Correio da Cidadania

Hora de voltar às ruas

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Há uma verdadeira batalha, às vezes surda, às vezes barulhenta, entre os que se esforçam para adotar medidas que atendam aos reclamos das manifestações populares e os que se esmeram em querer impor medidas de sentido contrário. Os líderes do PMDB e de outros partidos, aliados e oposicionistas, chegaram ao absurdo de considerarem as propostas de Constituinte e Plebiscito como tentativas de golpe de Estado. Ou seja, medidas universalmente reconhecidas como democraticamente participativas são tomadas como o seu inverso por forças políticas que se dizem democratas.

 

A reação conservadora não se limita a isso. Na contramão da exigência popular de mais investimentos públicos em mobilidade urbana gratuita, saúde, educação, saneamento e moradia popular, os economistas e políticos da direita e do centro se empenham em limitar os investimentos governamentais, elevar os juros, reduzir o salário mínimo e privatizar ainda mais os serviços públicos. Torcem para que a inflação e o câmbio saiam do controle, culpando o governo por volatilidades que se devem aos desarranjos das economias norte-americana e europeia.

 

A reação conservadora, porém, chegou ao nível de festim de besteirol reacionário na oposição ao programa Mais Médicos. Primeiro, tentou desmerecer o programa sob o argumento de que, sem infraestrutura básica de saúde, a presença de médicos em comunidades e áreas desassistidas seria infrutífera.  Desconhece que nessas comunidades e áreas desassistidas a simples presença de um médico se torna a infraestrutura básica.

 

Depois, procurou boicotar a participação de médicos brasileiros no programa, através de chicanas (este termo está na moda) de diferentes tipos. E, agora, assumiu um caráter xenófobo, desqualificando os médicos estrangeiros que se dispuseram a vir trabalhar no Brasil.

 

Isto é, copiando as corporações médicas xenófobas de alguns países, que não aceitam os diplomas das escolas brasileiras de medicina, os Conselhos corporativos brasileiros utilizam os mesmos argumentos quanto à qualidade e performance dos médicos estrangeiros contratados, todos chamados de cubanos. E ameaçam de represália os médicos brasileiros que porventura colaborarem com eles.

 

Esses Conselhos dificilmente punem os erros médicos cometidos por seus membros. Não movem uma palha para fiscalizar o trabalho dos médicos relapsos e/ou que se negam a prestar socorro, a não ser que o paciente tenha cheque ou dinheiro vivo para pagar. Mas agora prometem rigor na fiscalização dos médicos estrangeiros. Embora possa se considerar isso como um blefe, já que são incapazes de se ausentar das clínicas urbanas, onde cobram, muitas vezes, mais de 600 reais por consulta, não se pode desdenhar sua capacidade de comprar mãos alheias para sabotar o trabalho dos médicos estrangeiros.

 

Assim, pelo andar da carruagem, parece que está chegando a hora de retornar às ruas para conquistar e defender cada uma das medidas que atendam aos reclamos das manifestações de junho e julho de 2013. Na saúde, não bastará o Mais Médicos. Será necessário que o governo acrescente a ele o Mais Postos de Saúde, o Mais Hospitais Públicos, o Mais Enfermeiros, o Mais Remédios da Farmácia Popular e outros Mais, que significam investimentos públicos maiores, e mais reações iradas do lado de lá.

 

Podemos acrescentar a isso a necessidade de Mais Salas de Aula, Mais Equipamentos de Ensino, Mais Professores, Mais Salários para os Docentes, na educação; Mais Veículos Leves sobre Trilhos, Mais Metrôs, Mais Trens Urbanos e Interurbanos, na mobilidade urbana e interurbana; Mais Casas no Minha Casa Minha Vida, Mais Proteção de Encostas, Mais Esgotos, Mais Água Potável, Mais Rios Limpos, Mais Ruas Arborizadas, na moradia popular e no saneamento básico; Mais Crédito no Plantio e na Colheita, Mais Crédito e Apoio na Comercialização, Mais Alimentos, na agricultura familiar para o mercado doméstico.

 

Portanto, mesmo com essa lista sumária, podemos ter alguma ideia do volume de dinheiro público que o governo terá que redirecionar do financiamento às grandes corporações empresariais para fins públicos. Na prática, além de constituir novos mecanismos estatais, terá que financiar e promover o crescimento das milhões de micros, pequenas e médias empresas capazes de atender às novas obras e serviços demandados por tais programas.

 

Então, se olharmos com mais atenção a reação conservadora e reacionária ao Mais Médicos, enxergaremos por trás dela a mão supostamente invisível daqueles que se sentem ameaçados por uma possível inflexão dos gastos e investimentos governamentais. No fundo, o que está em pauta é que o dinheiro público deixará de ir para as grandes mãos privadas e irá principalmente para o público e para as pequenas mãos privadas. Isso é considerado inadmissível pelas grandes corporações empresariais e por seus representantes políticos.

 

O Mais Médicos teve o mérito de mostrar que caminho utilizar para atender aos reclamos das ruas. Se o governo seguir a trilha aberta por ele, certamente também abrirá novas condições para a disputa política. Em especial se a esquerda compreender a necessidade do apoio popular para tornar efetivos os programas Mais e não vacilar em conclamar as camadas populares a voltarem às ruas para defendê-los.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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