Correio da Cidadania

Obama em Israel: missão de paz ou agradinhos

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Pouco depois de sua posse, o Secretário de Estado dos EUA, Chuck Hagel, em reunião com o ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, declarou que a ajuda a Israel não seria reduzida pelo corte de despesas que atingirá todo o orçamento.

 

Nota-se que todos os programas sociais do governo, que Obama prometeu manter intactos durante a campanha, não gozam da mesma vantagem.

 

Os EUA reagiram furiosamente, quando se anunciou na semana passada a discussão na ONU do problema dos assentamentos. Ela deverá se basear num relatório sobre a decisão israelense de ampliar constantemente essas “anexações disfarçadas”.

 

Como se sabe, construir assentamentos em território ocupado é ilegal de acordo com as leis internacionais. Isso não impediu o embaixador estadunidense de acusar a provável condenação dos assentamentos como prova de um viés contra Israel por parte da ONU.

 

Poucos dias antes, o presidente Obama assegurou, em entrevista à TV israelense, que dava um ano para os iranianos construírem sua primeira bomba atômica. Mas os EUA evitariam que isso acontecesse, intervindo evidentemente bem antes. Claro, por meios diplomáticos de preferência, sem excluir outros caminhos mais violentos.

 

Reforçou mais ou menos o que declarou o general John Mattis, comandante das Forças Armadas dos EUA. Para esse cabo de guerra, as sanções haviam falhado, mas, além dos ataques militares, eles teriam “outros recursos” para resolver o impasse.

 

Várias altas autoridades do Departamento de Estado, inclusive o Secretário John Kerry, manifestaram-se de modo igualmente negativo.

 

Tudo isso é muito estranho, considerando que todos os participantes da última reunião dos P5+1 com o Irã saíram bastante satisfeitos e otimistas.

 

Estranho também foi o fato de Obama e seu pessoal desconsiderarem totalmente o depoimento do seu chefe nacional de inteligência, James Clapper, para quem o Irã não tem programa militar nuclear.

 

Portanto, a menos que mude de ideia, não terá a “bomba A” nem daqui a um ano, nem nunca.

 

A estranheza continuou quando se soube que, nas reuniões de experts dos P+5 e do Irã para detalhar as decisões gerais tomadas na reunião dos representantes desses países, as coisas mudaram.

 

As exigências do Ocidente aumentaram. Não basta agora uma paralisação temporária do enriquecimento do urânio a 20%, permitindo sua continuação posterior em níveis apenas suficientes para Teerã abastecer seu reator de pesquisas. O que manteria os estoques desse tipo de urânio longe do necessário para a produção de uma bomba A.

 

Querem agora paralisação total. Em troca, o Ocidente permitiria o comércio internacional iraniano usando ouro como moeda de pagamento e um certo relaxamento nas sanções: o Irã poderia importar medicamentos e exportar alguns produtos petroquímicos.

 

Mas, a proibição do comércio de petróleo iraniano e do uso dos bancos internacionais nas operações financeiras de exportação/importação – que é o importante – continuariam proibidas até Deus sabe quando. Todas essas posições absolutamente injustas podem ser interpretadas de dois modos:

 

a) a política externa de Obama não mudou. Continua sujeito aos interesses de Israel e do War Party;

 

b) fazem parte de um processo cujo objetivo é criar boa vontade do governo de Israel para receber favoravelmente a proposta de Obama de implementar as negociações com os palestinos, dentro da solução dos “dois Estados independentes”.

 

Em conversas com jornalistas, autoridades estadunidenses e israelenses afirmam que a viagem de Obama a Palestina tem por fim apenas quebrar o gelo entre ele e Netanyahu.

 

Netanyahu teria ficado agastado quando o presidente, em 2010, afirmou que a paz na Palestina era urgente e o novo Estado deveria ser criado nas fronteiras de 1967.

 

Isso fez com que Bibi voasse imediatamente para Washington, onde fez, na Câmara dos Representantes, um discurso violento contra a proposta de Obama.

 

Nas últimas eleições presidenciais dos EUA, Bibi deu o troco, dando um apoio mal disfarçado ao candidato republicano Romney.

 

Pessoalmente, os dois não devem ser exatamente grandes amigos. Mas a “ligação especial” entre os EUA e Israel não foi prejudicada com essa malquerença recíproca.

 

Como Obama alardeou muitas vezes, e foi confirmado por ministros israelenses, nunca nenhum presidente estadunidense deu tanto apoio a Israel.

