Correio da Cidadania

Os EUA na iminência de desobedecerem Israel

0
0
0
s2sdefault

 

 

No dia 8 de novembro, em Genebra, representantes dos EUA e do Irã concluíram o rascunho de um acordo provisório para a questão nuclear.

 

Teerã suspenderia todas as atividades de enriquecimento de urânio e permitiria as mais rígidas fiscalizações durante seis meses, em troca de modesto alívio nas sanções. O Ocidente estaria garantido: em caso de violações iranianas, era só reativar as sanções.

 

Nesse período de seis meses, as partes discutiriam de forma ampla todas as questões pendentes, até chegarem a um consenso.

 

Em 9 de novembro, convocado para analisar as conclusões das reuniões, John Kerry, secretário de Estado dos EUA, chegou, viu e gostou.

 

A proposta estava pronta para ser apresentada aos demais membros do P5+1 (China, Rússia, França, Alemanha, Reino Unido e EUA), que discutiam a questão nuclear com o Irã.

 

Mas, antes disso, Laurent Fabius, ministro do Exterior francês, desembarcou em Genebra, contestando o que fora tratado.

 

Sem demora, fechou-se com Kerry num quarto de hotel. E melou tudo. Convenceu o secretário de Estado norte-americano de que o documento final não poderia afirmar o direito iraniano ao enriquecimento do urânio para uso pacífico.

 

Além disso, o Irã teria de interromper a construção de um reator nuclear de água pesada, em Arak, capaz de produzir plutônio, matéria-prima de bombas nucleares.

 

Anteriormente, os representantes norte-americanos já haviam levantado esse ponto para os iranianos.

 

A resposta foi que Arak teria de ser concluído por ser essencial à produção de isótopos para uso em medicina, agricultura e outras pesquisas.

 

No entanto, a exigência francesa era irrelevante, conforme assinalou o The Guardian em editorial, em 12 de novembro: “Arak demora pelo menos mais um ano para ser concluído, enquanto o objetivo do acordo de Genebra é ganhar tempo para negociações posteriores acontecerem no prazo de seis meses”.

 

Quanto ao direito do Irã de enriquecer urânio para fins pacíficos, ele é garantido pelo próprio Tratado de Não – Proliferação Nuclear, assinado até pelos EUA.

 

Por que a França teria sabotado um acordo que ensejaria a solução de um gravíssimo problema que preocupava o mundo?

 

E o que teria levado Kerry a uma posição ambígua: inicialmente favorável à paz com Irã (depois de anos de ameaças do seu governo), para, em seguida, ceder aos discutíveis argumentos de Laurent Fabius?

 

As possíveis razões da postura francesa seriam: medo da agressividade israelense, interesses econômicos e a linha política do governo atual.

 

Na véspera da sessão final das negociações de Genebra, Fabius recebeu um telefonema do parlamentar Meyer Habib.

 

Trata-se de um grande amigo do premier Bibi Netanyahu, eleito pelos franceses de Israel, país cujos interesses defende.

 

Habib advertiu Fabius de que Bibi atacaria o Irã, caso fosse aprovado um acordo parcial, retirando sanções, ainda que de forma mínima.

 

Estava absolutamente certo disso. Não seria nada conveniente para Paris. Numa guerra com o Irã, o preço da gasolina iria para o céu, deixando muito mal a França, com sua economia já enfraquecida por persistente recessão.

 

A chantagem pode ter funcionado, pois Fabius, mesmo antes do início da reunião decisiva entre o P5+1 e o Irã, declarou à rádio francesa Inter: “É necessário levar totalmente em conta as preocupações com segurança de Israel e da região”.

 

Lembre-se também que a ação da França certamente agradou à Arábia Saudita, inimiga do Irã e no momento indignada com os EUA por buscarem a paz na questão nuclear.

 

Ainda em agosto, os franceses fecharam com os sauditas um negócio de 34 bilhões de dólares em defesa. E há esperanças de, explorando os arrufos entre Washington e Riad, vir a substituir os EUA como principais fornecedores de armamentos à Arábia Saudita e demais monarquias do Golfo.

 

Finalmente, é preciso considerar que, apesar de socialista, o governo Hollande tem se distinguido por um incontido ardor por aventuras militares.

 

Haja vista a sua participação destacada nas guerras da Líbia e do Mali; na defesa do fornecimento de armas aos rebeldes sírios e do bombardeio de Damasco, por suposto envolvimento em ataques químicos; na dureza com que vem tratando o Irã nos vários desdobramentos da questão nuclear.

 

Sem falar no seu comportamento, impróprio num governo socialista, de apoio ao rei do Marrocos, especialmente para evitar um referendo no Saara Ocidental, ocupado manu militari, contra a vontade do seu povo oprimido.

 

Em todos esses países, a França agiu contra governos ou facções que, bem ou mal, representavam interesses ligados à emancipação nacional.

 

Mas... Como explicar o vai e vem de John Kerry e dos EUA? Poderíamos ousar dizer que o governo Obama começa a sentir a necessidade de dizer “não” a Israel.

 

Até agora, os EUA sempre apoiaram Tel-aviv em causas justas ou injustas. Quase sempre injustas, na verdade. O governo Netanyahu representa a mais reacionária e direitista coalizão que já governou Israel.

