Correio da Cidadania

O voto de Minerva porá fim à tragédia?

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Hegel exemplifica o ocaso da tragédia grega com a cena de Oresteia, drama de Ésquilo. Na peça, o debate entre as Eumênides, deusas incansáveis da vingança, simbolizando as forças do direito formal, e Apolo, personificação da eticidade substancial, tem fim com a reconciliação propiciada pelo voto de Minerva (deusa também designada como Palas Atena). As Eumênides, outrora forças selvagens da natureza, passaram, então, a ser reverenciadas como forças divinas pacificadoras.

 

Da mesma forma, em Brasília, o julgamento acerca do cabimento dos embargos infringentes no julgamento do "mensalão" aponta para uma perspectiva da filosofia da história e para a oportunidade de se saber se o espírito da justiça de Hegel pousou na capital da nação. Mas qual seria o espírito hegeliano que, ancorado no teatro grego, teria surgido em Berlim e alçando voos universais, ultrapassado as fronteiras germânicas? Tal espírito é o da tragédia e sua reconciliação, exemplificada pela orestíada. Nesse sentido, o voto de Minerva tem o condão de reconciliar a legalidade formal das Eumênides com o amor lúcido de Apolo.

 

E como seria possível essa conciliação? Por meio de Atena, deusa imparcial e justa, que não tome partido nem de Orestes, aquele que cometera o matricídio para vingar o pai, que havia sido assassinado pela própria mãe, nem das Erinias, nem das Eumênides. No plano hermenêutico, o juiz deveria ser mais que um Hércules, deveria ser, na verdade, como a sábia deusa Atena, julgando-se as contendas sem recorrer a subjetivismos.

 

Retomando as decisões do "caso mensalão", o julgamento do STF reflete a cisão entre a burguesia conservadora, que quer a condenação com base numa pretensa justiça apolínea, e a “burguesia comunista”, que, no caso em questão, apoia-se mais na legalidade do direito.

 

Mas, no fundo, o povo que foi às ruas sabe que tudo isto é uma farsa midiática e que aquela direita que vocifera contra o “maior caso de corrupção da história brasileira”, não quer ver a sequência dos crimes de corrupção de outras esferas. No entanto, no plano dialético, nem a esquerda corrompida, que manipula os pobres com assistencialismo, nem a direita que também faz uso da corrupção, merecem ser perdoadas no mensalão.

 

Contudo, não nos esqueçamos de que existe esperança de uma justiça inspirada por Atena. Para que isso ocorra, o STF, inspirado também pela filosofia da justiça hegeliana, não deveria lavar a alma da esquerda deturpada, nem da burguesia cega, mas condenar no mesmo ato todos os crimes econômicos que envergonham a República.

 

Ari Solon é professor da Faculdade de Direito da USP.

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