Correio da Cidadania

Os seis dias que abalaram o Brasil

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Os últimos dias de revolta popular pelo Brasil podem levar os mais afoitos a concluir que se trata de situação semelhante daquela descrita por John Reed no livro Dez Dias que Abalaram o Mundo, no qual o brilhante jornalista, vermelho, narra em detalhes a revolução na Rússia. John Reed também acompanhou o movimento revolucionário liderado por Pancho Villa, documentado no fascinante México Rebelde, pondo a nu as grandezas e misérias mexicanas.

 

De lá para cá, a Rússia, o México, o mundo e o Brasil mudaram, o capitalismo passou por importantes transformações produtivas e tecnológicas, mas mantém a sua característica intrínseca de provocar crises e mais crises de superprodução, como a que ocorre desde 2008 nos Estados Unidos, Europa, países árabes e se espalha pela terra, explorando, espoliando e aviltando cada vez mais mulheres e homens trabalhadores.

 

Em São Paulo, o Movimento Passe Livre liderou a rebelião contra o aumento das tarifas no transporte público, levou milhares de pessoas às ruas, conseguindo fazer com que o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, e o prefeito petista Fernando Haddad, escolhido por Lula, recuassem do reajuste de 20 centavos no preço das passagens. No Rio de Janeiro, em municípios do ABC paulista, Osasco e outras cidades brasileiras, também houveram manifestações e o reajuste no preços das passagens foi revogado.

 

Mas, para isso, a juventude precisou lutar, houve quebra-quebra, a costumeira truculência policial e o noticiário fraudulento da mídia comercial. A revolta se espalhou pelo Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Niterói e diversas cidades brasileiras.

 

A revolta popular deixou atônicos os partidos políticos da esquerda tradicional, que se institucionalizou e não representa a juventude que luta nas ruas, incluindo os esquerdistas, a exemplo do PSTU e PCO, sem base social e que escolheram o PT e seus governos como alvos. De outro lado, os partidos de direita, a exemplo do PP de Paulo Maluf, e o governador Geraldo Alckmin incentivaram e apoiaram a repressão fascista da Polícia Militar, incluindo aplausos do petista Fernando Haddad, num primeiro momento.

 

Depois, Geraldo Alckmin, muitos dirigentes do PSDB e parte importante da mídia mudaram de tática, passaram a criticar a truculência da PM e a dizer que a revolta era principalmente contra a roubalheira e os desmandos dos governos petistas.

 

Mas nenhum deles se lembrou de que a crise econômica capitalista atualizou a luta classes na sociedade brasileira, levando pessoas e tendências mais combativas do PT a apoiarem e participarem das manifestações pela revogação do reajuste das tarifas do transporte coletivo, constatando que está findando o período de imobilismo provocado também pelo núcleo dirigente petista.

 

A bandeira do moralismo udenista que a direção do Partido dos Trabalhadores assumiu tornou-se o feitiço contra o feiticeiro, na medida em que alguns dirigentes petistas se lambuzaram com caixa dois, mensalão e outras promiscuidades intrínsecas ao sistema político burguês. Não basta argumentar que José Genuíno, João Paulo e outros usaram apenas o expediente comum dos partidos de direita.

 

Afinal, para serem respeitadas pelo povo, as lideranças populares precisam ser exemplos de retidão, de caráter e integridade revolucionária. Nenhum dirigente de esquerda que se pretende popular pode enriquecer, legal ou ilegalmente, quando a nossa gente continua pobre e miserável.

 

A luta foi principalmente pela revogação do reajuste das tarifas, mas o povo cobra também melhores escolas públicas e o direito ao atendimento eficiente no Sistema Único de Saúde, SUS, que é público, mas apropriado criminosamente pelos planos privados de saúde.

 

A peleja se bateu ainda contra as alianças espúrias de partidos de centro-esquerda com José Sarney, Renan Calheiros, Fernando Collor, DEM e o PP de Paulo Maluf, que não é apenas acusado de ladrão, mas principalmente importante expoente da ditadura, corresponsável pelo Cemitério de Perus, onde presos políticos assassinados na tortura eram enterrados com outros nomes e como indigentes durante o regime militar.

 

O Movimento Passe Livre é formado por gente jovem e em número reduzido, mas demonstrou maturidade, deixando claro que não precisa se declarar bolchevique ou leninista e nem contar com aparelhos sindicais ou partidários para comandar coletivamente a luta popular.

 

Em entrevista ao programa Roda Vida, da televisão Cultura, dois jovens integrantes do MPL disseram que o movimento tem inspiração socialista e não é contra a participação de partidos políticos de esquerda e suas bandeiras.

 

Os jovens do MPL sabem que o modo de produção socialista ainda não conseguiu se concretizar em nenhum lugar do mundo, mas dizem que mulheres e homens precisam sonhar, com a condição de acreditar nos seus sonhos.

 

Talvez essa meninada aguerrida seja simpática aos poemas de Geir Campos e pode estar aprendendo a “Morder o fruto amargo sem cuspir, mas avisar aos outros quanto é amargo; Cumprir o trato injusto sem falhar, mas avisar aos outros quanto é injusto; Sofrer o esquema falso e não ceder, mas avisar aos outros quanto é falso; dizer também que são coisas mutáveis... E quando em muitos a noção pulsar— do amargo e injusto e falso por mudar — então eles vão confiar à gente exausta o plano de um mundo novo e muito mais humano”.

 

Otto Filgueiras é jornalista.

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