Correio da Cidadania

‘Um princípio jurídico importante foi respeitado. Se uns não gostaram, é o de menos’

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Novamente no olho do furacão, o julgamento do chamado mensalão voltou a dominar as manchetes da mídia conservadora, que há oito anos trata o assunto como “o maior caso de corrupção da história”, ao mesmo tempo em que encobre escândalos de seus apadrinhados políticos, igualmente envolvidos em esquemas de desvios de recursos, alguns deles comprovadamente maiores.

 

“O ministro Celso de Mello deu um voto corretíssimo. Os embargos, efetivamente, eram cabíveis, sempre houve tal entendimento, estava previsto no regimento, como ele demonstrou com muita precisão”, explica o Procurador do Estado Marcio Sotelo Felippe, em entrevista ao Correio da Cidadania, logo após a aceitação dos embargos infringentes pelo STF, que permitem aos réus apresentarem recursos e continuarem se defendendo no processo.

 

“Foi efetivamente um Julgamento de Exceção. Pra começar, o próprio fato de o Supremo não ter desdobrado o processo, mandando à primeira instância os réus que não tinham foro privilegiado, já começou a mostrar que o julgamento era complicado. Complicado porque o julgamento rompeu com entendimentos que o próprio STF vinha respeitando”, reforça Sotelo.

 

Dessa forma, o entrevistado menospreza a histeria de parte da mídia, cada vez mais desprestigiada e identificada como partido político, e reitera a importância de se respeitarem preceitos praticamente universais do Direito Penal. A começar pela própria defesa e o duplo grau de jurisdição, as verdadeiras garantias oferecidas pela aceitação dos embargos infringentes, que por sua vez não significam “impunidade”, como rezam algumas manchetes. Tampouco ameaçam a governabilidade política vigente, na visão de Sotelo.

 

A entrevista completa pode ser lida abaixo.

 

Correio da Cidadania: Foi decidido no Supremo nesta quarta, 18, que os réus do caso do “mensalão” poderão apresentar recurso e dar sequência em sua defesa. Como o senhor encarou o voto de Celso de Mello e a aceitação dos embargos infringentes, permitindo a continuidade desse processo?

 

Marcio Sotelo Felippe: O ministro Celso de Mello deu um voto corretíssimo. Os embargos, efetivamente, eram cabíveis, sempre houve tal entendimento, estava previsto no regimento, como ele demonstrou com muita precisão. E a tese de que não cabiam os embargos era completamente desprovida de fundamento.

 

Somente uma forte pressão política pode explicar que tantos ministros adotassem esse entendimento

 

Correio da Cidadania: O senhor enxergou razões de Estado nesse julgamento, de forma a preservar a atual institucionalidade e as figuras poderosas da República (afinal, condenado o mensalão do PT, reforça-se a pressão para o julgamento de outros conhecidos esquemas de corrupção envolvendo diversos políticos do PSDB)?

 

Marcio Sotelo Felippe: Não vejo nada disso. Penso que o voto do ministro Celso de Mello foi extremamente técnico, de acordo com os princípios mais avançados, modernos e civilizados do Direito Penal, que garantem o direito à ampla defesa.

 

Correio da Cidadania: Houve muitas críticas de diferentes juristas à condução judicial de todo o processo, que inclusive teria se tornado um Tribunal de Exceção, envolto em clima de histeria midiática e coletiva. O que pensa disso?

 

Marcio Sotelo Felippe: Estou de acordo. Foi  um Julgamento de Exceção. Pra começar, o próprio fato de o Supremo não ter desdobrado o processo, mandando à primeira instância os réus que não tinham foro privilegiado, já começou a mostrar que o julgamento era complicado.  Rompeu com entendimentos que o próprio STF vinha respeitando. O Supremo desmembrou processos que diziam respeito a réus sem foro privilegiado, e neste caso não fez isso. Um tratamento diferente.

 

Todo o desenrolar do julgamento foi marcado por violações do  direito de defesa, distorção de teses jurídicas,  o relator se conduzindo de maneira muito pouco razoável, com ímpetos de inquisidor.

 

Correio da Cidadania: Ou seja, estão corretas as críticas quanto ao fato de que o julgamento inicial por um tribunal superior e o não desmembramento do processo configuraram atropelos jurídicos.