 

Na ONU, os EUA seguem bloqueando toda e qualquer iniciativa contra o governo de Tel-aviv. E não vamos esquecer a sua oposição apaixonada à entrada da Palestina na ONU, como Estado não-membro, e na UNESCO, como membro integral, o que lhes causou problemas com países árabes aliados.

 

Portanto, o fato de Bibi e Obama não gostarem do mesmo tipo de uísque não prejudica o apoio maternal dos EUA a Israel.

 

Enquanto seus representantes falam em descongelar a relação Bibi-Obama, a Casa Branca, oficialmente, informa que o objetivo da viagem é “uma chance de Obama se conectar com o povo israelense”.

 

De fato, apesar das inúmeras mercês que o governo democrata tem derramado sobre Israel, segundo recente pesquisa, apenas 10% da população tem uma atitude positiva em relação ao presidente dos EUA; 17% chegam a odiá-lo.

 

Seria uma ingratidão fora de qualquer base? Ou o “povo eleito” desejaria ainda mais. Talvez que os EUA bombardeassem o Irã, atacassem o Hizbollah e reduzissem Gaza a cinzas?

 

Nada disso. Na verdade, assim como o povo estadunidense sofre uma lavagem cerebral por parte da grande mídia e dos políticos, jogando-os contra palestinos e iranianos, também os israelenses são submetidos ao mesmo processo.

 

Só que mídia e políticos de Israel promovem a ideia de que árabes e iranianos são bárbaros, que querem destruir Israel, e Obama é um traidor, pois se recusa a dar um fim nessa gente.

 

Recuperar seu prestígio junto ao povo judeu é algo que Obama pode conseguir, pois é um líder extremamente carismático. A dúvida que existe é: para quê?

 

Pode ser para ganhar pontos junto ao Israel, First, um grupo de políticos e empresários judeu-americanos, com grande força no Congresso e no Partido Republicano. E conseguir menções favoráveis na grande mídia, em grande parte favorável aos interesses de Tel-aviv.

 

Tudo isso poderia refletir-se num abrandamento das exigências dos republicanos na discussão do orçamento federal, a principal preocupação presidencial no momento.

 

Quanto à esperada mudança, que muitos julgavam estar sendo iniciada com a nomeação de Hagel e mesmo de Kerry, seria mais uma esperança perdida de um governo fértil nesse tipo de coisas.

 

Mas há também a interpretação otimista dos objetivos da viagem à Palestina. Lembro que a Casa Branca informou que a viagem de Obama seria também para ouvir os dois lados.

 

Não seria o primeiro passo para procurar harmonizar os interesses na busca de um ponto comum a fim de se iniciar o processo de paz?

 

O deputado independente Mustafa Barghouti entendeu assim: “a questão não é ouvir, mas sentir a realidade da situação e lidar com ela. A passividade dos EUA é perigosa num momento em que toda a solução dos dois estados está a perigo. A passividade é inaceitável”.

 

Tem suas razões, Obama já ouviu todos os argumentos sobre a questão. O mais recente, porém, talvez não tenha sido ainda devidamente analisado. É absolutamente diferente, pois favorece a independência da Palestina segundo interesses de Israel.

 

Ele baseia-se num estudo da Hebrew University, mostrando que hoje só a metade da população de Israel, Cisjordânia e Jerusalém é de judeus.

 

Daniel Abraham, um judeu-americano bilionário, fundador do Center Four Middle East Peace, em Washington, escreveu no The Atlantic: “Obama deveria perceber que a contínua presença de Israel na Margem Oeste (Cisjordânia) é uma ameaça a sua continuidade como Estado judeu e democrático. E o tempo não está a seu favor. Agora – não daqui a 10 anos, mas agora – apenas 50% das pessoas que vivem no Estado judeu e na Cisjordânia ocupada são judaicas. O assustador ponto crítico – que os defensores da solução dos dois Estados vêm advertindo há anos – finalmente chegou”.

 

Em breve os atuais 50% de não-judeus serão mais, pois os árabes têm um índice de natalidade bem maior. Os judeus ultra-ortodoxos e extremistas de direita têm uma solução: a gradual restrição da cidadania aos não-judeus.

 

A ONU não teria como deixar de votar sanções pesadas como as que aplicou na África do Sul e causaram a queda do regime de apartheid.

