Correio da Cidadania

O aprendiz de feiticeiro

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O aprendiz de feiticeiro, como conta a fábula, se achou capaz de multiplicar as vassouras para realizar mais rapidamente suas tarefas de limpeza. No entanto, acabou se mostrando totalmente incapaz de controlá-las e, ao invés de realizar a limpeza das instalações do mago, criou um caos e uma desordem inimagináveis. A direita brasileira, que é comandada pelas grandes corporações empresariais, incluindo o partido da mídia, que conta com uma gama de agrupamentos de tendência fascista, provenientes tanto do lumpemproletariadão, ralé ou subproletariado, quanto do próprio proletariado e também da pequena burguesia, ou classe média, apesar de conhecer a fábula, achou que podia se sair melhor do que aquele aprendiz.

 

A direita pensou que podia multiplicar as ações de vandalismo desses agrupamentos e transformar as manifestações de insatisfação das classes médias e populares num movimento incontrolável. Com isso, como no Paraguai, abriria campo para uma derrubada política ou militar do governo comandado pelo PT. Partiu do pressuposto de que um governo, mesmo comandado pelo PT, agiria exatamente como ela está acostumada a agir. Isto é, a exemplo do que fez o governador Alckmin, e da momentânea febre tucana do ministro Cardozo e do prefeito Haddad, reprimiria ferozmente as manifestações e/ou se recusaria a atender às reivindicações e demandas emanadas das ruas.

 

Cifrou suas esperanças de que os demais governos petistas e o próprio PT cairiam no engodo de que as manifestações precisavam ser tratadas a pauladas, como uma ameaça à democracia. Para seu espanto, a maioria do PT e do governo federal considerou as manifestações uma demonstração legitimamente democrática. Parte da militância petista se incorporou às manifestações, tornando evidente que, mesmo as reivindicações genéricas, como a luta contra a corrupção, mais atenção à educação e à saúde, e prioridade a obras e medidas que atendam ao bem-estar das grandes massas da população, podem ser atendidas e apoiadas pelo governo Dilma e pelos demais governos petistas.

 

A redução das tarifas de transporte, a prioridade à ampliação dos transportes públicos urbanos, se erradamente não constavam dos planos governamentais, passarão a sê-lo, se a reação dos governos petistas e de esquerda e da maioria do PT for realmente para valer. Se a direita achava que a reprovação da PEC 37, a declaração da corrupção como crime hediondo, o fim do foro especial para os políticos, a destinação dos royalties do petróleo para a educação, a instalação de comissões de inquérito para verificar os gastos das Copas e dar-lhes transparência e o aumento dos recursos para a saúde iriam enfrentar a resistência do governo, do PT e das esquerdas, certamente deram um tiro no pé.

 

Para complicar ainda mais a vida dos aprendizes da feitiçaria direitista, o Movimento Passe Livre, assim como outras organizações populares e partidárias, autonomistas, anarquistas e de oposição esquerdista ao governo comandado pelo PT, estão tendo que reavaliar seu poder de mobilização horizontal, sem direção e de reivindicações limitadas ou extremadas.

 

Se os petistas tivessem mudado de natureza e não tivessem, mesmo parcialmente, se incorporado às mobilizações convocadas em nome dos interesses do povo, a direita teria se assenhoreado da situação e não teria apenas rasgado as bandeiras dessas organizações. Teria levado avante não só o fora Dilma, mas também o fora a democracia, o fora os socialistas e o fora os comunistas. Embora manifestações espontâneas de massa sejam radicalmente democráticas, elas se tornam rapidamente numa arena de disputa política que necessita bandeiras políticas unificadoras e direção reconhecida para não serem aproveitadas pelos eternos pescadores direitistas de águas turvas.

 

O PT e outros partidos de esquerda também estão tendo que reavaliar sua ideia de que as bandeiras de luta contra a corrupção, contra os políticos corruptos, contra a demora da Justiça em condenar os colarinhos brancos do empresariado e da politica, nada tem a ver com as condições de vida das massas. Ou que isso seja apenas manipulação da mídia. Foi justamente por acharem isso que alguns militantes e dirigentes da esquerda e do PT acharam possível adotar impunemente métodos de barganha eleitoral e de tráfico de influência com o empresariado, pelo bem da causa, próprios dos representantes políticos da burguesia. Com isso, não apenas a classe média, mas também muitos setores populares, deixaram de diferenciar os políticos de esquerda e do PT dos políticos burgueses. As manifestações massivas e o repúdio generalizado aos políticos, inclusive os de ultraesquerda, obrigam que tal reavaliação seja realizada em profundidade.

 

Por outro lado, a suposição de que a classe trabalhadora não foi para as ruas precisa ser relativizada. Em Belo Horizonte, um dos mortos por acidente, nas manifestações, era metalúrgico. No Rio, os 5 a 10 mil participantes da passeata da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, que realizaram uma manifestação organizada para exigir que, antes de investir em teleférico, os tecnocratas do governo deveriam investir em saneamento básico, em escolas e em atendimento à saúde, eram principalmente trabalhadores assalariados. E não esqueçamos os desvios das pesquisas, que consideram classe média os assalariados de até dois salários mínimos. Em São Paulo, os manifestantes por habitações na zona leste eram trabalhadores e indivíduos excluídos do mercado.

 

Eles não eram, ainda, a classe trabalhadora em peso. Eram apenas as equipes precursoras de uma classe que está renascendo no cenário brasileiro. E que, aos poucos, através de lutas dentro das empresas, seja por melhorias nas condições de trabalho, seja por salários, está aprendendo a discernir amigos e inimigos e, mais cedo ou mais tarde, vai bater seu ponto na luta de classes que reemergiu com força nas manifestações de junho de 2013. Estas, certamente, contribuíram para despertar ainda mais o interesse político dos trabalhadores e de setores excluídos. Não será surpresa, por exemplo, que esse despertar leve a um movimento massivo pela inclusão do bolsa família na Constituição, como dever do Estado enquanto pobres e excluídos existirem.

 

Assim, se a direita supunha que poderia imitar impunemente o aprendiz do feiticeiro, por tê-lo a seu lado, errou redondamente. E, a médio e longo prazo, só conseguirá algum sucesso se a esquerda, como um todo, for incapaz de tirar todas as lições que as manifestações lhe impuseram.

 

 

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Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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