Correio da Cidadania

Sobre Representação e Reforma Política

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Em continuidade a artigo anterior, no qual tratei de propostas sobre reforma política relacionadas aos temas do financiamento de campanha e do enfrentamento da corrupção, destaco neste algumas questões pertinentes ao sistema eleitoral e partidário, as quais têm como objetivo o aperfeiçoamento da representação política.

 

Não obstante se reconheça a importância dos instrumentos de democracia direta, semidireta e participativa, bem como a necessidade de se desenvolver, de forma criativa, a engenharia institucional, a fim de se conceberem novas formas de realização dos valores democráticos, mais adequadas ao atual contexto, nos grandes e complexos Estados contemporâneos, a democracia se expressa fundamentalmente pelo método representativo, tendo como elementos centrais as eleições e os partidos políticos.

 

Robert Dhal (1997, p. 41; 189), considerando que os regimes democráticos existentes estão muito distantes do ideal de democracia, denomina de poliarquia aqueles em que existe competição política e em que “as oportunidades de contestação pública estão disponíveis à maioria da população”, em oposição aos regimes em que há uma “hegemonia” política. Tomando-se essas ideias como referência, pode-se ponderar em que medida cada modelo de sistema eleitoral e partidário favorece a poliarquia ou a hegemonia.

 

Temos, no Brasil, a combinação do pluripartidarismo com um sistema eleitoral de voto majoritário para os cargos de chefia do Poder Executivo e para o Senado Federal, e de eleição proporcional para as demais Casas Legislativas, constituindo cada estado um distrito eleitoral.

 

No que se refere aos sistemas eleitorais, o debate gira em torno da adoção do voto distrital (misto ou puro), que consistiria, em linhas gerais, na delimitação de pequenos distritos eleitorais nos quais seriam eleitos os candidatos mais votados, portanto, pelo sistema majoritário, com a promessa de reduzir os custos das campanhas e reforçar os vínculos de representatividade, aproximando eleitores e eleitos. Entretanto, tal proposta traz consigo o risco de ampliar alguns males da política brasileira, como o personalismo e o “paroquialismo”, pois, neste sistema, aumentaria a irrelevância dos programas partidários e cresceria a importância do carisma dos candidatos como fator decisivo para os resultados das eleições. Os representantes tornar-se-iam, cada vez mais, despachantes de interesses locais e setoriais, relegando a segundo plano a responsabilidade pela condução da política nacional, de maneira que cresceria a concentração de tal tarefa nas mãos do Chefe do Executivo. Teriam mais chances de vitória os candidatos que estivessem dispostos a colocar seus mandatos a serviço dos interesses econômicos locais e regionais e, por outro lado, tornar-se-ia mais difícil a eleição daqueles que defendem interesses de minorias, ou que adotam posições programáticas, pois sua eleição depende de votos espalhados por todo o Estado e dificilmente seriam os mais votados em um pequeno distrito. Além disso, personalismo e populismo andam de mãos dadas, e não combinam com o dissenso. Haveria, pois, um favorecimento da hegemonia política, e não da competição e da contestação pública.

 

Assim, entendemos que uma reforma do sistema eleitoral, sobretudo no sentido exposto anteriormente, em nada contribuiria com o aperfeiçoamento da representação política brasileira, pelo contrário, implicaria em retrocessos. O sistema proporcional não é a causa dos males da política brasileira. Conduzir a discussão neste sentido serve tão somente para desviar o foco de problemas como a frágil cultura democrática e republicana nacional e a colonização do sistema representativo pelo poder econômico, além de prejudicar o processo de amadurecimento das práticas institucionais.

 

Já com relação aos partidos, há, sim, necessidade de reformas, no sentido de democratizar seus processos decisórios internos, fortalecer seu papel institucional de mediação política, favorecer as disputas ideológicas e programáticas e enfraquecer o poder de seus dirigentes de utilizar as siglas para enriquecimento pessoal e atendimentos de interesses particulares, utilizando como moeda de troca, por exemplo, o tempo de propaganda em televisão e rádio que podem acrescentar nas campanhas eleitorais. Propostas neste sentido são, por exemplo, o aumento dos mecanismos de fidelidade partidária, o fim das coligações para as eleições proporcionais e da soma do tempo de propaganda dos partidos coligados aos do partido do candidato à eleição majoritária e a diminuição dos cargos de livre nomeação (com isto, tanto o governo como os partidos que pretendem apóia-lo perderiam parcela importante de seus instrumentos de barganha). Não seriam necessários mecanismos como a “cláusula de barreira”, a qual, ainda que sirva para inviabilizar a existência de partidos exclusivamente fisiológicos, tem como efeito colateral prejudicar pequenos partidos programáticos, contribuindo com o fortalecimento dos hegemônicos e inviabilizando a renovação do sistema partidário.

 

Ressalva-se, todavia, mais uma vez, que a estrutura jurídico-institucional é fundamental para a democracia, mas não podemos ingenuamente (ou não) acreditar que a solução de todos os nossos problemas se encontra nas reformas institucionais, esquecendo-se dos limites impostos pelo sistema econômico e pela cultura política.

 

Murilo Gaspardo é doutor em Direito do Estado pela USP. Professor Substituto de Ciência Política e Teoria do Estado da UNESP/Campus de Franca.

Comentários   

0 #2 RE: Sobre Representação e Reforma Políticajosé 12-08-2013 04:46
Estão tratando a criação do partido da senhora Marina Silva como se fosse uma simples corrida presidencial, ocorre que o partido elegeria políticos, e esses, como seus eleitores, estão tendo seus direitos cassados. Onde está o princípio de cada cidadão um voto?
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0 #1 RE: Sobre Representação e Reforma PolíticaAlexandre 30-07-2013 00:15
Ótimo texto. O voto distrital não é de forma alguma a alternativa. Seríamos levados impreterivelmente a um bipartidarismo de fato.
Creio que estamos esbarrando em problemas de ordem econômica e de cultura política. Ao menos, após anos, vemos a indignação do povo sendo convertida- mesmo que de forma inocente e pouco pragmática - em manifestações e discussões calorosas.
O primeiro passo para a proposição de mudanças passa inevitavelmente por relações de indignação. Superando-a e a transformando em programas claros, podemos atingir transformações tão necessárias ao nosso país.
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