 

Os próprios EUA não poderiam vetar, sob pena de o partido do presidente perder os votos dos negros do país. Os árabes e outros gentios ameaçando superar a população judaica da Palestina passam a ser um argumento poderoso em favor das negociações e da solução dos dois Estados.

 

É preciso também considerar que nos últimos meses crescem as condenações aos assentamentos. A Comunidade Europeia acabou de exigir de forma inusitadamente dura que Israel pare de promover novos assentamentos, citando a proibição das leis internacionais.

 

O sentido dessa viagem de Obama seria levantar tais pontos junto a Netanyahu, salientando a necessidade de se resolver a questão, inclusive no interesse de Israel.

 

Para Abbas, ele pediria calma e mais um pouco de paciência, o que seria desnecessário, pois o presidente da Autoridade Palestina joga todas as suas fichas na ação de Obama, por mais passiva que ela tenha sido nos últimos anos.

 

Para ele, só negociações resolvem. E Abbas limita-se periodicamente a fazer apelos por elas, cada vez ameaçando que seria sua última tentativa...

 

Seria a visita de Obama o prelúdio das tão aguardadas negociações e da esperada solução dos dois Estados que viria com elas?

 

É até possível. Lembremos que em janeiro John Kerry, o Secretário de Estado, avisou os senadores de que as chances da solução dos dois Estados – palestino e israelense – estavam diminuindo. E acrescentou que as possibilidades de dar certo poderiam acabar, “o que seria desastroso, segundo meu julgamento”.

 

Foi anunciado que no fim de semana seguinte à viagem de Obama, Kerry chegaria na Palestina para tentar entrar em contacto com as partes, visando tratar da paz.

 

Trata-se de uma reunião extraordinária, pois Kerry tinha programado viajar para a reunião somente em abril. É um indício de que os objetivos da Casa Branca sejam mais ambiciosos do que os declarados; depois da oratória de Obama melhorar sua imagem junto ao povo israelense, amaciar Netanyahu e animar Abbas, Kerry entraria em ação.

 

Caberia a ele o papel principal nessa peça diplomática, convencendo Israel a ser razoável. Não será nada fácil. Abbas exige que Israel pare de criar novos assentamentos como condição para se sentar à mesa de negociações.

Netanyahu já jurou que jamais fará isso. Mas é político, pode voltar atrás.

 

Encontrará uma barreira em Avigdor Lieberman, que aguarda safar-se de um processo criminal para assumir o Ministério das Relações Exteriores. Ele garantiu que bloqueará qualquer decisão anti-assentamentos.

 

E outro ministro, Naftali Benet, chefe do partido “Lar Judeu”, afirma que os territórios ocupados foram dados aos judeus por Deus e nunca poderão ser entregues aos palestinos. Seria, no mínimo, uma descortesia para com o doador.

 

Se Obama viaja possivelmente para conseguir alguma coisa de Netanyahu, o “premier” de Israel também fará suas reivindicações.

 

Ele afirmou que somente ameaças muito concretas dobrarão os iranianos. Para Bibi, as sanções não funcionaram e isso de falar que “todas as opções estão sobre a mesa” não assusta ninguém em Teerã.

 

Os EUA teriam de falar algo assim: ou param de enriquecer urânio a 20% ou mandamos bomba. Quanto à Síria, Israel já tem um pedaço da região limítrofe com tal país, as colinas de Golã, mas teme ser atingido por combates da guerra síria.

 

Para ter uma “zona de segurança” maior e, portanto, mais garantida, gostaria de conquistar mais um pedaço do território sírio

 

As autoridades militares israelenses deverão pedir a Obama que apoie essa ofensiva israelense, impedindo condenações na ONU, pelo menos.

 

Eles esperam que os EUA aceitem até participar das operações, bombardeando os sistemas de lançamento de mísseis do governo Assad.

 

Estas posturas nas questões iraniana e síria poderiam ser usadas por Netanyahu como moeda de troca por um “basta” na expansão dos assentamentos.

 

A viagem de Obama pode ter um mero objetivo de relações públicas ou suscitar discussões que poderão alterar profundamente a situação no Oriente Médio.

 

Caso a hipótese correta seja a primeira, gostaria de transcrever a frase de Alon Liel, diplomata israelense, ex- diretor geral do Ministério das Relações Exteriores e embaixador na África do Sul: “Se você, presidente Obama, pretende vir aqui para uma visita de cortesia, não venha. Nós não precisamos de você aqui para uma visita de cortesia”.

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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