Correio da Cidadania

Em solidariedade aos moradores de rua: comentando a nota da CNBB

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Como foi amplamente divulgado na mídia – local, nacional e até internacional – em Goiânia (GO) e na grande Goiânia, de agosto de 2012 a abril deste ano, foram brutalmente assassinados 30 moradores em situação de rua, dos quais a grande maioria é de jovens, inclusive uma criança de 11 anos.

 

Por causa da alarmante sequência de assassinatos, que denota um grupo de extermínio, a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB e o Regional Centro-Oeste da CNBB e a Arquidiocese de Goiânia - reunidos na 51ª Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida (SP) - divulgaram uma “Nota de solidariedade aos Moradores em situação de Rua”, na qual “manifestam seu repúdio ao extermínio da população em situação de rua, que vem ocorrendo em Goiânia-GO e na Grande Goiânia”.

 

Diante dessa “condenável situação” - como eles mesmos afirmam -, os bispos solicitam:

 

“1. Que os poderes públicos municipal, estadual e federal tomem medidas urgentes que eliminem esta situação de violência e restabeleçam a paz e segurança aos moradores de rua;

 

2. Que as mortes dos moradores em situação de rua sejam investigadas e federalizadas imediatamente;

 

3. Que sejam tornados públicos os resultados das investigações, com sua ampla divulgação na mídia;

 

4. Que os responsáveis sejam processados, julgados e condenados com rigor e rapidez;

 

5. Que o estado de Goiás e a prefeitura de Goiânia se responsabilizem efetivamente pelas mortes dos moradores em situação de rua e se comprometam em auxiliar os familiares das vítimas;

 

6. Que sejam criados, em caráter emergencial, espaços físicos que ofereçam alimentação, dormitório e, sobretudo, segurança aos moradores em situação de rua;

 

7. Que se criem políticas públicas de inclusão social dos moradores em situação de rua, devolvendo-lhes a dignidade humana roubada e ferida e os tire dessa situação degradante”.

 

Os bispos lamentam também “que casos como o de Goiânia se repitam em outras partes do país”. Conclamam “os gestores públicos que promovam a justiça e o fim do extermínio de tantas pessoas humanas que, como todo povo brasileiro, merecem viver e conviver com dignidade”.

 

Enfim, esperam que o seu pedido “seja atendido” e “que a paz volte a reinar neste chão”. Terminam a Nota invocando “a bênção de Deus sobre todos os seus filhos e filhas”.

 

A Nota foi divulgada no dia 17 deste mês de abril e é assinada pelo presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, Dom Guilherme Werlang (e mais cinco bispos, membros da Comissão), pelo presidente do Regional Centro-Oeste da CNBB, Dom José Luiz Majella Delgado, e pelo Arcebispo Metropolitano de Goiânia, Dom Washington Cruz.

 

Uma das solicitações da CNBB é: “que as mortes dos moradores em situação de rua sejam investigadas e federalizadas imediatamente”. Por coincidência, no mesmo dia em que a nota foi divulgada, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, formalizou o requerimento para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) peça ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a transferência, da esfera estadual para a federal, da competência para apurar e julgar uma série de crimes ocorridos na região metropolitana de Goiânia. O procurador-geral, Roberto Gurgel, decidiu pelo encaminhamento do pedido ao STJ.

 

A ministra entregou a solicitação por considerar que as instituições do Estado se encontram, em muitos sentidos, restritas na apuração das responsabilidades das mortes das pessoas em situação de rua. Destacando a “gravidade” da situação, Maria do Rosário declarou: “constatamos a morosidade (na apuração) dos inquéritos, (incluindo) os que têm policiais envolvidos e que não têm andamento, ficando parados, ou que a denúncia não ocorre”.

 

A ministra explicou que fundamentou o pedido a partir de dois casos envolvendo três vítimas e que, segundo ela, contêm indícios de não estarem relacionados a rixas motivadas por drogas, como sustentam autoridades estaduais. “Escolhemos esses casos - disse Maria do Rosário - com base na impunidade que eles representam. Há uma responsabilidade federal e o Estado precisa agir antes que sejamos denunciados a Cortes Internacionais de Direitos Humanos”.

 

Em 22 de novembro de 2012, o Conselho Nacional entregou ao governador de Goiás, Marconi Perillo, uma série de recomendações para que os casos dos assassinatos dos moradores em situação de rua fossem esclarecidos. “As medidas - afirmou ainda a ministra - não foram adotadas. De lá para cá, tivemos ainda um acúmulo de mortes muito grande, principalmente da população em situação de rua. Não buscamos como primeira medida o deslocamento de competência, mas, diante das dificuldades do Estado, da inoperância e do fato de que nenhum dos indicados como responsáveis por vários crimes foi responsabilizado, agora estamos solicitando o deslocamento de competência. Quem sabe se tivéssemos agido no primeiro caso, talvez essas outras vidas tivessem sido poupadas” (http://portal.sdh.gov.br/clientes/sedh/sedh/2013/04/17-abr-13-ministra-oficializa-pedido-a-pgr-para-federalizacao-de-crimes-ocorridos-em-goias).

 

Esperamos que, diante dessa realidade, o STJ tome, em caráter de urgência, as medidas necessárias para que seja dado um “basta” a esses assassinatos, que são uma gravíssima violação dos Direitos Humanos e uma verdadeira barbárie.

 

Além da elucidação dos crimes cometidos e do julgamento dos responsáveis, uma questão de justiça, é preciso também que o governo - municipal, estadual e federal - assuma, como prioridade absoluta, a implementação de políticas públicas, nas quais os moradores em situação de rua não sejam meros objetos da ação assistencial e/ou caritativa, mas sejam sobretudo sujeitos e protagonistas de sua própria história. É o que todos e todas almejamos. Lutemos para que isso aconteça!

 

 

Fr. Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), é professor aposentado de Filosofia da UFG.

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