Correio da Cidadania

Obama, embaixador de Israel

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“Obama conquistou nossos corações e mentes”. Esta frase repetida várias vezes pela televisão israelense sintetiza o principal resultado da viagem do presidente americano a Israel.

 

Não há dúvida de que ele conseguiu atingir plenamente o objetivo de recuperar sua imagem desgastada com os israelenses, além de deixar Netanyahu babando de emoção.

 

Nas suas diversas apresentações, ele disse tudo o que o povo de lá gostaria de ouvir. E de uma forma rica em imagens e frases emotivas, num estilo do melhor Obama.

 

Juras de amor foram prodigalizadas, garantias de amizade e apoio incondicional e irrestrito dos

EUA ao seu grande e especial aliado.

 

Quanto a Netanyahu, certamente foi tocado pelas intensas demonstrações de amizade. E de carinho. Basta dizer que, na noite anterior à viagem a Ramallah, Obama o chamou pelo seu apelido, Bibi, nada menos do que 10 vezes numa única hora.

 

Coisas assim tornaram o tour do presidente estadunidense um show memorável, que inundou de felicidade o íntimo dos israelenses.

 

No entanto, muito mais importante para Israel foi a ação de Obama na defesa dos seus interesses, desenvolvida durante a reunião com os líderes palestinos, em Ramallah.

 

Eles esperavam por essa reunião ainda com muitas esperanças. Em Tel-aviv, Obama prometera tudo a Israel.

 

Chegara a vez de a Palestina ser contemplada, pois, até então, nada de novo recebera. Falar a favor de um Estado palestino independente era pouco.

 

Afinal, trata-se de uma causa que todo presidente americano vem defendendo (até Bush).

Propô-la em Israel não era exatamente ousado.

 

Praticamente todas as forças políticas israelenses, com exceção de alguns ultra-radicais de direita, concordavam com a solução dos dois países independentes na Palestina.

 

O próprio Bibi dizia-se favorável. E o povo israelense também. Pesquisa da Smith Research, publicada em dezembro de 2012, mostrava que 62% pensavam assim.

 

É claro que o Estado palestino que a maioria dos israelenses admite não é o desejado pela população árabe. E a diferença está nos assentamentos.

 

Pelos acordos de Oslo, em 1993, foi criado um plano (com aprovação de Israel) que levaria gradualmente à independência da Palestina.

 

O território da Cisjordânia (futuro Estado palestino) foi dividido em três áreas: A, com administração e segurança a cargo da Autoridade Palestina; B, administração palestina e segurança pelo exército de Israel; e C, com administração e segurança por Israel.

 

A área C, a maior de todas, com 60% da superfície da Cisjordânia, faz fronteira com o Estado de Israel. É lá que se concentram os assentamentos.

 

Depois de Oslo, o governo de Tel-aviv iniciou uma expansão acelerada dos assentamentos judaicos na Cisjordânia, cuja população aumentou de 200 mil para 600 mil habitantes, atualmente.

 

Segundo recente relatório da União Europeia, trata-se de uma política cuidadosamente elaborada com o fim de bloquear o Estado palestino e tornar a Cisjordânia parte do Estado judaico, “promovendo uma anexação não-declarada”.

 

De fato, embora aceitando conceder independência à Palestina, tanto Netanyahu quanto os líderes de quase todos os partidos não aceitam entregar os territórios dos assentamentos.

 

Nem mesmo interromper a criação de novos projetos, pois através deles vão tomando os territórios da área C e aumentando a população judaica da região. É a “anexação não- declarada” de que fala o relatório europeu.

 

Quanto mais assentamentos forem construídos, mais difícil será para os palestinos conseguirem um acordo de paz justo.

 

Que garanta uma Palestina independente, negociada com base nas fronteiras de 1967, antes de Israel conquistar a Cisjordânia.

 

Netanyahu, ou algum dos seus sucessores, poderá alegar as imensas dificuldades de remover centenas de milhares de judeus dos assentamentos para serem realocados em Israel.

 

Haverá um custo excessivamente alto, sem falar que a multidão dos judeus assentados não iria aceitar passivamente abandonar seus lares. Haveria provavelmente uma verdadeira revolta, difícil de ser controlada.

