Correio da Cidadania

Estados Unidos e Brasil: o arrufo digital de 2013

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2013 não foi um ano positivamente memorável no relacionamento amero-brasileiro. Com a persistência da crise econômica mundial, os ânimos políticos locais inclinam a exaltar-se. Por vezes, isso se reflete de maneira inadequada na execução da política externa, transformada em válvula de escape das frustrações internas.

 

Por escalas e origens diferenciadas, ambos compartilham problemas comuns de monta há anos: desenvolvimento econômico insuficiente, estagnação social e perda de prestígio externo, a despeito da maciça retórica governamental.

 

No caso brasileiro, o país não consegue destacar-se entre os membros do acrônimo BRICS, nem entre os da América Latina, especialmente no instável Mercosul; no norte-americano, ele se desgasta diante dos filiados de dois grandes condomínios econômicos: o transatlântico, via União Européia, e o transpacífico, através da aproximação da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC).

 

O ponto de maior atrito entre Brasil e Estados Unidos foi a denúncia relativa à constante bisbilhotice praticada por este com a comunidade internacional. Materializada a informação por um ex-funcionário de uma prestadora de serviço da Agência Nacional de Segurança, hoje asilado temporariamente na Rússia, ela teve repercussão ampla e deslustrou ainda mais a imagem norte-americana.

 

Como contraponto, a Casa Branca determinou a revisão da política de espionagem cibernética por uma comissão de especialistas debruçada sobre a questão durante quatro meses. Acuado, Washington minimiza a todo momento as afirmações de monitoramento indevido, ao ponderar que o objetivo das ações é direcionado a obstruir o terrorismo, não imiscuir-se potencialmente na vida dos cidadãos de todo o planeta.

 

Todavia, o modo de ver presidencial não foi compartilhado sequer por parlamentares do seu partido, como foi o caso do experiente Ron Wyden, da Comissão de Espionagem do Senado, ao comentar com alentada preocupação o teor dos documentos reservados que haviam sido analisados por ele em julho último.

 

A posição de insatisfação do Planalto foi correta, embora a manifestação não tenha preocupado muito a Casa Branca. Em setembro, a presidente Dilma Rousseff cancelou seu encontro com Barack Obama e queixou-se da postura estadunidense durante o discurso de abertura da sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas.

 

No mês seguinte, a lamúria da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, ressoou mais que a do Brasil, ao desembocar em um pedido de desculpas por parte dos Estados Unidos.

 

O desconforto de Brasília com a situação levou o governo a anunciar que iria desenvolver uma rede própria, com serviço de correio eletrônico. Indo além, Bruxelas, sede da União Européia, cogitou revogar acordos de cooperação de compartilhamento de dados com Washington.

 

Aos olhos norte-americanos, o receio maior é o da fragmentação do tráfico digital – a ‘balcanização’ dos fluxos –, observada à distância com contido entusiasmo por países como China e Rússia, eventualmente justificada caso invoquem a necessidade de segurança nacional na formulação de um sistema particular.

 

Tais medidas dificultariam a consulta dos dados dos fluxos digitais, haja vista que eles circulam através de servidores norte-americanos. Outrossim, legislações nacionais futuras poderiam punir de maneira mais severa filiais de empresas estadunidenses, notadamente as vinculadas a sítios de busca ou de redes sociais.

 

Na prática, a discordância brasileira com o comportamento norte-americano não irá além do retórico. O protesto teve como alvo imediato o público interno, em função do processo sucessório de 2014, não o aliado externo. Se o desconforto fosse maior, o representante do país junto à Casa Branca poderia ter sido convocado, por exemplo.

 

Os dois têm uma larga pauta comercial, por meio da qual se entrelaçam interesses no longo prazo, principalmente no lado brasileiro. O avanço recente rumo à abertura maior nas negociações da Organização Mundial de Comércio simboliza a parceria.

 

Além disso, interessa ao Brasil incrementar o relacionamento em segmentos como turismo, em função da realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e mesmo militar, em face da possível aquisição de caças para a aeronáutica.

 

Desta maneira, o descontentamento público do governo com o monitoramento clandestino de dados por norte-americanos logo se esvairá.

 

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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