Correio da Cidadania

Direito à Saúde e governo Dilma: nada a ver. O caso dos médicos cubanos

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Há cerca de um mês, a imprensa repercute notícias sobre medidas para facilitar a contratação de médicos estrangeiros para áreas de difícil fixação destes profissionais (como no interior do país). A medida mais polêmica diz respeito à iniciativa de contratar cerca de 6 mil médicos vindos de Cuba. Há dois tipos de reação mais comuns: os tradicionais donos do Brasil destilam argumentos reacionários e preconceituosos contra a proposta. No outro pólo, o governismo acrítico acredita que, finalmente, a presidenta encontrou a salvação definitiva para o problema. O Setorial de Saúde do Partido Socialismo e Liberdade quer discutir os possíveis desdobramentos deste pequeno e insuficiente avanço numa conjuntura de enormes ataques do governo Dilma ao SUS.

 

A existência de médicos estrangeiros não é incomum em outros países. Nos EUA, 27% do total de médicos atuantes são formados no exterior; no Reino Unido, 37%; quase metade dos residentes em Medicina de Família e Comunidade na Espanha é de fora da União Europeia. E o problema persiste: de acordo com a Association of American Medical Colleges, os EUA terão 63 mil médicos a menos do que precisam, em 2015 (http://www.nytimes.com/2012/07/29/health/policy/too-few-doctors-in-many-us-communities.html), e são acusados de “roubar” médicos dos países pobres (http://www.nytimes.com/2012/03/11/magazine/america-is-stealing-foreign-doctors.html?pagewanted=all&_r=0). Ainda assim, os EUA têm 2,4 médicos por mil habitantes, nível comparável ao de Reino Unido (2,7) e menor que o da Espanha (4). Cuba tem o melhor índice: 6,7. Em nosso país, a força de trabalho médica ainda é um luxo (1,8 médicos por mil habitantes), se comparado àqueles (dados do Banco Mundial http://data.worldbank.org/indicator/SH.MED.PHYS.ZS).

 

O Brasil é um país em que as diferenças entre classes ricas e classes pobres, estados ricos e estados pobres e entre cidades do interior e grandes cidades, são gritantes. Estas diferenças se expressam, por exemplo, na renda familiar, no consumo de alimentos saudáveis, no acesso à educação de qualidade, no tempo gasto para ir e voltar do trabalho e na existência de rede de esgoto. Os problemas de acesso a profissionais de saúde (o caso mais grave é dos médicos) e a medicamentos são uma expressão do país segregado em que vivemos. Como a situação de saúde do povo brasileiro é determinada por todos estes fatores, sabemos que apenas transformações profundas poderiam mudar radicalmente o cenário. Não é o que acontece no Brasil de hoje

 

Mesmo assim, uma medida que conseguisse paliar este problema seria digna de elogio. No entanto, o governo até o momento não fez nenhum anúncio oficial (http://www.cebes.org.br/internaEditoria.asp?idConteudo=4405&idSubCategoria=56), como, de resto, tem sido sua prática: negociar as grandes questões nacionais por debaixo dos panos, sem debate público. Exemplo é a proposta de mais isenções aos empresários da saúde.

 

Supondo que os rumores sejam verdade e que o governo Dilma resolva se contrapor ao conservadorismo das corporações médicas, seria de se apoiar a contratação de médicos formados em Cuba pelas seguintes razões: em primeiro lugar, pela qualidade da formação dos médicos, que desde o começo do curso estagiam em unidades de Saúde da Família e sabem que a saúde não é apenas prescrição de medicamentos ou realização de exames, mas embasam sua prática clínica na noção de que a vida social é que determina as condições de saúde de uma população. Por isso, são profissionais que, mais que curarem diarreia ou prescreverem remédios para hipertensão, trabalham na perspectiva do cuidado integral à saúde: tratamento, prevenção, reabilitação, promoção.

