Correio da Cidadania

Estados Unidos: a discreta retirada do Afeganistão

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Sem muita atenção da opinião pública internacional, concentrada nas últimas semanas no caso da divulgação de informações sobre espionagem por Edward Joseph Snowden, o Afeganistão prepara-se para a retirada da maior parte dos efetivos norte-atlânticos até o próximo ano, período de eleição presidencial lá.

 

Em se mantendo o alto grau de tensão no relacionamento entre Washington e Cabul, é possível o repatriamento de todos os contingentes, mesmo os de elite como Delta ou SEAL.  Se isso ocorrer de fato, a situação do governo afegão se fragilizará mais, dado que seu controle sobre o país mal se estende sobre as principais cidades.

 

Em mais de uma década, a coligação otaniana edificou quase um milhar de bases militares, sob o patrocínio majoritariamente norte-americano. Atualmente, menos de uma centena encontra-se em operação contínua.

 

Algumas custaram dezenas de milhões de dólares, sendo sua manutenção inviável para a administração afegã, diante de tantas outras necessidades cotidianas e da precariedade da infraestrutura. Elas requerem grande consumo de energia e necessitam de milhares de homens para protegê-las adequadamente.

 

À medida que se desativam as fortificações estrangeiras, assume a titularidade das atividades de contra-insurgência as incipientes forças armadas locais, incapazes de se contrapor de maneira eficiente à resistência extremista.

 

Calcula-se que mensalmente tombem em combate cerca de quinhentos militares ou policiais. As perdas são bem mais altas do que as das forças expedicionárias porque eles não desfrutam dos mesmos recursos como disponibilidade constante de equipes médicas, de socorro aéreo ou de equipamentos de comunicação.

 

Diante do cenário desfavorável, oficiais anglo-americanos estimam que as tropas locais terão de contentar-se em conviver de forma permanente com os adversários integristas, divididos politicamente entre líderes no próprio Afeganistão, Paquistão e Catar.

 

Todavia, rodadas de negociação entre o governo e dirigentes do Talibã, autointitulados representantes do Emirado Islâmico do Afeganistão, feitas em Doha, Catar, não prosperaram nos últimos meses.

 

O ramo paquistanês é considerado mais moderado e, de acordo com uma esperança recôndita de Cabul, poderia em um futuro próximo compor uma frente governamental a partir de 2014, a despeito da discordância frontal de Washington, caso aceitasse jurar a atual constituição, aprovada em janeiro de 2004.

 

Perante o quadro de turbulência, o foco da segurança passou a ser a guarnição das cidades mais importantes, onde a presença radical é menor, mas ainda assim capaz de executar com frequência ataques suicidas e sequestros.

 

Enquanto isso, sem a firme presença estatal em locais mais distantes dos centros urbanos, o crime floresce sem arreios, ao ter o tráfico de drogas, amparado no cultivo da papoula, como principal ocupação.

 

Com o eventual encerramento da coligação otaniana em solo afegão, a herança é bastante desanimadora, visto que a estabilidade política não foi atingida, nem o fundamentalismo contido.

 

Resta verificar se os países coligados da aliança atlântica se disporão a acolher os futuros pedidos de asilo dos colaboradores ou dos moderados de lá – estimados em torno de trinta mil somente em 2012.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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