Correio da Cidadania

‘Tenho dúvidas se o objetivo da lei que proíbe protestar de máscara não é gerar mais violência’

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Após ser deslegitimada pela população brasileira que toma as ruas do país, a classe política, ainda incapaz de oferecer resposta às demandas do povo, tem agido com enorme agilidade em outras frentes. Sob a desculpa da violência, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou lei que criminaliza o uso de máscaras em atos políticos – rapidamente sancionada pelo governador Sergio Cabral.

 

Pra debater o assunto, o Correio da Cidadania conversou com o vereador da capital carioca, Renato Cinco, um dos precursores da Marcha da Maconha - outro ato político que a justiça brasileira tentou interditar, sob o falso argumento de apologia às drogas, quando o mundo inteiro debate o tema pelo prisma da legalização. “Se alguém quiser proibir a utilização de máscaras em manifestações, tem de fazer um Projeto de Emenda Constitucional, relativo ao artigo 5º da Constituição Federal”, esclarece.

 

Obviamente inspirada na tática Black Block utilizada pelos manifestantes (que visa fazer uma contenção da visível e, essa sim, indiscutível violência policial), a lei, segundo Renato, não passa de mais um instrumento de criminalização de todo e qualquer movimento social combativo, ainda mais em tempos efervescentes, que prometem ainda mais indignação popular para o ano que vem.

 

Avaliar que uma tática de autodefesa pode produzir um esvaziamento das manifestações, pelo medo de um enfrentamento pré-anunciado, é justo. É uma crítica razoável, mas isso não tem nada a ver com confundi-los com fascistas”, disse o vereador, a respeito da confusão instalada a respeito da orientação ideológica de quem forma o grupo, tanto à esquerda como à direita.

 

A entrevista completa com o vereador Renato Cinco pode ser conferida a seguir.

Correio da Cidadania: O que pensa da Lei aprovada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e já sancionada pelo governador Sergio Cabral, que proíbe o uso de máscaras em manifestações públicas, salvaguardando apenas os eventos culturais?

 

Renato Cinco: É claramente inconstitucional, porque, se pensarmos na Constituição brasileira, não se podem estabelecer restrições que ela mesma não estabelece. Se alguém quiser proibir a utilização de máscaras em manifestações, tem de fazê-lo através de um Projeto de Emenda Constitucional, relativo ao artigo 5º da Constituição Federal. Isso em primeiro lugar.

 

Do ponto de vista político, penso que estão deixando de levar em conta que muitas pessoas vão fantasiadas à manifestação, muitas vezes não só com máscaras. Não porque querem praticar algum ato ilegal, de “vandalismo”, mas porque querem se proteger de retaliações por terem participado. Às vezes, escondendo-se da própria família, já que muitas famílias reprimem a ação política, principalmente de jovens e mulheres; patrões também reprimem a participação de seus empregados em atos etc.

 

No mais, nós vivemos numa cidade controlada por milicianos, vários bairros são controlados por milícias. E pessoas desses locais que vão aos atos se protegem das milícias também. A Marcha da Maconha é exemplo disso. Desde sua primeira edição, muita gente vai de máscara, justamente por essa razão, pra se proteger da repressão, seja de família, patrões ou milícias.

 

Correio da Cidadania: O que pensa da atuação da juventude que vem praticando a tática Black Block, que tanta polêmica vem causando no cenário político atual?


Renato Cinco: Primeiramente, não está claro, quando ocorrem atos mais violentos no meio dos manifestantes, quem os está produzindo; se são os Black Blocks, os infiltrados ou outro grupo. Não consigo ter clareza desse que é um ponto importante. Por isso, acho bom termos cuidado em apontar responsáveis por tais atos na rua.

 

Já a polícia, vem sistematicamente abusando da repressão, não só em relação a atos violentos, mas generalizando a repressão contra quem participa de manifestações. Não são poucos os episódios a esse respeito, a ponto de muitas pessoas serem atacados dentro de bares, sem estarem nas manifestações.

 

É importante a juventude entender que a força vem da multidão, não da violência. O importante é o movimento se preocupar em atrair gente, evitando que as confusões desmobilizem as pessoas.

 

Correio da Cidadania: A que veio, o que significa e o que pode resultar da atuação de movimentos como o Black Block na atual conjuntura política, em sua opinião?

Renato Cinco: Certamente, eles surgiram como resposta à violência policial, especialmente aquela do dia 20 de junho, no ato que reuniu 1,5 milhão de pessoas nas avenidas Presidente Vargas e Rio Branco. A polícia começou a reprimir na frente da prefeitura, e reprimiu de forma generalizada até o palácio Guanabara, estabelecendo praticamente o toque de recolher ilegal pela cidade. Essa repressão produziu a resposta dos Black Blocks.

 

Correio da Cidadania: O que você responderia aos interlocutores, no caso, da ala conservadora, que chamam os ‘mascarados’ de fascistas?