 

No seu afã de apoiar seu aliado especial, Obama retirou-se da UNESCO, quando a Palestina foi aceita como membro; bloqueou a aprovação desse país como membro integral da ONU; em favor de Israel, vetou 42 vezes sanções ou condenações da ONU relativas à construção de assentamentos e violências do exército israelense contra palestinos; bloqueou inquéritos sobre os crimes israelenses nos ataques a Gaza, na abordagem da “Flotilha da Liberdade” e nos bombardeios do Líbano; forneceu armamentos para as duas invasões do Líbano, entre outros bons serviços.

 

Além disso, Israel é o maior beneficiário mundial da ajuda militar norte-americana, recebendo anualmente 3 bilhões de dólares em armamentos.

 

Mas não é tudo: nas questões da Palestina e do Irã, Obama tem até agora seguido a política internacional de Israel, mesmo contra os interesses dos EUA.

 

Apesar de declarar os assentamentos ilegais, o governo estadunidense não tomou nenhuma atitude para coibir sua implantação.

 

Apesar de se declarar favorável à independência da Palestina, de concreto, por enquanto, só agiu contra ela ao bloquear seu reconhecimento pela ONU.

 

Diz que um Estado palestino só sairá a partir de negociações com Tel-aviv. Por isso mesmo, Obama forçou os palestinos a renunciarem ao congelamento dos assentamentos como pré-condição para o início das negociações. Que, aliás, vão muito mal, com Netanyahu insistindo em promover continuamente novos lotes dos ilegais assentamentos.

 

A submissão da política externa norte-americana a Israel tem estimulado o anti- americanismo no mundo islâmico. E a adesão de jovens às fileiras da al-Qaeda e similares.

 

Na questão do Irã, Washington até agora vem agindo assim, com consequências do mesmo tipo.

 

Os israelenses exigem que o programa nuclear iraniano seja desmantelado pois seu objetivo seria produzir bombas atômicas, ameaçando a segurança de Israel.

 

Para forçar os aiatolás a desistirem, os EUA e sua fiel Europa aplicaram sanções destruidoras, que já duram sete anos.

 

O povo e a economia iranianos ficaram em péssimos lençóis, mas o país não se entregou.

 

Visto isso, há dois ou três anos, o primeiro-ministro israelense começou a advertir que a bomba nuclear iraniana estaria pronta em 6 meses...

 

Portanto, o jeito era bombardear já. O que Israel acabaria fazendo, caso a comunidade internacional não descruzasse os braços.

 

Ninguém topou a solução guerreira, nem mesmo Obama que, para acalmar o furioso Netanyahu, entoou o já velho e agressivo refrão do “todas as opções estão sobre a mesa”.

 

Muitos seis meses depois, as advertências e ameaças continuaram pipocando até que algo mudou: a eleição do moderado Rouhani.

 

Aí, deu no que deu. A má vontade com o Irã virou boa vontade. Ao mesmo tempo aterrado e enfurecido, Netanyahu elevou o tom de sua voz, até ficar ensurdecedor.

 

Chamou às armas seu fiel exército de marionetes, os congressistas norte-americanos. Bem treinados e financeiramente convencidos a lutar pelo Israel, first, aprovaram na Casa dos Representantes um projeto que potencializa a fúria das sanções. Se aprovado pelo Senado, vira lei e... adeus acordo com o Irã. Adeus moderado Rouhani, que perderá o apoio do Supremo Líder Khamenei e ficará à mercê da linha dura local. No entanto, nada está perdido, até agora.

 

Jay Carney, portavoz de Obama, declarou que o povo estadunidense não deseja a guerra com o Irã. E mais: “Este acordo, se conseguido, tem o potencial de conseguir isso. A alternativa é a ação militar”. E por aí, Obama não vai.

 

E não só porque todas as pesquisa provam que seu povo está cheio de guerras e não admite mais uma, contra o Irã. Que traria fatalmente um crescimento desmesurado nos preços do petróleo. A economia ainda vacilante dos EUA não ia se dar bem com isso. Poderia ser empurrada de volta para a crise. Obama resolveu entrar em ação.

 

Pressionando o Senado, conseguiu o adiamento da discussão do projeto das novas sanções até pelo menos a conclusão das negociações com o Irã. Que ele espera serem bem sucedidas. O recente recuo de Kerry foi um acidente de percurso.

 

Ainda com os ouvidos zunindo com o eco das vociferações de Netanyahu, na pausa que ele fez em Tel-aviv, a caminho de Genebra, preferiu contemporizar com as contestações feitas por Fabius.

 

Adiar a decisão final permitiria passar a ideia de que os EUA não vão cair no conto de nenhum aiatolá, por mais esperto que seja...

 

Se, no final, tudo acabar em paz com o Irã, terá acontecido uma mudança de 180 graus.

 

Até agora, todas as sanções e leis anti-Irã foram aprovadas por imensa maioria no Congresso. E com o apoio firme do governo. Ele terá bons argumentos para justificar uma posição oposta.

 

Rouhani deve oferecer garantias totais de que não haverá nenhum programa militar nuclear, inclusive já aprovou inspeções ainda mais intromissivas do que as exigidas pelos tratados internacionais.

 

Não se sabe se quaisquer argumentos poderão convencer congressistas sob influência dos lobbies judaico-americanos, seus financiadores.

 

Até quando a política externa estadunidense no Oriente Médio será traçada por Tel-aviv?

 

A hora pode ser agora.

 

 

Leia também:

Obama e Rouhani: as ligações perigosas entre EUA e Irã

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

0
0
0
s2sdefault