 

Marcio Sotelo Felippe: Isso não tem nenhuma explicação. Foi realmente um Julgamento de Exceção. Essas medidas privam os réus sem foro privilegiado do duplo grau de jurisdição, um princípio clássico e praticamente universal hoje no  processo penal. Trata-se  de uma garantia, como lembrou o ministro Celso de Mello, prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

 

Correio da Cidadania: Ao mesmo tempo, o fato de esses réus terem sido julgados por um tribunal superior desde o início, e de terem sido aceitos todos os recursos, que, ao final, protelaram o julgamento, não imprime um caráter de classe à justiça brasileira? O que pensa de tal crítica nessa circunstância?

 

Marcio Sotelo Felippe: O julgamento não foi protelado. É um direito do réu que foi respeitado, o de interpor os  embargos infringentes.  O réu vai perder seu bem mais precioso, a liberdade. Se há um instrumento jurídico adequado para que a defesa seja levada até as últimas consequências, isto não é protelar.

 

Não podemos violar uma garantia dos réus porque os ministros cansaram de julgar, ou porque uma certa  opinião  pública quer uma satisfação. O direito das pessoas está acima de tudo.

 

Portanto, não penso, absolutamente, que o resultado desse julgamento reforçará um caráter de classe da justiça. Os princípios do processo penal estão em jogo, em jogo está a liberdade de seres humanos. O Direito Penal moderno é concebido em função da garantia dos indivíduos e é uma limitação do direito, ou do poder, do Estado de punir.

 

Nisso, não existe questão de classe. Qualquer pessoa, seja rica ou pobre, seja o Eike Baptista ou o Fernandinho Beira-Mar, tem direito aos mesmos recursos, o mesmo direito de defesa. Assim como Dirceu e os demais envolvidos neste processo.

 

Correio da Cidadania: Essa decisão implicará, de alguma forma, no desgaste das instituições políticas e jurídicas, influindo na governabilidade?

 

Marcio Sotelo Felippe: Só se a opinião pública não compreender que as pessoas têm direitos. Se a opinião pública ficar inconformada, pior pra opinião pública. É preciso respeitar os princípios republicanos e a Constituição.

 

Não acho que a governabilidade fica ameaçada, nenhum perigo. O que vejo é uma pressão muito forte da imprensa conservadora, de certa parte da classe média reacionária, que se conduz por preconceitos políticos. Não tem nenhum problema de governabilidade.

 

Vão ter que engolir. Um princípio jurídico importante foi respeitado. Se uns não gostaram, é o de menos.

 

Correio da Cidadania: Que desdobramentos o senhor imagina para depois da tempestade? Será reforçada uma maior pressão popular para exigir uma democracia de fato representativa e participativa, conduzindo, por exemplo, a processos como uma reforma política ou a uma Assembleia Constituinte exclusiva?


Marcio Sotelo Felippe: Eu sou contra  uma constituinte exclusiva. Ela não é juridicamente possível na forma como Dilma a propôs, mas temos problemas de representatividade.

 

Há necessidade de uma reforma política, e para isso não precisa de constituinte exclusiva. Há algumas coisas importantes que agora devem pautar o debate  político, como o financiamento público das campanhas. Muita coisa precisa ser feito nesse campo.

 

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.

