Correio da Cidadania

Decantação dos fatos

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Eric Hobsbawm, no início do livro “Era dos Extremos”, lançado em 1994, pede desculpas ao leitor por analisar o século XX antes de terminado. É preciso ter certo dom para conseguir identificar a relevância de um fato no momento em que ele acontece, ou seja, se é revelador de futuro. O tempo é o reagente natural que, atuando sobre os fatos, os revela como relevantes ou não. O que não for será, naturalmente, despejado no ralo da história.

 

Sem ser um Hobsbawm e, portanto, sem as lentes que permitem ver através da poeira de irrelevâncias históricas suspensa no momento presente, com a nitidez do que é importante, sou capaz de apostar que nosso país irá permanecer “em desenvolvimento” por longo período ainda - o que, aliás, é um enorme eufemismo, pois significa, na verdade, “em atraso”. Lamento profundamente pelos nossos descendentes, que irão enfrentar situações cada vez mais dramáticas.

 

E por que isto irá acontecer? A resposta pode ser encontrada olhando-se o passado. Hoje, estamos estacionados no “em atraso” porque alguns governos irresponsáveis atuaram mirando um Brasil subdesenvolvido. Com tanto esforço, conseguiram fazer o país permanecer neste patamar vergonhoso, com sofrimento para toda sociedade. Faria exceções, nitidamente, aos governos Vargas e Geisel. No entanto, durante muitos anos, seguimos com este modelo de dependência, que só é bom para as empresas estrangeiras, os países estrangeiros e uns poucos nativos prepostos delas. Não há um projeto nosso de crescimento como nação, o que acarretaria máximo bem-estar social.

 

Para alguns pode parecer estranho, mas os governos do PT também serão vistos, por um observador do futuro, como administradores de economia periférica adaptada à imposição do capitalismo mundial dominante à época, sem lutar por uma condição de melhor participação da sociedade brasileira na divisão internacional das riquezas produzidas. Assim, não haverá diferenças, neste aspecto, em nível desejável em relação aos governos de FHC.

 

Escrevo estas linhas com a pretensão de conseguir alertar uma considerável parcela da esquerda para o fato de que, sem nacionalismo, não se consegue atingir um novo patamar de satisfação da sociedade. Sinto angústia porque acho que há erro de rumo, ontem e hoje, que, contudo, forças midiáticas poderosas negam. Nacionalismo não é “coisa de militares”, como procuram caracterizar, se bem que deve ser “coisa de todos”, inclusive de militares. Nacionalismo não significa também o país buscar se isolar do mundo, o que nos é incutido. Significa o país só aceitar a inserção internacional que beneficie sua sociedade.

 

Antes que alguns leitores passem para outro artigo, apresso-me a dizer que não estou me atendo à atuação do PT na distribuição interna da renda. Neste tópico, estes governos se sobressaíram sobre todos dos últimos 49 anos. Entretanto, infelizmente, faltam no nosso país um partido e um eleitorado que identifiquem na atuação soberana a única possibilidade de grande satisfação da sociedade.

 

Paradoxos, que mostram nosso erro estratégico, existem aos montes na nossa sociedade. Por exemplo, somos o único dos BRIC que não possui um carro inteiramente projetado e produzido no país. Em 1974, a Hyundai lançou seu primeiro carro e, até então, a Coréia do Sul não possuía um carro nacional. No entanto, agora, o Brasil cria uma reserva de mercado para a indústria montadora estrangeira instalada na nossa economia.

 

O próprio BNDES tem como diretriz o modelo dependente de desenvolvimento ao financiar empresas estrangeiras aqui instaladas, sem nenhum constrangimento por parte dos dirigentes e do corpo técnico do banco pela opção antissocial tomada. O Brasil é mesmo um paraíso para as empresas estrangeiras. Queria que, aqui, um executivo governamental, que concedesse uma benesse para uma empresa estrangeira, pelo menos sentisse vergonha e remorso, não precisando chegar ao extremo de praticar um haraquiri.

 

Desde as décadas de 1960 e 1970, excetuando os recursos aplicados na Petrobras, Embrapa, Embraer, Manguinhos e algumas outras poucas exceções, muitos recursos foram gastos visando o “desenvolvimento tecnológico nacional” sem grande sucesso. À primeira vista, se recursos para o desenvolvimento tecnológico forem aplicados fora do eixo estatal, têm grande chance de ser infrutíferos.

