Correio da Cidadania

Para onde sopram os ventos?

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Boa parte dos analistas econômicos e políticos jura que a crise econômica e financeira mundial não passou, mas a situação está melhorando nos Estados Unidos, na  Europa e... na China. Portanto, pensam os analistas caboclos, como existe uma luz no fim do túnel para as economias avançadas, com a perspectiva de elas se recuperarem, as economias emergentes também poderão crescer novamente.

 

Em outras palavras, esse tipo de análise coloca a China em crise, da mesma forma que os Estados Unidos e a Europa. E subordina o crescimento das economias emergentes à recuperação das avançadas. Ou seja, seus autores não estão realmente entendendo o que está acontecendo, nem para onde os ventos estão soprando.

 

A crise nos Estados Unidos e na Europa é uma crise conjugada de excesso de liquidez (montanha exagerada de dinheiro fictício), falência do sistema financeiro e da capacidade de gasto dos Estados, queda da lucratividade da economia, e crescimento consistente do desemprego e da miséria no centro e na periferia imediata do sistema.

 

Portanto, é uma crise sistêmica do capitalismo desenvolvido, cuja dificuldade consiste em que, quanto mais eles tentarem intensificar seus sistemas tecnológicos e financeiros, mais dificuldades terão para sair da crise. O desemprego tecnológico tende a aumentar, a produção de dinheiro fictício tende a crescer, os déficits orçamentários tendem a ir para profundidades abissais, e as crises tendem a ressurgir.

 

É evidente que, momentaneamente, a crise pode amainar e criar sensações de desafogo. Mas há uma tendência evidente para que as ondas de crescimento e declínio tenham uma frequência cada vez maior, com os consequentes desarranjos sociais e políticos, e as tentativas de jogar as dificuldades sobre a periferia próxima e distante. Qualquer dúvida a respeito pode ser esclarecida com consultas a mexicanos, irlandeses, islandeses, gregos, italianos, espanhóis e portugueses. E também ao câmbio da maioria dos países.

 

A crise chinesa, se é que podemos chamar de crise a situação da China, nada tem a ver com isso. A China não tem excesso de liquidez, ou montanhas de dinheiro fictício, com os quais precise se preocupar. A maior parte de sua liquidez vem sendo utilizada para investimentos domésticos em infraestrutura e universalização dos serviços públicos nas regiões mais atrasadas, elevação de salários e inovação tecnológica. Outra parte tem sido direcionada para investimentos externos produtivos, não só em países subdesenvolvidos, mas também em países desenvolvidos onde podem obter novas e altas tecnologias. E uma outra parte tem sido utilizada na compra de bônus dos tesouros americano e europeu, para ajudar os países desenvolvidos a sair da crise.

 

Ao contrário das recorrentes notícias, de pelo menos 25 anos, sobre as “enormes dificuldades” do sistema financeiro e bancário chinês, esse sistema parece continuar funcionando muito bem, seja em termos nacionais, seja em termos internacionais. Nada indica que o Estado chinês esteja com dificuldades orçamentárias. Ou que a China já esteja enfrentando a tendência de queda da lucratividade da economia pelo alto desenvolvimento das forças produtivas, resultando em desemprego tecnológico e aumento da miséria.

 

Ao contrário disso, a China está realizando uma inflexão estratégica no sentido de transformar seu mercado interno de 1,3 bilhão de pessoas no principal destino de sua produção e de seus investimentos, mantendo uma taxa de crescimento de 6% a 7% ao ano. Em termos absolutos, isso significa que no ano 2020 a China poderá ultrapassar os Estados Unidos como principal economia mundial. E a renda per capita chegará a mais de 10 mil dólares. Neste caso específico, o grande desafio da China é evitar que a riqueza se concentre numa minoria, enquanto a maioria é mantida na pobreza.

 

Esse desafio consta da perspectiva de que o piso do padrão de vida do conjunto da população chinesa seja levemente abastado. O que eles chamam de “padrão belga de vida”. É isto que pode conformar um mercado doméstico realmente forte e crescente, numa tendência oposta aos mercados domésticos norte-americano e europeu.

 

É evidente que essa viragem estratégica, para se consolidar, pode demorar 30 anos ou mais. Ela depende de o PC e o Estado chineses manterem seu compromisso socialista de elevação constante da distribuição da renda nacional e da inclusão de toda a população nos serviços públicos, especialmente educação, cultura e saúde. E, também, de a nova burguesia chinesa se conformar com seu papel de desenvolvedora das forças produtivas; e de os falcões estadunidenses, japoneses, ingleses e franceses não se lançarem em aventuras bélicas que convulsionem o mundo numa nova guerra.

 

Se somarmos a perspectiva da China ao crescimento econômico da Rússia, Índia, África do Sul e de vários outros países da Ásia, África e América Latina, cujo produto interno conjunto já é superior ao produto somado dos Estados Unidos e Europa desenvolvida, podemos concluir que os emergentes podem crescer, apesar da crise dos países centrais. É a esses ventos novos que o Brasil precisa prestar atenção e reformular suas expectativas.

 

É evidente que, se os países desenvolvidos saírem da crise, mesmo que seja momentaneamente, isso facilitará ainda mais o crescimento dos emergentes, o que inclui o Brasil. No entanto, dispersar esforços na espera dessa recuperação, no momento em que os emergentes alcançaram um poder de alavancagem econômica como a atual, não é uma perspectiva realista, nem saudável.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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