de demolir o parque aquático e o complexo de atletismo que compõem a estrutura do ex-estádio público.

 

Viveremos para ver.

 

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

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