 

E quanto maior for a população dos assentamentos, mais forte será sua revolta, com prováveis apoios em Israel e nos próprios EUA.

 

Por isso mesmo, a Autoridade Palestina condiciona sua participação em negociações de paz à interrupção da expansão dos assentamentos.

 

Que parem de crescer agora para não agravar ainda mais o problema que se desenha como inevitável.

 

No passado, Obama apoiava essa pré-condição dos palestinos. Em 2009, exerceu forte pressão sobre Netanyahu para que ele aceitasse um stop na sua expansão.

 

No seu recente tour, é verdade que ele desaprovou os assentamentos. Mas de maneira extremamente vaga.

 

Em vez de fazer condenações, ele apenas declarou: “Nós não consideramos que a contínua expansão de assentamentos seja construtiva, seja apropriada, seja algo que possa avançar a causa da paz”.

 

Ficou bem aquém dos europeus, cujo recente relatório sobre a questão qualificou os assentamentos como “ilegais sob a lei internacional e um obstáculo à paz”.

 

Chamar um pecado mortal de venial representa um claro recuo em relação à firme posição anti-assentamentos do Obama modelo 2009, quando ele ainda pensava em cumprir o que prometera na campanha eleitoral.

 

Há quem argumente que seria demais Obama dar o nome aos bois, mostrar os malefícios dos assentamentos em pleno Israel.

 

Talvez, embora as últimas pesquisas mostrem que exatamente metade da população é contra eles.

 

De qualquer maneira, Obama não precisaria ficar praticamente em cima do muro, dizendo apenas que os assentamentos “não contribuíam para a paz”, quando, na verdade, a impossibilitam.

 

Desse modo, Obama coloca os assentamentos como algo neutro, não ilegal, injusto e antídoto da paz.

 

Mas, não foi só nisso que Obama desapontou os palestinos. Na reunião de Ramallah, ele criticou o presidente da Autoridade Palestina por insistir num congelamento dos assentamentos como pré-condição das negociações de paz.

 

Chamou essa insistência de “irritante”. E disse: “Se cada parte está constantemente negociando sobre o que é exigido para iniciar as negociações de paz, então nunca chegaremos à questão principal que é, na verdade, como estruturar um Estado da Palestina”.

 

Obedecendo à voz de comando do líder estadunidense, as negociações precisariam ser rapidíssimas. Do contrário, com o avanço impiedoso dos assentamentos, restaria muito pouco território palestino para ser estruturado...

 

Assombrado com esta reviravolta, Abbas ponderou: “Não é só pela nossa perspectiva que os assentamentos são ilegais. O Conselho de Segurança da ONU já emitiu 13 resoluções condenando os assentamentos e solicitando que Israel os removesse”.

 

Não adiantou nada. Obama mostrou-se inamovível. Novas surpresas desagradáveis aguardavam Abbas.

 

A aprovação da Palestina como Estado não-membro da ONU lhe deu poderes para processar Israel no Tribunal Criminal Internacional (ICC).

 

Motivos não faltam: o massacre da Flotilha da Liberdade, o tratamento desumano dos menores presos, o bombardeio de zonas civis em Gaza e , principalmente, os assentamentos.

 

Depois da puxada de orelhas que Obama lhe ministrou, Abbas, segundo o jornal Asharq Al-

Awsat, baseado em Londres, informou que esperaria dois meses antes de processar Israel no ICC.

 

É o tempo que ele julgava suficiente para Obama convencer Bibi a parar de abrir novos assentamentos antes do início das negociações de paz.

 

No entanto, se Bibi começasse a construir na zona E1, no assentamento de Ma´aleh Admin, ele recorreria ao ICC imediatamente.

 

A zona E1 localiza-se entre Jerusalém Oriental, que os palestinos querem como capital do futuro Estado independente, e a Cisjordânia.

 

Caso se concretizem os planos de construção israelense na E1, o Estado palestino será dividido em dois e, de acordo com o relatório europeu citado acima, “fará com que a realização da solução dos dois Estados viáveis fique muito difícil, se não impossível”.

 

Portanto, é da maior importância para os interesses palestinos que nada se construa na zona E1.

Também isso não comoveu Obama

 

Segundo o jornal Times of Israel ele pressionou Abbas, reiterando que não processasse Israel no ICC “seja qual for o motivo”, inclusive a execução do projeto dos assentamentos na área E1.

