Correio da Cidadania

As maiorias sociais saíram às ruas. E elas, às vezes, assustam

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Muitos militantes estão assustados com os cartazes e palavras de ordem conservadoras nos atos de rua por todo o Brasil. Os que já “acordaram” há tempos sonhavam com o dia em que as maiorias também “acordassem”. Elas “acordaram”, foram para onde as convidamos, as ruas, mas elas mostraram que não têm o rosto que idealizávamos.

 

Há anos, as organizações internacionalistas - que mantêm canais de diálogo com grupos na Europa e nos Estados Unidos - vêm avisando que o perfil da nova onda de protestos no mundo, como os Ocuppys e os Indignados, têm algumas características que agora estamos vendo com muita força no Brasil: a horizontalidade, o espontaneísmo, o rechaço aos partidos e aos mecanismos tradicionais de representação...

 

E agora vejo tanta gente assustada, em pânico (alguns até em surto!)... 

Por que estão surpresas? Começo a desconfiar que, ao ouvirem os relatos sobre os Indignados, deviam pensar: “os levantes nos países centrais tinham perfil autonomista, porque lá não tinha uma organização política porreta como a minha”... 

Erraram no diagnóstico. A crise de representação política é estrutural. A adaptação do PT – durante muitos anos o principal canal de representação política das reivindicações populares – contribuiu para esse fenômeno. Mas ela é muito mais profundo, diz respeito à reestruturação produtiva, que dificultou a organização popular onde ela tradicionalmente esteve ancorada: nos locais de trabalho.

 

No início das manifestações pela redução das tarifas, travamos uma imensa batalha contra a mídia corporativa sobre a legitimidade destas marchas. Vencemos esta batalha, e, como resultado, as maiorias sociais saíram às ruas. 

Grande parte dos que hoje participam das manifestações têm entre 16 e 24 anos. Jovens que nunca antes presenciaram uma manifestação de massas, que nunca participaram de uma luta coletiva, mas que encontram nas redes sociais uma forma alternativa de informação e organização (difusa e, tantas vezes, confusa).

As maiorias saíram às ruas mostrando a cara que elas têm. Expressam as posições majoritárias na sociedade. A redução da maioridade penal, por exemplo, ronda as pautas das manifestações. Mas alguém tem dúvida de que os movimentos de Direitos Humanos foram derrotados nos últimos embates sobre esta questão? E que as maiorias sociais de fato estão convencidas de que jogar mais gente no nosso sistema prisional falido vai resolver a violência urbana!? 

Erra quem pensa que essa é uma posição de nossa “classe média conservadora”. São posições que hoje são majoritárias nos mais diversos níveis de renda (curiosamente, é comum ver gente “progressista” de classe média dizer que isso é resultado da posição de renda das pessoas).

 

Por outro lado, as maiorias que têm se apresentado nas ruas também têm revelado que vencemos muitos embates que travamos na sociedade recentemente: ontem (20. 06.13), novamente, o grito “Fora Feliciano” ecoou pela Esplanada dos Ministérios, muitas vezes. Afirmar a liberdade sexual (a despeito dos preconceitos ainda majoritários) e rechaçar o fundamentalismo religioso, a direita fascista que realmente nos ameaça hoje, não é qualquer vitória.

 

Lá também estava expressa uma leitura crítica sobre os meios de comunicação corporativos: a catarse coletiva que costuma acontecer em qualquer evento social em que uma câmera e uma luz são ligadas foi, tantas vezes, abafada por uma sonora vaia e gritos de rechaço à grande mídia.

 

As maiorias também demonstraram terem entendido que a FIFA não é uma mera organizadora dos jogos. Mas que ela é uma lucrativa empresa privada que submete países inteiros aos seus interesses: enquanto ela fica com o lucro dos jogos, os Estados Nacionais ficam com as dívidas e a população com os impactos sociais: remoções, aumento das violações de direitos de crianças e adolescentes (sobretudo sexual), redução de investimentos em saúde e educação.