 

Em segundo lugar, o Brasil precisa beber desta vasta experiência. Cuba, mesmo sendo um país pobre, tem expectativa de vida, mortalidade infantil, mortalidade materna, e muitos outros indicadores melhores que os nossos e que o resto da América Latina, segundo a Organização Panamericana de Saúde  (http://new.paho.org/hq/index.php?option=com_content&task=view&id=2470&Itemid=2003). Em artigo recente publicado no “New England Journal of Medicine”, um dos mais importantes periódicos médicos no mundo, o sistema cubano foi bastante elogiado (conforme lembrou o médico Pedro Saraiva http://www.sul21.com.br/jornal/2013/05/a-questao-da-vinda-dos-medicos-cubanos-para-o-brasil/). Apenas a idiotia incurável da revista “Veja” é capaz de condenar os sensacionais avanços da saúde cubana desde o triunfo da revolução. Se considerarmos então o histórico de solidariedade internacional por parte de Cuba, e a atuação desses médicos em mais de 70 países, por mais de quatro décadas (frequentemente nas condições mais adversas), a virulência dos ataques fica ainda mais despropositada. Sendo assim, é de enorme irresponsabilidade condenar o alívio que seria para milhares de municípios, vilas, lugarejos, aldeias ou ribeiras, poder contar, muitos pela primeira vez, com profissionais médicos bem formados.

 

No entanto, os aspectos positivos desta suposta medida não devem aparentar ser mais importantes do que de fato são. A extrema concentração de médicos no setor privado cresce sem controle. De acordo com estudo do CFM publicado em 2011, há quatro vezes mais médicos no setor privado que no público, e entre 2002 e 2009 a diferença cresceu. Para piorar, o governo Dilma empreende ataques organizados aos marcos constitucionais do SUS e está colocando em risco a noção de direito à saúde construída pela Reforma Sanitária.

 

Assim, a escassez absoluta e relativa (referente às desigualdades regionais e entre o SUS e a saúde privada) da força de trabalho médica tende a crescer com o avanço da privatização feita pelo governo federal. Assim, a chegada dos médicos estrangeiros não apenas não irá resolver o problema, como ocorrerá em vigência de outro retrocesso político de Dilma: o sucateamento da Atenção Primária à Saúde (APS).

 

Todos os países com sistemas universais de saúde (como Cuba, Reino Unido, Espanha, Canadá, Portugal) centram sua organização na APS, que utiliza médicos generalistas. O governo Dilma rema no sentido contrário: investe em Unidades de Pronto-Atendimento, centra esforços em parte de cuidados especializados, medidas importantes, mas quando tomadas de forma isolada prejudicam o atendimento à saúde. Para piorar, suas “soluções de emergência” para o problema da APS, como o PROVAB, redundaram em estrondoso fracasso: muitos médicos desistem de trabalhar nas equipes de áreas mais carentes e distantes, pela absoluta falta de estrutura e apoio prometidos pelo Ministério da Saúde. A falta de médicos generalistas,  mais grave nas periferias, estados pobres e cidades pequenas, continua gritante.

 

Neste cenário, a precariedade é regra: cerca de 70% da força de trabalho do SUS trabalha sob contratos precários, sem garantia de recebimento de salários e direitos. E aqui reside outro problema que não tem solução pela vinda dos médicos estrangeiros: as deficiências da política brasileira de saúde ocorrem pela carência de todos os tipos de profissionais de saúde (não apenas médicos) no sistema público de saúde – caso curioso de perversidade à brasileira, já que há milhares de psicólogos, enfermeiras, fisioterapeutas, entre outros, desempregados.

 

Além disso, a contrarreforma universitária iniciada por FHC e continuada por Lula e Dilma deixou a formação da força de trabalho médica nas mãos dos empresários da saúde. Isto desvirtua o processo de formação de profissionais, que deveria ser na lógica do direito à saúde, passando a se dar nos marcos da ultramercantilização dos direitos sociais dos últimos anos. Esta tendência os médicos cubanos não têm capacidade de reverter.

 

Por fim, a suposta proposta do governo não muda a enorme desigualdade na distribuição de médicos em áreas chave como urgência/emergência ou cuidados especializados e de alta complexidade no SUS. Do contrário, as políticas de Dilma têm acentuado o caráter privatizado destes setores, que continuarão como gargalos no acesso aos serviços de saúde por parte da maioria do povo brasileiro.