 

Renato Cinco: Fascistas eles certamente não são. Eles se reivindicam anarquistas. Portanto, reproduzem estratégias de grupos anarquistas. Pode-se não concordar com os anarquistas, mas confundi-los com o fascismo é desonestidade intelectual. São dois movimentos de massa historicamente opostos. Nós temos tristes episódios na história, frutos do enfrentamento dos anarquistas e socialistas, em frentes antifascistas, contra os próprios fascistas. Não dá pra confundir anarquista ou comunista com fascista.

 

A diferença fundamental é que a doutrina anarquista é libertária. A doutrina fascista é claramente uma doutrina totalitária. Historicamente, os comunistas dividem-se entre setores autoritários e libertários, além de outros puristas. Mas confundir anarquistas com fascistas é uma desonestidade total.

 

Correio da Cidadania: E aqueles que, mesmo em um espectro mais progressista, têm ressalvas à atuação de grupos como os do Black Block, alertando para tendências fascistas a que podem conduzir e para um possível desestímulo que podem trazer para as manifestações?

 

Renato Cinco: Acho que esta é uma crítica razoável. Avaliar que uma tática de autodefesa pode produzir um esvaziamento das manifestações, por medo face a um enfrentamento pré-anunciado, é justo. Por isso digo que a principal preocupação da juventude deve ser atrair as multidões.

 

Creio, assim, que a tática da autodefesa pode, sim, acarretar esvaziamento dos movimentos. Acaba-se tendo um movimento muito de vanguarda, que consegue atrair apenas pessoas com disposição de correrem grandes riscos. É uma crítica razoável, mas isso não tem nada a ver com confundi-los com fascistas.

 

Correio da Cidadania: Você acredita que a lei possa ser revogada, uma vez que a polêmica sobre sua constitucionalidade é realmente grande, além de ter tramitado muito rapidamente pelas mãos de uma classe política que acaba de ser renegada pelas ruas? Caso contrário, que consequências teremos?


Renato Cinco: Acho que as consequências, em caso de não revogação, serão vistas no aumento dos instrumentos de criminalização, porque a tendência, de parte da juventude ao menos, é fazer o enfrentamento através da desobediência civil. E pessoas que não vão às manifestações mascaradas, passarão a ir mascaradas, mostrando a arbitrariedade e inconstitucionalidade da lei.

 

Isso fará com que a polícia, ao invés de abordar a pessoa em função de seu comportamento, violento ou não, o fará só pelo fato de ela estar mascarada. A lei aumenta mais ainda os pontos de atritos das manifestações. Inclusive, tenho dúvidas se o objetivo dessa lei não é o de gerar mais violência.

 

A constitucionalidade da lei precisa ser questionada na justiça. Uma lei estadual dessa pode ser questionada no Tribunal de Justiça e exigir um posicionamento do Estado a respeito de sua constitucionalidade.

 

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Comentários   

0 #2 sem hipocrisia, por gentilezaLuis Ramirez 18-09-2013 11:23
estar mascarado nao é exatamente sinônimo de anonimato, amigo, a entrevista é clara nesse sentido e qualquer mané que já foi num protestos sabe que sempre foi assim. Nao só nesse paisinho escravocrata hipocrita, que ja se mexe pra anular as reivindicacoes populares, como no mundo inteiro, sem a menor sombra de dúvida. outros pontos do mundo em convulsao poderiam eslarecer melhor o brasileirinho médio.
Só aqui tem vandalismo e mascarados bandidos. no resto do mundo pode tudo, nao se ve a mídia denunciando nada similar quando o protesto é além fronteiras. nao sejamos tolos, quem persegue manifestante é a ala beneficiária do Brasil dividido por apaartheid social, econômico etc. A mae de todas as hipocrisia, enqto a polícia mais assassina e torturadora que conhecemos pratica mil ilegalidades por dia, a bel prazer. e em muitos casos com os oficiais nao identificados, como mandam as normas vigentes.
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0 #1 O anomimato como ação delituosaAntonio Carlos 17-09-2013 21:56
Primeiro temos que entender o que são leis. Leis, numa Democracia Representativa, é a vontade da classe que detém maioria na Câmara ou Congresso. Digo que leis são palavras bem ordenadas para garantir os interesses de um grupo ou classe social. Penso que nem haveria necessidade de aprovação de tal lei pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Pois, o artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal, é claro quando afirma a liberdade de manifestações e ações políticas, porém, veda o anonimato. Portanto, por esse artigo, em manifestações, usar máscara ou capuzes é ação delituosa. O art. 220 mantém a liberdade de expressão, mas, no parágrafo 1º reafirma o disposto no art. 5º, inciso IV. Então, veda o anonimato também na comunicação e expressão. Quanto às máscaras festivas, é o parágrafo 3º, do art. 220 que trata da estética festiva e afirma que compete à lei federal “regular as diversões e espetáculos públicos, [...] informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação”. Pode-se usar de todos os sofismas retóricos, mesmo assim é difícil sustentar que, em confrontos, não festivos, o uso de máscara não seja um ato delituoso.
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