 

Mas a maior vitória de todas, sem dúvida, foi termos convencido as maiorias de que lutar vale a pena. Que é importante ocupar as ruas e construir ações coletivas. E é BASTANTE educativo que manifestantes de classe média sintam na pele como se dá a ação das polícias nas nossas periferias. É doloroso, mas é educativo.

 

A presença das maiorias desencadeou a ação dos que historicamente são invisibilizados na nossa sociedade: o pobretariado, o subproletariado, o lupem, os favelados (ou como quer que queiram chamá-los). Na cidade de São Paulo, moradores de rua, na esteira das mobilizações, promoveram pilhagens de lojas no centro da cidade. Enquanto isso, no Distrito Federal, moradores de diversas cidades de periferia, inclusive do entorno (GO), realizam manifestações e trancam ruas por mudanças no transporte coletivo. Portanto, uma ação que pode ter traços de barbárie ou de avanço organizativo.

 

Estamos diante de um processo complexo e cheio de contradições. A direita também está disputando o movimento para fazer com que ele tenha sua cara. Mas, no Brasil, os partidos de direita se desintegraram (na medida em que o governo petista lhes roubou o programa) e sua principal voz de representação é a mídia corporativa – que desistiu de criminalizar as manifestações e agora disputa de forma muito habilidosa os rumos das mobilizações. 

As linhas editoriais têm afirmado que as marchas são “contra tudo”, “contra a corrupção”, “pela democracia”. A ideia é transformar as pautas das manifestações em algo tão genérico que se possa esvaziá-las de qualquer conteúdo efetivo para uma mudança estrutural (e o tal dos Anonnymous embarcou nisso com tudo). No lugar da tarifa zero e a quebra da máfia dos transportes urbanos, a PEC 37 (uma pauta importante, mas que não arranha os poderes das grandes corporações). No lugar dos direitos dos removidos pela Copa, “corrupção como crime hediondo” (e por acaso algum corrupto irá preso se a corrupção se tornar hedionda?).

 

Para retirar o conteúdo quente das manifestações, a mídia corporativa cria um imaginário patriótico e que rejeita a participação de partidos de esquerda (porque os de direita não têm identidade com esse tipo de ato político). É claro que isso beira o fascismo. 

Mas está claro que muitos militantes caem na armadilha quando travam a presença de bandeiras como a luta principal neste momento. É importante denunciar essa ação fascistóide da mídia corporativa e tão reverberada nas massas. Mas a disputa central hoje é outra:

 

Qual a pauta do movimento e como ele se organizará?

 

Os movimentos sociais, dos mais diferentes tipos, precisam construir uma pauta mínima, objetiva, para as manifestações, que toquem em 5 pontos:

 

1 –Mobilidade urbana: tarifa zero, revisão dos contratos das empresas, estatização dos meios de transporte...

 

2 – Reforma Política: financiamento público exclusivo de campanha e plataforma dos movimentos sociais para a reforma política

 

3 – A luta contra o fundamentalismo religioso: não à cura gay, não à bolsa-estupro, sim ao casamento civil igualitário, sim à responsabilização do discurso de ódio.

 

4 – A afirmação dos direitos indígenas: não à PEC 215 que acaba com as demarcações de terras indígenas no Brasil.

 

5 – Democratização dos Meios de Comunicação.

 

E precisamos dar corpo para esse movimento, construindo seus espaços democráticos de debate e decisões políticas. Os Occupys, ao compartilharem o território, a praça, onde dividiam tarefas, faziam cineclubes, criavam referências, tiveram esse caráter de educação política.

 

Já começa a pipocar entre os manifestantes a pergunta: “E agora? Já colocamos milhares nas ruas, já sentamos no teto do Congresso, já ocupamos a paulista, já nacionalizamos os protestos... e agora?”.

O decisivo neste momento será se os movimentos sociais e a esquerda saberão responder a essa pergunta.

 

Leia também:

A direita espreita “nossas” marchas ou as maiorias entraram em movimento?

 

 

Eduardo d´Albergaria (Duda) é cientista social, especialista de Políticas Públicas (MPOG), militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa e membro do Diretório Nacional do PSOL.

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