 

Em suma, a vinda de médicos cubanos para trabalhar em áreas de difícil fixação tem valor. No entanto, como na maior parte das políticas sociais dos governos petistas, uma fachada “progressista” procura encobrir os retrocessos tremendos. Ao acenar com a possibilidade de amainar as carências históricas do povo brasileiro no acesso a serviços de saúde em uma conjuntura de ataques frontais ao SUS, o governo Dilma combina demagogia com privatização e quer convencer de que isto ajudaria na construção do direito à saúde.

 

A falta completa de perspectiva de uma política universalista de saúde no curto, médio e longo prazo atesta o profundo distanciamento deste governo com os movimentos que, no passado e no presente, sonharam e sonham com uma totalidade de mudanças em direção à emancipação do povo brasileiro.

 

A história de Cuba mostra que nas sociedades periféricas e de origem colonial, o protagonismo do povo foi decisivo para derrotar os interesses do imperialismo e dos negócios e privilégios nativos, inclusive no caso da saúde. No Brasil do lulismo, o paradigma da “inclusão via mercado” faz parte de uma conta que não fecha. O profundo mal-estar que experimenta o nosso povo no que tange a saúde é apenas uma faceta da bomba-relógio que os neoprivatistas ajudaram a armar. Que não será desmontada com a vinda de valorosos e valorosas colegas cubanos e cubanas.

 

Leia também:

Defender os médicos cubanos; denunciar as políticas de saúde no Brasil! (uma contribuição ao debate)


Os médicos Felipe Monte Cardoso, Bruna Ballarotti e Felipe Corneau, e Bernado Pilloto, técnico administrativo em educação, são membros do Setorial de Saúde do Partido Socialismo e Liberdade.