 

Ou seja: quer que os palestinos renunciem ao uso da única arma de que dispõem para se defenderem da ocupação israelense.

 

E devem se abster “seja qual for o motivo”, dando uma licença total e irrestrita para Israel fazer o que bem entender contra o povo árabe.

 

Seria uma licença tipo 007 para matar, no caso o sonho da Palestina Independente. Nunca, em tempo algum, qualquer presidente dos EUA, nem mesmo Bush, defendeu tanto os interesses israelenses em detrimento dos interesses palestinos.

 

E até dos interesses estadunidenses. O almirante Mullen, quando chefe do Estado-Maior conjunto das forças armadas, e o vice-presidente, Joe Biden, afirmaram que as ações de Israel contra os palestinos estavam pondo em risco os soldados no Afeganistão e no Iraque.

 

Outras autoridades estadunidenses pronunciaram-se no mesmo sentido já que o apoio dos EUA às violências de Israel na Palestina estava enfurecendo os jovens árabes e os estimulando a engrossar as hostes da Al Qaeda e dos talibãs, fortalecendo seus ataques às forças norte-americanas.

 

E não apenas isso. Todas as pesquisas mostram queda do prestígio dos EUA, o que, evidentemente, não é nada bom para a política da Casa Branca.

 

Nesta esperada visita de Obama à Palestina, Obama atuou como um verdadeiro embaixador de Israel.

 

Pressionou os palestinos para que desistissem de pedir o congelamento dos assentamentos para se sentarem à mesa das negociações, exatamente como Netanyahu vem defendendo.

 

Procurou forçar a Autoridade Palestina a desistir de usar seu único recurso para combater os avanços dos assentamentos na suas terras, além de outras violações dos direitos humanos. Em outras palavras: defendeu o direito de Israel rejeitar as leis internacionais, na sua política de opressão dos palestinos, pela renúncia dos palestinos à sua única forma de defesa.

 

E agindo assim, como um braço da política externa israelense, tomou decididamente seu partido na disputa com os palestinos, mesmo ao custo de prejudicar as desejáveis boas relações da Casa Branca com o mundo árabe.

 

A pergunta que fica é: por quê? Uma resposta plausível é: cedeu aos lobbies israelense e militar nos EUA, e mesmo ao governo Netanyahu, muito influentes no Congresso, até  junto aos democratas, para conseguir boa vontade nas questões políticas internas.

 

Na elaboração do novo orçamento, é muito importante para o presidente que os representantes e senadores aceitem menos cortes nas áreas sociais e impostos mais pesados sobre os ricos.

 

A outra plausibilidade é que Obama quis reconquistar o apoio do povo de Israel e amaciar Bibi e aliados para que aceitem condições mais justas nas negociações de uma Palestina independente e viável.

 

Que poderia consistir numa concessão para os palestinos aceitarem sentar logo à mesa de negociações: um congelamento apenas parcial dos assentamentos.

 

Mas esta eventualidade já foi desde logo rejeitada pela direção da Autoridade Palestina.

Por sua vez, não se espere encontrar em Netanyahu disposições favoráveis. Como a Europa advertiu, ele está engajado num plano de invasão e ocupação contínua das térreas palestinas pelos assentamentos até que sobre uma área mínima, onde um novo Estado não teria viabilidade.

 

O primeiro-ministro israelense não tem por que desistir de um plano que vem dando certo.

De qualquer forma, o Secretário do exterior, John Kerry, já iniciou debates em Israel e na Palestina.

 

Seja para abrandar Netanyahu, seja para forçar os palestinos a fazerem concessões. Se sua missão fracassar, só restará a Obama duas opções:

 

a) Omitir-se de uma vez, deixando Bibi à vontade para continuar a ocupação da Cisjordânia; b) ou fazer valer a dependência de Israel a seu país.

 

Dos EUA todos os anos vêm para Israel mais de 3 bilhões de dólares nos mais modernos armamentos e total apoio para impedir sanções na ONU e outros organismos internacionais.

 

Na verdade, Obama tem a faca e o queijo na mão para resolver a questão palestina. Só não tem tido coragem ou força para cortar de modo correto.

 

 

Leia também:

Obama em Israel: missão de paz ou agradinhos

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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