 

Assisti a uma apresentação do presidente da Embraer, na qual ele mostrou um gráfico relativo ao Brasil, com o tempo no eixo horizontal e o índice “US$ por tonelada de produto exportado” no eixo vertical. A curva resultante é acentuadamente declinante, ou seja, com o passar do tempo as exportações brasileiras passaram a ser cada vez mais concentradas em minérios e grãos, em detrimento de produtos com algum conteúdo tecnológico. Para mim, este gráfico mostra a falência do sistema de desenvolvimento tecnológico do país. Além disso, mostra também que o Brasil está no grupo dos países que, cada vez mais, auferem menos lucro no comércio internacional, por ser grande supridor de minérios e grãos aos desenvolvidos, proporcionando a eles padrões de vida bem acima dos nossos.

 

Incrivelmente, damos recursos públicos para empresas estrangeiras gerarem tecnologia. Portanto, não é por existirem poucos recursos que não se desenvolve tecnologia. A aplicação das arrecadações dos fundos setoriais precisa ser repensada, porque não está dando certo.

 

Só um país com um povo alienado permite que seu petróleo seja levado para o exterior por empresas estrangeiras sem deixar quase nenhum usufruto para a sociedade. É o que acontecerá com o petróleo resultante da décima primeira rodada de leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP), marcada para os dias 14 e 15 de maio. E o povo não se indigna, porque não foi informado pela mídia venal do capital.

 

Todos nós conhecemos a dificuldade de um governante para armar o quebra-cabeça composto pelas nomeações dos cargos de governo. Por exemplo, hoje, o Ministério da Integração Nacional está nas mãos do PSB. A Educação está com o PT. O Mantega é da cota pessoal da presidente, e por aí vai. Entretanto, tem-se a impressão que, para as diretorias das agências reguladoras, só opinam os agentes econômicos a serem regulados. As decisões que estas agências tomam corroboram esta afirmação.

 

Em 1995, durante o governo FHC, acabaram com a proteção à empresa genuinamente nacional, contida no Artigo 171 da Constituição. Outros países do mundo, inclusive desenvolvidos, protegem as suas empresas. Na França, as empresas genuinamente francesas gozam de privilégios, tanto que, durante as privatizações que ocorreram por lá, saíam em vantagem com relação às empresas estrangeiras, em qualquer leilão.

 

Graças a desrespeitos para com as empresas nacionais genuínas e devido à ausência de um projeto nacional, ocorreram a desnacionalização da nossa economia e, simultaneamente, a desindustrialização. Muitas vezes, afirmam que a empresa estrangeira instalada no Brasil também paga impostos e salários, o que é verdade. Contudo, o fluxo de caixa de médio prazo de uma multinacional será sempre deficitário para o país hospedeiro e superavitário para o país onde está a sua matriz. Além disso, a nacional genuína tem mais propensão a comprar localmente, a desenvolver tecnologia no país e a empregar mais brasileiros. Por tudo isso, deve-se privilegiar a empresa nacional genuína, a de capital brasileiro.

 

Só a aprovação de acordos internacionais de comércio, patentes e outros, nos moldes dos que foram aprovados no período neoliberal, mostra o grau de submissão a que chegou nosso país. Até hoje, não conseguiu se soerguer. Para um espectador distante parece que há medo do confronto e das eventuais retaliações por se ser soberano. Entretanto, para haver algum substancial crescimento, há necessidade de certo enfrentamento nos campos diplomático, comercial e ideológico. O desenvolvimento é sempre conquistado, nunca recebido. Por outro lado, é primordial existir um planejamento estratégico do crescimento e do enfrentamento, o que, salvo engano, não há no Brasil.

 

O capital internacional e sua mídia servil, que infelizmente é a que desinforma a grande massa brasileira, estão em campanha para ampliar a dominação sobre nossa economia e sociedade. Neste momento, um deputado e um senador, ambos do PMDB, entraram nas suas casas legislativas com dois projetos de lei para destruir o pouco que foi conquistado com a edição do novo marco regulatório da área do Pré-sal (lei 12.351 de 2010). Querem que a exploração desta área seja feita de forma tão ruim para o povo brasileiro quanto é a exploração das áreas fora do Pré-sal, onde é utilizada a lei 9.478 de 1997.

 

Outro ataque para a quebra da nossa resistência consiste do lançamento de informações, na maioria das vezes tendenciosas, sobre a Petrobras. O objetivo é tê-la privatizada para o seu lucro cair nas empresas que a arrematarem, e que ela não mais atenda aos interesses da nossa sociedade. Todos estes fatos - juntos de mais informações como, por exemplo, a pouca importância dada pela presidente à entrega do petróleo nacional na décima primeira rodada (pois foi por ela aprovada) - são definidores de um futuro nada promissor que nos espera e, principalmente, a nossos descendentes.

 

Leia também:

João Teimoso neoliberal

Prejuízo da Petrobrás: a grande mentira

 

Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia.

Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br/

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