Comentários   

0 #2 Médicos...Daniela peres 12-07-2013 20:23
Que venham os estrangeiros. Afinal a culpa da má qualidade da saúde e exclusiva do medico brasileiro.
Abaixo esse corporativismo...que a meu ver, nesse caso significa união da classe...pois ainda e a única profissão que ainda há um respeito entre os colegas.
Parabéns aos nossos amigos, enfermeiros, dentistas, etc, que estão felizes com suas condições de trabalho e remuneração adequada, por isso nao se manifestam com essas arbitrariedades impostas pelo governo, afinal saúde e sus se resume a classe medica.
E também, acho que os médicos exigem muito, quando reivindicam salários melhores, estão lidando 'apenas' com a vida das suas mães, filhas, pais, esposas...nada tão importante que nao tenha preço. Na realidade, salário justo e aquele que nossos políticos recebem, jogadores, sub-celebridades....cambada de medico bobo, acham que estudar seis anos, ops, oito anos, fazer residência, pôs graduação e que da trabalho...imagina...trabalho mesmo e desviar verba e usar jatinho da FÁB para ir em casamento. Alias uma coisa que nao entendo...dona Dilmaa, ou melhor 'presidenta' você deveria ser mais sensata...pq obrigar recem formados em medicina a trabalhar para a senhora por salários abaixo do mercado, se você pode fazer isso com os recem formados de todas as profissões? Imagina que delicia...advogado, engenheiro, economista, professores...já pensou na economia? E ainda nem precisa perguntar, pode baixar a lei aí, pois se estão batendo palmas pelo seu desrespeito com a classe medica, provavelmente aprovariam se fosse com eles.
Acho que pode até ser que esses estrangeiros ajudem...tirem a sobrecarga de pacientes que medicos do SUS atendem todos os dias, talvez a partir dai eu e meu paciente tenhamos direito de uma consulta de 30 minutos. Mas minha senhora, nao me venha com cotas de exames, vou pedir o que eu achar que devo para o meu paciente, mais uma vez, e direito meu e dele. Nao me venha regular 'mixaria' pois segundo a senhora o problema e a falta de medico...
E também nao va regular remédio, e direito dele, ouviu bem,direito, pegar a medicação que consta no programa do governo, nao e dever meu comprar remédio para ele por nao agüentar mais o sofrimento dele....que há 1 ano aguarda a realização de uma colonoscopia, por suspeita de câncer, mais a senhora, a senhora mesmo nao liberou pq e caro...talvez a vaga saia para o neto dele neh....
E saiba bem....me formei por amor a profissão, sempre trabalhei em equipe, e por tudo que vejo, digo basta. Chega de ser sua cumplice. Nao te quero mais como chefe. A medicina humanitária que aprendi a fazer, que veio de berço, vou praticar sem sua ajuda...
Dizem que nao há cidadão apolitico, mas se política e isso que vc e sua corja praticam, muito obrigada, nao quero. Para mim nao resolve 'cobrir' um santo e destampar outro. Vocês nao se preocupam com o povo, com a educação, as escolas parecem presídios, cheios de marginais e drogas...nao se reprova mais, por isso temos profissionais, de todas as áreas menos qualificados. Vaga em faculdade publica e escassa, concorrida....com isso em qlqer esquina tem faculdade particular emitindo diploma .
A atenção esta desviada....parabéns querido padilha, vc foi ótimo como ministro, vale muito bem o que recebe...
Esquecemos da educação, da inflação, da corrupção e agora, o medico que ganha muito, nao e o salário mínimo que e uma vergonha. Vcs estão convidados a ir ao supermercado fazer compra de um mês, comprar verduras, frutas e carne e sobrar dinheiro para o restante. A tal. Já estava esquecendo, e claro que da...com o bolsa família, da até para fazer uma poupança pros 5 filhos.
Sem mais para o momento...reflitamos nossos valores, nossos deveres e nossos direitos. Somos um pais subdesenvolvido nao e atoa, e garanto que a culpa nao e so do medico.
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0 #1 Médicos CubanosADENICIO 02-06-2013 22:12
A possível vinda dos médicos cubanos para atuarem no Brasil, em lugares que nossos médicos não querem estar, é uma oportunidade para nós brasileiros debatermos as carências na Saúde Pública Brasileira e de muitas outras. O fato serve para chamar a atenção para a delicada situação que nos encontramos e sugiro que, para conseguirmos alguma mudança, não será conquistada com um trio elétrico ou num campeonato mundial de futebol, mas com participação dos eleitores na efetiva cobrança dos seus representantes. Cobrança no sentido de investimentos com a mesma agilidade que se deu na construção de estádios para a Copa das Confederações em 2013 e do Mundo em 2014, cobrança no sentido de se estruturar o pais com a mesma desenvoltura que organizamos os carnavais, porque não voltamos nossas atenções para os problemas que verdadeiramente nos afligem, como a saúde, educação, infra-estrutura, segurança pública,crescimento, distribuição de renda, reforma política, fiscal e penal, e tantos outros relevantes assuntos que são cruciais para sairmos deste quadro que aflige toda população. A vinda dos médicos é louvável, mas não terá que ser medida em si só, nem resolverá o problema dos que morrem por falta de atendimento em todo o pais,há que se tomar outras medidas, investimento na saúde como um todo, incentivo para a formação de médicos, hospitais aparelhados que disponham de estrutura adequada para o atendimento. O país precisa das reformas como um todo,pois estão interligadas, precisamos investir no crescimento econômico, para isso precisamos de inflaestrutura,que não será conseguida sem a reforma fiscal, e sem educação decente, nenhum país cresce ou forma profissionais suficientes. Mas para as Reformas acontecerem, é necessário nossa fiscalização e cobrança aos detentores dos mandatos que delegamos, senão ficaremos sempre os vendo atuar, no que interessa as grandes empresas e não ao cidadão comum, como no caso da construção recorde de estádios. Enquanto faltam hospitais, médicos, etc...É nítida a falta de uma política adequada e a falta de participação da população que não impugna tais políticas, mas endossa comprando ingressos caríssimos. Não quero dizer que sou contra tais eventos, pois o país traz divisas turísticas, quero dizer que se tivermos essa mesma vontade política, dá para construir as Reformas necessárias para que o país saia o mais rápido possível dos quadros de miséria e pobreza que o levam a falta de saúde, de educação, de segurança pública,infra estrutura, desenvolvimento e crescimento necessários, para colocar-se entre os países de maior IDH, Índice de Deselvolvimento Humano, do mundo.
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