Comentários   

0 #8 RE: ‘Um princípio jurídico importante foi respeitado. Se uns não gostaram, é o de menos’josé 14-10-2013 17:59
Uma questão importante no mensalão foi a aplicação de um princípio, cujo nome técnico não lembro, que afirma que um superior diante de vários fatos, não poderia alegar que desconhecia o que acontecia. Por isso os graúdos do mensalão forma apanhados. Esse princípio acabou sendo contestado pelo seu próprio criador, um jurista alemão. O jornalista Merval Pereira analisou esse assunto. Gostaria de saber como ficou a questão desse princípio. Pode ser aplicado no Tribunal Penal Internacional (TPI)?
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0 #7 Não ampliemos a barbárieNelson 24-09-2013 16:56
Não, meu caro Hosé Maqgno. Se há “milhares de presidiários, ladrões de galinha, necessitando da mesma atenção, e que atenção, que foi dada a esses políticos”, que você tacha de “corruptos”, lutemos para que eles venham a desfrutar dessa mesma atenção. Não é estendendo a barbárie a todo mundo que vamos melhorar a sociedade. Para tanto, temos é que estender e garantir os direitos a todos e não passarmos a considerar como um privilegiado todo aquele que consegue deles desfrutar.
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0 #6 E que direito!Nelson 24-09-2013 16:55
Sim, meus caros Ednay de Cerqueira, José Maqgno e Venta. “Um princípio jurídico importante foi respeitado”. E que princípio! Simplesmente aquele que vai garantir a qualquer um de vocês três o direito de se safar da prisão caso não existam provas cabais de que tenham cometido um tal crime.
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0 #5 EntrevistaMario Dente 23-09-2013 16:24
O resultado final dos embargos infringentes no STF foi como um trem descarrilando: um desastre. Esse modelo brazuca de atuação dos poderes é um desastre em que os mortos e feridos são sempre os trabalhadores contribuintes. Por que não se copia a Constituição dem um dos Paises Escandinavos, da Alemanha ou dos Estadfos Unidos ? Lá não há impunidade, há prisão, julgamento, condenação e prisão por muitos anos sem sextos da prisão e sem proteção a criminoso menor ou político. Alguma coisa tem que ser feita com urgência pois a leitura dos jornais é uma sequência de crimes de político, funcionários públicos, ladrões e assasinos.
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0 #4 RE: ‘Um princípio jurídico importante foi respeitado. Se uns não gostaram, é o de menos’ESMAEL LEITE SILVA 21-09-2013 11:42
De Esmael Leite da Silva
Se a maioria dos juízes do STF tivessem votado contra a Constituição, que juraram defender, qual seria a Sanção? Pois seria golpe. Juízes não podem legislar, quando tentam inovar (legislar), onde a lei não deixa lacunas estão indo contra a Constituição, está na hora do Senado e da Câmara se preocuparem com este tipo de golpe, tem de se ir a fundo nesta questão. Esta é a questão de mérito que a imprensa e os especialistas tem de se preocuparem, pois em é nome de uma falsa moral que os golpes são dados, è só recordar os golpes que o judiciário latino americano tem capitaneado, Guatemala, Paraguai .... e quase aqui, agora.
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0 #3 ...Ednay de Cerqueira 20-09-2013 14:17
Os ventos sopram em direção ao fracasso do STF... aliás, já se esperava o acontecimento do voto de Minerva do Ministro Celso de Mello. Visava apenas atender as necessidades de levar a Presidente Dilma a um novo mandato... e para isso será necessário, que seus assessores condenados, não tomem suas posições nas cadeias. Principalmente porque , como foi dito em alto e bom tom. nos meios de comunicação por um Ministro, que a voz do povo nada significa no julgamento contra atos de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, concussão, etc...Essas são expressões externas, sem qualquer relevância frente a crimes, que sem dúvida são de repercussão geral desconhecidas. O tal " Escândalo do Mensalão" e permanência de mandatos de políticos julgados e condenados...e...a confusão da ficha limpa?
Serviu para que mesmo? Para os interesses politiqueiros de baixo calão?
Aiii! Que vergonha!!!
Humilharam e abusaram da Corte Suprema da Justiça Nacional (STF) fazendo-a perder sua real significância no país. Ou seja, trabalhar dias e dias sem resultados efetivos /eficazes visando satisfazer uma sociedade terrivelmente sofrida com tantos mandos e desmandos daqueles sem caráter, ética e moral. E o povo então? Fica a Miguè. Sem qualquer segurança jurídica constitucional.
Explicações Técnicas Sr Ministro, para justificar a utilização dos Embargos Infringentes em situação tão urgente , o qual será prejudicial à nação?. Sabe-se que todos possuem o direito da ampla defesa, e do contraditório, mas, e aqueles que estão esquecidos nas prisões?
Não! A defesa técnica tem outra conotação...e sabemos qual... uma revisão de boicotagem dos resultados adquiridos no primeiro julgamento pelo STF.
Apenas engodo utilizado como meios de transformar o colegiado em lixo jurídico!
Assim sendo, já está na hora de soltar Fernandinho Beira Mar, Os Nardonis , Suzane Richthofen e tantos outros, cujos crimes nada representam à justiça de fato, e verdadeira, que deveria ser igualitária para satisfação de todo o cidadão brasileiro..
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0 #2 50% ignorante em direitoJosé Maqgno 20-09-2013 08:28
Posso estar errado mas se 5 juízes foram contra os embargos e 6 a favor, e estes estão corretíssimos, 50% do dos juízes STF precisa fazer reciclagem em direito. Além disso, o Brasil tem milhares de presidiários, ladrões de galinha, necessitando da mesma atenção, e que atenção, que foi dada a esses políticos corruptos que lesaram o patrimônio público em milhões, e que ainda pretendem se aposentar, ganhando milhares de Reais por mês.
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0 #1 RE: ‘Um princípio jurídico importante foi respeitado. Se uns não gostaram, é o de menos’venta 20-09-2013 07:46
Quadrilha de vagabundos! Não estamos dizendo se o que o C Mello fez esta certo ou errado. O que estamos dizendo eh que poderia ter feito diferente, como fizeram os demais juízes, ou estes estão errados?
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